sexta-feira, 30 de julho de 2010

Os bugrinhos

Era um casal de chamar atenção. Ele era um boliviano “crucenho” de descendência espanhola, a cara do Omar Sharif, tremendo boa pinta. Ela uma brasileira, gaúcha de descendência alemã, daquelas loiras de olhos azuis, de fechar o comércio. Casados a mais de 5 anos, não conseguiam ter filhos e resolveram adotar. Não sei porque cargas d'água, pegaram dois de uma vez, um casal, mais daqueles índios do altiplano, cabelo escorrido, olho esbugalhado, bochechas avantajadas, que Deus me perdoe, chamar de feios era elogio. Cara do Evo Morales. As crianças com uns 4 anos além de feias eram terríveis. Como eram muito amigos nossos, vieram a Corumbá, na época em que tínhamos a Mania, boutique muito chic e que minha irmã, sócia, tocava. A mãe foi com os dois pestinhas na loja e eles estavam botando a mesma abaixo, sem que a mãe os controlasse. A Maria Lucia já louca com a coisa não sabia mais o que fazer. Lá pelas tantas, em seu legítimo castelhano falou:
- Que ninhos tan ricos, e super ativos, mas no puxou muito a usted.
Antes que a mãe pudesse falar qualquer coisa completou:
- Mas é la cara del padre, no? Parece que usted no teve participação nenguma na fabricação del dos.
Falava e ria e ninguém a acompanhava, pois todos sabiam que eram adotados e a mãe era brasileira, pra que o portunhol!!?. Quando a mulher saiu da loja, Beá que tinha assistido tudo falou que os guris eram adotados.
Ela respondeu na maior:
- Orra meu, por isso que eles são feios assim?
Maria Lucia é famosa pelo seu desligamento, mas comerciante que nem papai, vende geladeira para esquimó e cobertor para o Demo, mas não consegue diferenciar um cara pálida de um pele vermelha.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

A Viagem

De agosto de 1975 a dezembro de 1984, nós moramos em Taubaté. Mena, irmã de Beá, casada com Oscar Augusto, o Cauto, morava em São José dos Campos, também nas margens da Dutra, 40 km mais próxima de São Paulo. Estávamos sempre juntos nos fins de semana. Ou eles vinham para Taubaté ou nós íamos para São José. Nas férias, sempre que dava, também saíamos juntos para Corumbá. Além delas serem daquelas irmãs muito unidas, nós, os maridos, também nos entendíamos muito bem, aliás até hoje.
A Mena tem uma particularidade, ela é muito medrosa. Sempre que viajava queria ter mais companhia. Numa das voltas nossa para Taubaté, eu tinha um Dodge Dart, de não sei quantos cavalos, mas era uma tropa e tanto e gostava de correr. Bebia muito mas andava para a época uma barbaridade. Pegava fácil 160 km/h com máxima de 220 km/h, enquanto os fuscas pegavam 120km/h, e iam no máximo a VDO, que acho era o fabricante do velocímetro. O Cauto tinha um corcel com a metade da potência e não gostava de andar rápido. Desde que pegamos o trem em Corumbá (com os carros embarcados) para Campo Grande, estava preocupado de não conseguir chegar no mesmo dia como programado. Eram 1600 km de estrada e se fossemos na batida dele teríamos que dormir no caminho. Beá e Mena não dirigiam na estrada, aliás eram ruins de tudo e viviam batendo na cidade, então em estrada nem deixávamos elas dirigirem. Viajávamos muito e só sobrevivemos graças a essa precaução. Hoje já deixo Beá pegar um pouco. Mas saímos de Campo Grande e fizemos a grande viagem. Às vezes eu dava uma distraída e o Dodge, como que por vontade própria, descolava do Cauto. Reduzia, esperava por ele, pedia que assumisse a dianteira e seguia viagem. Ao escurecer as coisas pioraram. Bateu um sono no homem e ele parava de quinze em quinze minutos no acostamento, corria ao redor do carro, fazia flexões com o joelho e continuávamos. Quando achava que ia engrenar e dar um estirão, ele encostava de novo. Quando falei em ir embora e largar ele para trás, Beá quase tevê um enfarto.
Assim, aos trancos e barrancos, fomos até pararmos em um posto na entrada de São Paulo já bem tarde. Aí ele disse que estava novo, tinha passado o sono e São José já estava bem ali. Iria na frente e qualquer coisa eu o avisaria. Eu já estava de saco na meia. Viagem de 14 horas ia demorar 20, e ele ainda me gozava. Ia abastecer, entrava 15 litros no corcelzinho dele e 40 no meu dodgão, e sempre a mesma observação:
- Como bebe essa sua banheira, hein? Não sei o que você quer com isso.
E saíamos, ele com pé embaixo e eu em marcha lenta.
Quando apareceu a placa de "São José, Entrada a 1km" que tudo aconteceu. Meu dodgão deu uma guinada para a direita e entrou no acostamento, só não caindo numa pirambeira porque íamos devagarzinho. Tinha estourado o pneu dianteiro direito. Cheguei até a pensar que ainda bem que estávamos de dupla e não estava a 140. Dei sinal com a luz conforme combinado: duas vezes alto, baixo, apaga tudo, acende a alta. Uma, duas, três vezes e fiquei olhando aquela lanterna traseira do corcel dele indo embora. Pegou o acesso de São José e depois de 20 horas, eu pajeando ele, o filho da puta me largou no acostamento de pneu furado e foi-se embora.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Whiskynho de Papai

Papai sempre foi bom de copo. Algumas histórias eu escutei e outras vivenciei. Ele contava que quando solteiro, sentava em um bar na Frei Mariano, quase esquina com a avenida, se não me falha a memória se chamava America, e começava a beber com os amigos. Ia descendo cerveja e a organização do bar era de não tirar as garrafas para poder contá-las no final e efetuar a cobrança. Quando enchia a mesa, era colocado um engradado no chão e passavam para ele as garrafas vazias. A brincadeira era ver quem levantava por último para ir ao banheiro, e o ganhador não participava do rateio da conta. Sempre quem ganhava era o Mateba . Muito tempo depois que foram descobrir que ele urinava sentado, sem ninguém perceber, e dentro das garrafas. E descobriram da pior maneira. Achando que tinham colocado cerveja cheia dentro do engradado e como já estava quente, para não desperdiçar os copos foram preenchidos com o mijo do Matebão. Quando sentiram o gosto diferente, ele, que não tinha visto o companheiro completando os copos com "aquela" garrafa, adivinhou e falou que era sua urina. Quando quiseram bater nele, ele se defendeu dizendo que os companheiros não sabiam perder, pois a aposta era de quem era o último a levantar e não o último a mijar.
Muito tempo depois, papai já com 85 anos e sempre tomando seu Whiskynho, começou a deixar Mamãe preocupada. Falava que ele estava bebendo muito e que tínhamos que conversar com ele. Quando fui falar, ele me garantiu que tomava só duas doses e de dois dedinhos cada, antes de cada refeição. Acreditei nele e fiquei achando que Mamãe estava exagerando até o dia em que descobri o problema. Mamãe não estava exagerando e ele estava falando a verdade, o problema era de memória. Ele tomava a terceira, quarta e quinta, sempre achando que era a segunda. Quando falei isso para ele, que estava esquecendo e já devia ser efeito do álcool, só faltou me bater. Aí completei dizendo para ele fazer uma marca na garrafa e colocar a data. Para minha surpresa ele disse:
- Seu sabichão (ele falava isso sempre que estava puto comigo), eu já fiz isso.
- E aí pai, o que descobriu?
- O pior. Descobri que a Ana esta bebendo do meu whisky. Eu sirvo e ela serve junto.
Não acreditei no que estava ouvindo. A Ana era de confiança de Mamãe e nunca iria fazer isso. Não tinha jeito, ele iria sempre achar uma desculpa para tomar todas.
Aí a minha irmã teve uma idéia brilhante. Compraríamos o whisky dele e preencheríamos a metade com água. Então começou a operação, que batizamos de Paraguaia. Com uma agulha de tirar sangue de cavalo aquecida, furávamos o conta gotas de uma garrafa vazia e preenchíamos com 70% de whisky e 30% de água mineral. Com o tempo fomos mudando a proporção até chegar a meio a meio. Ele não percebia nada e com isso de duas garrafas por semana, esse era o consumo dele, passou para uma.
Chegávamos a fazer a multiplicação dos whisky de caixa. Sempre tinha um filho ou nora ajudando. Tinha caixas de whisky preparadas em minha casa. O incrível é como ele não percebia mesmo sendo um bebedor experiente e conhecedor. Ele identificava a marca só no paladar. Como Mamãe continuou pegando no pé dele, um belo dia ele falou para ela:
- Pronto, tomei uma decisão junto com essa última dose de whisky. Foi a última da minha vida.
E não bebeu nunca mais. Com o cigarro foi a mesma coisa. Ele fumou um cigarro continental sem filtro e também falou, "foi o último", para nunca mais fumar. Esse era papai, nunca vi ninguém de mais opinião do que ele.
Tenho muitas saudades.

terça-feira, 27 de julho de 2010

O Enxurrio


Já me falaram que as coisas mais complicadas, muitas vezes tem soluções muito simples, e nós não vemos, ou pela gravidade do problema ou porque somos burros mesmo. Eu era sócio e o auditor de uma empresa, quando resolvemos encerrá-la. Além de meu irmão tinha mais dois sócios dos quais ficamos muito amigos, e eles tinham muita confiança na gente. Mas encerramento de empresa é uma coisa muito séria e que não pode ter erros ou se corre o risco deles serem mal interpretado. Como eu era piloto e também já tinha sido calculista e esses também não podem errar, não estava preocupado com o trabalho que eu tinha feito e sim com a data da apresentação. Não me lembro dos motivos mas já tinha adiado essa apresentação por duas vezes. A reunião foi remarcada, pela terceira vez, e combinado de nos encontrarmos em Foz do Iguaçu, pois um dos sócios, queria conhecer as cataratas e a usina de Itaipu. Tudo pronto e dois dias antes pego a maior disenteria da minha vida. Não podia nem espirrar porque qualquer pressão era aliviada pelo suspiro inferior. Coisa braba mesmo. Entrei em desespero pois se adiasse mais uma vez ia ficar parecendo que eu não queria prestar contas, ou que havia algo errado e eu estava querendo tempo para consertar.

Iríamos de carro, sairia daqui de Corumbá, com meu irmão e a minha prima Laís que trabalha com a gente, e tocaria para Foz. Chegaríamos no horário marcado, já considerando todas as paradas em todos os banheiros da estrada. Tinha só um problema a resolver. Não uso papel higiênico há mais de 30 anos, primeiro porque acho a coisa mais sem higiene que existe, uma vez que não limpa, esparrama, e depois tenho uma amiga chamada hemorróidas que não me abandona jamais. Não tinha outro jeito, tinha que levar um bidê comigo. Aí que veio a idéia, simples e por isso, genial. Comprei uma bomba costal que era usado em pulverização de lavouras. Você coloca nas costas, como uma mochila, e tem uma alavanca de um lado que você bomba e faz pressão dentro do reservatório, e do outro sai uma mangueirinha, com um bico onde você regula o jato. Tinha que ser zero bala, não poderia correr o risco de socar herbicida ou pesticida no rabo. Podia ser das pequenas, e as menores eram de 5 litros, volume mais que suficiente para uma higienização mais que perfeita. O Zé até deu a idéia de colocar pétalas de rosa dentro para perfumar o meu, pelo que foi mandado tomar no dele, devidamente.

Tudo certo, pegamos o carro, tomei um remédio para tentar segurar, e deitamos cabelo. Na primeira hora já começou aquele roc roc e nada de posto. Em último caso seria no acostamento. Como por encanto passou tudo. Fiquei contente e achei que era o remédio que estava começando a fazer efeito e ao mesmo tempo lembrei que tinha que abastecer a bomba, pois tinha pensado em posto, não previ a possibilidade do acostamento. Lá pelas tantas apareceu um posto bom e, por incrível que pareça, o Zé ou Laís que quiseram parar. Era um BR bonito, limpinho, parecia que estávamos no Posto 10. Como quando um vai, vão todos, desci para fazer um pipi, mas tranqüilo. No meio do mesmo aconteceu a besteira, fui dar um punzinho e me caguei todo. Só senti aquela coisa quente e já gritei pro Zé:

- Traga a bomba costal que apareceu intrusos no meu peido.

O besta, ao invés de ir disfarçadamente, saiu desesperado do banheiro, foi ao carro pegou a bomba e voltou correndo. Umas 10 pessoas que estavam olhando se assustaram sem entender qual podia ser o tamanho dessa barata para colocar um homem daquele tamanho para correr e o que tinha naquela bomba de tão poderoso. Nem precisou da bomba pois tive que tomar banho e trocar de roupa. Não escapou nem a meia. Aí aprendi e punzinho nunca mais. Fui mais 5 vezes e a bomba funcionou que é um espetáculo. Ótimo para viagens, recomendo a todos, independente de estar ou não com enxurrio.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Casa das Sogras

A expressão "Você esta pensando que aqui é a casa da sogra?" não pode ser usada por mim. A resposta, com certeza, será "Não só estou pensando, como é, literalmente", pois vivem 3 sogras nela, a minha, a de minha mulher, e a de nossas noras. O antigo quarto de Laura foi ocupado por minha mãe, Julieta (88 anos), e os dos meninos, pela minha sogra, Odilza (80 anos), as viúvas alegres, como gostam de ser chamadas. Fica um de frente para o outro, mas como o de Odilza é maior, eu tenho três filhos e uma filha, mamãe passa o dia no quarto dela. Ficam naquelas cadeiras que reclinam e tem apoio para os pés, uma do lado da outra, vendo "Rede Vida" o dia inteiro, exceção para as horas das idas diárias na Apae e Asilo. Em dias normais assistem duas missas, em dias especiais, umas cinco. Tem a filha da nossa cozinheira de 5 anos, que convive com elas. Na ultima eleição, não podia ver nem santinho de vereador que já tascava beijo. No ritmo que ela vai, sairá de casa e ira direto para um convento. Elas não ligam quando eu falo que os quartos delas já cheiram incenso, de tanta missa que assistem.

Apesar de viver brincando com as duas, tenho certeza que tenho dois anjos dentro de casa. Meus sogros foram os fundadores da APAE - associação dos pais e amigos dos excepcionais de Corumbá à quarenta anos atrás e minha mãe vai bater recorde de presidente do Asilo São Jose, deve ser presidente a quase 50 anos. Tenho o maior orgulho das duas. Elas se divertem pois a casa vive cheia de bisnetos. Tenho 9 netos com seis morando em Corumbá, sendo que a casa do filho mais perto é quase vizinho, só pula uma, e o do mais longe fica a três quadras.

Mamãe faz chover, literalmente. Ela é muito católica e pode duvidar da dureza de uma pedra em suas mãos, mas não fraqueja nenhum minuto como qualquer ser normal, quando fala de Jesus. E é incrível como ele a atende e como a conforta quando não pode atender. Todas às vezes antes de contar essa história, tenho que jurar que é verdade pois ninguém acredita, a não ser aqueles que viveram o momento. As fazendas de engorda da Ema ficam na parte alta e todas perto de Corumbá. Temos acesso por carro o ano inteiro e algumas são na beira do asfalto. Apesar de isso ser muito bom tem um grande inconveniente, o fogo. Em 2003 tivemos um incêndio de proporções enormes. Estava com Beto e Daniel no escritório, quando veio a notícia que tinha entrado um fogo em Campo Novo. Corremos até lá para ajudar no combate ao incêndio. Quando chegamos em São Bernardo, que fica no caminho, já encontramos o capataz sozinho e aloitando com outro foco que tinha acabado de começar. Resolvemos ajudá-lo pois seu trator com a pipa cheia d'água parou e o fogo ia queimá-lo. Me lembro de amarrando o gancho na minha pajero para tirar o trator e colocá-lo em lugar seguro e o gancho da corrente estava quebrado e não conseguia encaixá-lo no reboque do carro.

O Fogo chegando e nós naquele sufoco, quando toca meu celular. Era papai. Apesar da situação, tinha que atendê-lo, quando perguntou se já tinha chovido e apagado o fogo. 
Não sei como que papai com mamãe ficaram sabendo. Eu com o trator com fogo nas rodas, falei rápido que não tinha uma nuvem no céu. Ele disse que mamãe estava rezando e que ia chover. Desliguei meio sem entender já no meio das chamas. Conseguimos arrastar o trator e depois de colocá-lo em lugar seguro fomos para a sede. Começamos a nos preparar para parar o fogo antes do mesmo atingir as instalações. As casas da sede, do capataz e do consultório de atendimento médico dentário são todas de madeira. Se chegasse ali, com a ventania que estava, ia tudo virar cinzas. Quando o fogo chegou, queimou um chiqueirinho em minutos. Nosso vizinho, o Milton Zacaner que estava passando de volta para a cidade, quando viu nosso sufoco parou para nos ajudar, mas nada segurava as chamas. Quando já estávamos entregando os ponto, já tinha acabado a água, os abafadores tinham queimados e não tinha mais o que fazer, e tudo isso acontecendo com papai ligando a cada 15 minutos para perguntar se já tinha chovido, formou um tempo totalmente fora de época e desabou um aguaceiro por 10 minutos e apagou todo o fogo. Me lembro de um dos meus filhos abraçado comigo chorando quando o Milton Zancaner me falou:
- Companheiro, eu nunca vi isso na minha vida. Você é um cara abençoado.
Respondi na hora:
- É minha mãe meu amigo. Mas deixe eu ligar para ela e avisar que já pode parar de rezar. Peguei o telefone e liguei para papai e falei, com o Milton me olhando assustado:
- Pai, avise mamãe que está chovendo e a chuva já apagou o fogo. Que ela pode parar de pedir e agradecer o "Homem".

Ela é assim. Depois desse dia, todas as vezes que o pasto esta secando e está faltando chuva, o Guilherme vai até ela e pede para ela rezar para chover. Já aconteceu, e várias vezes, de eu perguntar a ele se o pasto está muito seco e ele responder: "está, mas já falei com vovó", e não falha. É uma coisa realmente impressionante. Nunca vi nada tão de perto como esses milagres que ela consegue. Quando os netos vão falar que ela é o máximo, a resposta é sempre a mesma:
- Isso é para vocês verem como é bom esse nosso Jesus.
Bom e amigo dela.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Jamal Wheba

Jamal Wheba foi pediatra de todos os meus filhos e agora é dos meus netos. É daquele médicos de família. Ele cuida do gurizinho, ensina a mãe o que tem que fazer e agüenta encheção de saco de pai chato. Ele tem as duas coisas mais importantes em qualquer bom profissional: conhecimento e bom senso. Morávamos em Taubaté e quando acontecia alguma coisa e ligávamos para ele, a conversa era sempre a mesma:
- Leve ele num médico aí e depois me telefone.
Teve um dia que cheguei em casa da Mecânica Pesada na hora da janta e o Daniel já estava dormindo.
Quando acordado para jantar, e me lembro que tinha panquecas no cardápio, começou a debruçar na mesa para dormir. Apertamos a empregada para saber se tinha acontecido alguma coisa diferente e ela se lembrou que ele tinha caído do sofá e batido a cabeça, mas nem chorou muito e voltou dormir. Resolvi testar e falei meio brabo dizendo que se não jantasse ia colocá-lo de castigo. Com isso ele pegou a panqueca com a mão e levou na boca. Quase caí duro de susto e vi que tinha algo errado e já saímos correndo para a clinica do médico de Taubaté. Íamos sempre nele pois não se incomodava de ligar e trocar idéias com o Jamal. Não era daqueles que se achavam e até gostava de ter contato com um professor da Escola Paulista. No caminho ele já começou a vomitar e vimos que a coisa era realmente feia. Não tinha celular naquela época e só depois que chegamos a clinica e o médico deu plasil para ele que conseguimos falar com o Jamal. Ele pediu para falar com o colega na mesma hora, mandou aplicar cortizona, e voltou a falar com Bea depois e disse:
-Ele vai dormir com o medicamento que deram. Preferia que não tivesse dado, mas não tem problemas. Assim que ele acordar e se não acordar sozinho até as 6 da manha, vocês o acordem e testem-no com alguma pergunta que ele sabe responder. Se ele não estiver 100% em ordem me liguem, ou melhor, me liguem de qualquer jeito a hora que for.
Bea perguntou se era sério e ele respondeu que esperava que não. Respostas assim, pode parar que você não conseguia tirar mais nada dele. Bea e eu passamos a noite na clinica e revezando acordado para fazer a pergunta assim que ele despertasse. As 6 horas em ponto demos uma mexidinha nele e ele acordou. Aí começou o diálogo comigo:
- E aí filho, dormimos aqui na clinica.
Ele olhou em volta e não falou nada. De preocupado comecei a ficar desesperado. Aí perguntei, já na maior angústia:
- Me diz o seguinte filho. O sol que gira em torno da terra?
Ele estava estudando ciências e sabia disso. Olhou para mim e falou:
-Ô pai, claro que não. A terra que gira em torno do sol. Você não sabia?
Foi um alivio daqueles que só quem é pai pode imaginar. Na mesma hora ligamos para o Jamal que falou:
-Ok, então. Podem ficar tranqüilos que não tem mais problemas. Vou desmobilizar a turma aqui.
Depois ficamos sabendo que já tinha equipe cirúrgica, hospital, anestesista, tudo pronto para fazer um alívio na caixa craniana. Hoje é uma coisa muito simples, mas a 30 anos atrás não era fácil.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Cadê Corumbá

No capítulo Mario Baldi eu relembrei de meu acidente de carro. Sai do hospital e fui para a delegacia de Araçatuba. Fiz a ocorrência e o delegado se encarregou de despachar meu carro semi-destruído para Corumbá, apesar das observações que o transporte ia ficar mais caro que o que restou do carro. Mas era só a lataria. A parte Mecânica estava boa, tanto que embarcou rodando no trem. Fui para a estação para pegar o trem e seguir para São Paulo. Estava escurecendo e o trem passava por volta da uma da madrugada. Fiz amizade com o responsável da estação, que até me arrumou uma cama para descansar. Estava começando a passar os efeitos da anestesia e a testa e braço começavam a doer muito. Estava dormindo quando fui acordado pelo Herbert. Eu não o conhecia, mas ele é de Corumbá e estava indo para Bauru, quando escutou no radio de seu carro sobre o acidente e dando como eu estando hospitalizado em estado grave. Mudou seu rumo e foi bater no hospital de Araçatuba. Com as informações obtidas lá, chegou na estação para ter certeza que eu estava bem. Isso são coisas que a gente nunca esquece e o Herbert é meu amigo e tenho orgulho disso até hoje. Estávamos conversando, eu meio sonado ainda, quando veio a segunda noticia. Meu trem tinha descarrilado e estava sem previsão de horário. O que saía de Bauru para Corumbá, já tinha sido cancelado. Entrei em pânico. Mamãe quando recebesse a notícia do acidente ia ter um enfarto. Resolvi pegar um avião e voltar para Corumbá. No clarear do dia fui para Urubupungá de taxi, para pegar o primeiro vôo, já preocupado com o dinheiro, que com tudo isso estava acabando. No aeroporto verifiquei que os vôos não eram diários e nesse dia não tinha. Eu com dezoito anos completados a três dias e sozinho naquela situação, comecei a me desesperar. Nisso apareceu o Ronaldo ou Reinaldo e me falou:
-Tenho um taxi aéreo e vou fazer bem baratinho. Em três horas você esta em casa.
Se fosse hoje, com os conhecimentos de aviação que eu tenho, saberia que isso não era possível, mas na época e na hora vi aquilo como a minha salvação e o único caminho. Eu o pagaria em Corumbá. Era um Cessna skylane 182. Um avião asa alta e de quatro lugares, piloto mais três. Me lembro dele com o mapa e régua na mão fazendo contas e traçando a rota. Era um piloto muito novo e sem nunca ter viajado por nossas bandas.
Decolamos as 7 da manhã em ponto. Depois de uma hora de viagem, como não conseguia dormir e estava tresnoitado, ele sugeriu que eu passasse para o banco de trás que me acomodaria melhor. Foi o que fiz e dormi profundamente. Quando acordei eram 11 e me lembrava dele dizendo que chegaríamos em três horas. Já tinha andado algumas vezes nesses aviões. O pai da minha namorada tinha um parecido e eu sabia que os marcadores de combustível, eram dois - um para cada tanque, ficavam nas laterais, na altura das asas. Olhei para o da esquerda, que estava na minha frente pela posição que estava deitado, estava vermelho, ou seja, seco. Me sentei no banco de trás e olhei o outro marcador, estava na reserva. Pulei para o banco da frente e olhei para o horizonte:
- Cadê Corumbá? , perguntei ao Ronaldo
- Devemos estar chegando, pelo menos espero, pois nosso combustível está acabando.
- Acho que não companheiro. Tem os morros do Urucum e você pode vê-los de muito longe.
O cara olhou para mim como se os morros não estivessem no mapa e resolveu abri-los ali. Eu só conseguia pensar que escapei de morrer em um acidente de carro e agora ia cair com um avião, mas sabia que a única chance era não entrar em pânico. O Ronaldo fechou o mapa e falou:
- Você tem razão. Pegamos muito vento de frente. Temos que achar uma pista para pousar.
- Tô ferrado, como vou chegar em Corumbá antes da noticia do meu acidente?
- Vamos resolver um problema de cada vez. Me ajude a achar uma fazenda com pista. Se dermos sorte, arrumamos combustível de automóvel e chegamos lá. Olhei para frente e vi um brilho no horizonte. Mostrei a ele e falei que devia ser um telhado. Ele olhou o marcador e cruzou os dedos para mim. Mais dois minutos de vôo e se confirmou o telhado. A pista ficava em frente da casa, mas em sua cabeceira tinha duas bocaiuveiras, que são uns coqueiros muito altos.
Na primeira tentativa ele tentou passar por cima das bocaiuveiras e não deu, teve que arremeter. O vento estava muito forte e as bocaiuveiras atrapalhando demais. Fez nova aproximação e desta vez veio mais baixo para passar por entre as bocaiuveiras. Conseguimos pousar. Infelizmente não lembro mais o nome da fazenda, mas fomos muito bem atendidos. Nos convidaram para almoçar e o capataz nos tranqüilizou, dizendo que o patrão tinha uma rural e deixava um tambor de gasolina na fazenda e que poderia nos arrumar uns 30 litros. Confirmado que estávamos na rota, o problema tinha sido mesmo o vento, almoçamos e ficamos aguardando o vento melhorar. Tinha também o problema do horário, quando a sustentação é ruim nas horas quentes do dia.
O Ronaldo me explicou que não poderíamos colocar muita gasolina de carro pois como a octanagem era bem menor, tinha que misturar com um pouco da do avião para não ter perigo de pipocar na decolagem. Por volta das 16 horas, depois de abastecer o avião, coando a gasolina em pano de prato, decolamos. O vento tinha melhorado e com 15 minutos de vôo apareceram os morros do Urucum. Mais 15 estávamos pousando na minha Corumbá. Do aeroporto, telefonei para o Tontonio. Em 5 minutos ele chegou com papai. Me abraçavam e o Tontonio chorava. Quando falei para papai que o carro tinha acabado, ele me falou: "Vão se os anéis, mas que fiquem os dedos".
Íamos direto para casa quando papai resolveu me levar no Dr. Fadah primeiro. Ele falou que seria melhor pois já falaríamos a Mamãe que ate o médico dele já tinha visto que estava tudo bem. Não foi boa idéia.
Quando chegamos em casa, já estava cheio de gente, e o médico do Samdu atendendo Mamãe. O Angelino, da farmácia Santa Maria, me viu na rua de cabeça enfaixada e perguntou a ela o que tinha acontecido comigo. Depois de todo o sacrifício para ela ter a noticia comigo do lado, alguém deu com a língua nos dentes. Quando ela me viu já estava em uma crise nervosa e em menos de 15 minutos tinha mais gente na minha casa do que em qualquer das festas que fizemos lá. Eu presenciava meu próprio enterro. Com a quantidade de carro parado na porta e o pessoal recebendo a noticia do acidente na rua, ia para ver o corpo e topava comigo numa nice lá, e Mamãe passando mal. No final das contas, até não fiquei muito triste. Voltei com meu fusca velho que ainda não tinha sido vendido e com tudo isso, namorei mais três dias.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Mario Baldi

03 de agosto de 1968. Nunca vou esquecer esta data. Estava no primeiro ano de engenharia e tinha acabado as férias de julho. Estava já naquela tristeza de sempre, de ter que voltar para São Paulo e deixar minha Corumbá, ficando longe de pais e amigos de farra e, principalmente, da namoradinha.
Embarquei o carro no trem até Três Lagoas, pois a estrada para São Paulo só era asfaltada a partir de lá. Ia pegar o avião até Urubupungá, pois não tinha aeroporto em Três Lagoas, ia de taxi até a estação de trem onde estava o carro e em 10 horas estava em São Paulo. Não era fácil, pista asfaltada mas de mão dupla. Meu companheiro de viagem seria o Luis Mario Mateba, mas no último momento desistiu. Não tinha tempo de arrumar outro e acabei indo sozinho. Foi a sorte dele. Viveu mais 50 anos depois desse dia.
A primeira zebra aconteceu quando com meia hora de viagem percebi que tinha largado as malas na estação. Quando voltei até lá, por desencargo de consciência, já achando que alguém tinha levado tudo, me surpreendi ao encontrar tudo no mesmo local que deixei e a estação completamente vazia. Carreguei o carro, um fusca 1300 zero bala, vermelho cereja, todo equipado com toca fitas e buzina a ar. Sempre trocava o carro no final do ano, mas dessa vez, como o Tontonio tinha feito um negócio e tinha entrado o carro no meio, papai resolveu passar ele para mim. Ia a 100 km/h e quando estava passando por Araçatuba, com menos de uma hora de viagem, deu a merda.
Ia numa bicicleta, um cara com uma criança na garupa. Uma combinação de carro ruim, excesso de velocidade e falta de experiência levou ao desastre. Coloquei o carro no meio da pista e meti a mão na buzina para prevenir. O ciclista se apavorou e foi bem pra beradinha da estrada, que tinha um pequeno degrau para o acostamento. Quando estava a uns 20 metros a bicicleta caiu no acostamento e para não perder o equilíbrio ele teve que virar para o centro da pista, atravessando a minha frente. Meti o pé no freio, e se nem disco existia, imagine ABS, o freio era daqueles de lona e fiquei completamente sem direção. Quando vi que ia bater nos dois, larguei do freio e virei para a direita, livrando da bicicleta, mas aí eu que caí no degrau do acostamento e quando tentei puxar o carro para a estrada de novo ele capotou. Me lembro de estar com as 4 rodas para cima e o carro deslizando sobre o teto. O para brisa tinha estourado e entrava toda aquela terra por ele. Eu achava que a qualquer momento o capo ia se soltar e me degolar. Na hora, lembro-me muito bem, me lembrava de falar "minha Nossa Senhora".
Hoje, já velho, não sei se reputo a isso o fato de sair vivo desse acidente, ou se todo mundo, em situações extremas recorrem a coisas fora daqui. Mas não sei porque motivo, o carro deu a outra meia volta e quando parou estava com as rodas no chão. A poeira que estava no ar me fez pensar que era fumaça e que o carro estava pegando fogo. Tentei abrir a minha porta e não consegui, quando vi que a porta do lado do passageiro estava aberta, mas o teto ali quase encostava no banco. Teria, sem dúvidas, matado o Luis Mario se ali ele estivesse. Tive que sair de quatro por essa porta e quase cai no barranco. Aí vi que o carro estava na beira de um precipício e totalmente destruído. Num momento de no sense comecei a xingar os caras da bicicleta, que ao invés de me socorrerem, fugiram.
Nesse momento parou um caminhão desses 3/4. O motorista me olhou muito assustado e perguntou se eu estava bem e se tinha mais alguém no carro. Quando falei que estava bem, sem eu entender direito o que estava acontecendo, ele correu até o carro, pegou a minha mala e me mandou entrar no caminhão que ele me levaria a um hospital. Eu estava de calça jeans, na época só tinha lee, ou wangler, e uma camisa branca, gola role de manga cumprida. Essa camisa nunca me deu muita sorte. Quando olhei para o meu braço direito que percebi que estava todo ensangüentado, e nesse momento senti uma coisa quente percorrendo meu rosto. Pela cara do motorista, vi que tinha algo errado e quando passei a mão no rosto ela se manchou toda de sangue. Estava com um corte enorme na testa e pálpebras. Devo ter batido no teto, pois cinto na época, só para segurar as calças. Fomos para o hospital e fui direto para a sala de cirurgia onde fui atendido pelo Dr. Mario Baldi.
Tirei a camisa e deitei na maca. Limpou minha testa e me tranqüilizou. Era grande o corte mas superficial. O braço idem. Fiquei uns 30 minutos na mesa e tomei mais de 40 pontos entre braço e testa. Ao terminar, ele falou para que tirasse as calças para examinar o resto do meu corpo. Aí tomei o maior susto de minha vida e ele um dos grandes. Minha cueca, bem no lugar que fica o poderoso, era uma sangueira só. Percebi a cara de apavorado dele e eu já comecei a perder os sentidos. Sentia que a perna me faltava e comecei a sentir uma dor horrível no pênis, como se tivesse sido amputado. Ele começou, sem coragem de olhar, a me apalpar. Nessas horas o companheiro devia estar medindo 1cm no máximo. Ele procurava e não achava e perguntando se doía. Eu não sentia nada. Aí ele criou coragem e baixou minha zorba. Quando viu meu pinguelo no lugar, levantou, abaixou e quando certificou que estava tudo certo ficou numa alegria que me emocionou. Nunca mais tive notícias do Dr. Mario Baldi, mas passei muito tempo rezando todas as noites por ele.
Mas depois do susto que caiu a minha ficha sobre o acontecido. Quando entrei no caminhão, para não sujar a cabine do cara que estava me socorrendo, deixei o sangue da testa escorrer pelo rosto e pingar do queixo no meu colo. Na calça, como era jeans azul, não aparecia. Já na zorba branca, era um vermelhão só. Mas passado o susto, eu tinha que tomar as providências para despachar o carro para Corumbá e tomar o trem para São Paulo. Achei que a aventura tinha terminado, mas não, ainda tinha muita emoção pela frente, e devido ao Herbert Hess. Escrevo na próxima.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Dalvinha

Eu devia ter uns 12 anos e já tinha quase a estatura que tenho hoje, 1,80m. Então passava por uns 14 anos tranqüilamente. Ela era muito bonitinha e devia ter essa idade, morena, baixinha. Vou parar a descrição por aqui para não apanhar, mas resumindo, boa e bonita. Tinha um grande defeito, o irmão. Era um touro, ou melhor, um jumento, porque não ia com a minha cara, nem eu com a dele. Apesar disso eu o queria como cunhado de qualquer jeito. Mas não estava fácil, a menina não queria nada comigo. Para completar, falaram pra ela que eu só tinha 13 anos. Era mais novo que ela, mas quando soube que eu nunca tinha beijado na boca, se encantou. Aí, como diz meu irmão até hoje, o limão virou uma limonada. Ela queria ser a primeira, e eu ia "deixar".
Começamos a namorar e o primeiro beijo a gente, também, nunca esquece. Nem eu nem o JB, esse era o nome do jumento. Estava no aniversario de um amigo, o Sergio Gattass, e fomos para a porta. Eu já molhando os lábios e assim que saímos, foi de cinema, aqueles romances melados. Quando terminei, mudou o filme e passou a ser um faroeste. O FDP do JB saiu atrás e nós não vimos. Como já disse, ela era baixinha, eu com 1,80 e o monstro com 1,90. Nossa diferença maior não era na altura, 10 cm, e sim na largura, deviam ser uns 40cm, pelo menos assim me parecia, e também a favor dele. Ele queria me humilhar e tentava me dar um tapa na cara. Eu, atrás da baixinha, tinha que me abaixar muito e ela me defendendo. Por sorte chegou a turma do deixa disso e seguraram a fera. A sorte dele foi que eu ainda não sabia lutar boxe, senão tinha beijado a irmã e batido no irmão. Nós éramos assim. Mostrava o pau e matava a cobra (nesse caso o provérbio ficou invertido). A segunda parte foi adiada, mas nossos destinos ainda iam se cruzar. O meu e do JB, com a diferença que quem ia me defender desta vez era o tio Michel, não a Dalvinha.
Estávamos no bar Pinguim. Era um salão de sinuca, com mais de 10 mesas. O local tinha sido o salão de bailes do Corumbaense, o principal clube da cidade. Para salão de sinuca, devia ser o maior do Brasil. Tio Michel, Tontonio e eu jogando sinuca quando chega o JB com a turma dele. Quando me viu escolheu a mesa ao lado da minha. Falei ao tio Michel que achava bom a gente se mandar. Ele já me gozou e disse:
- Pra medroso falta muito ainda pra você, hein? Deixa comigo e fique tranqüilo.
Continuamos jogando e na primeira oportunidade que ficamos perto, ele foi dar uma tacada e me empurrou ao invés de aguardar eu fazer a minha jogada. Olhei pro Michel e ele fez sinal para eu ficar tranqüilo e deixar ele jogar primeiro. Quando o JB abaixou para fazer a jogada o Michel assumiu o meu lugar e jogou junto e, de propósito bateu o taco na bunda do monstro. Quando ele quis zangar e falou que ia bater no tio Michel, eu já sabia o que ia acontecer. Ele vivia me dizendo que briga de rua é de quem dá a primeira. Ia ter oportunidade de comprovar o que ele falava. Não deu outra. Ele tinha sido boxeador. Era bem mais baixo, mas da largura do JB. Encurtou distância e mandou no queixo. Foi um só e o monstro desabou por cima da mesa. Quando os amigos se aproximaram de taco na mão e eu pensei que a vaca ia pro brejo, ele tira um 38, inox, de cabo de madrepérola, da cintura e fala pros rapazes:
- Se vierem um por um, e sem taco, não vou precisar disso. Agora, se for pra usar arma, a minha é essa. O que vocês me dizem?
Eu e o Tontonio nessa hora já estávamos todo cágado de medo. Quando apareceu o chimite na mão dele, quase que fomos os primeiros a correr. Mas o JB tinha se recuperado e pediu desculpas, disse que a culpa tinha sido dele, e quando achei que ia ficar tudo por aí o Tio Michel fala a ele:
- Companheiro, você tem muita sorte. Não abuse dela. Não quero que você olhe nunca mais para os meus sobrinhos ou venho aqui só para te pegar. Quero ter certeza que você entendeu.
Falou tudo isso já com o revólver guardado na cintura e a 5 cm do armário. Não tinha perigo de ser surpreendido. O JB tinha entendido. Nunca mais me olhou na cara. A merda foi que a Dalvinha também não.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Morcego xipófago

Hoje na pecuária temos o ciclo completo, a cria, recria e engorda. Mas até por volta de 2004, a engorda era maior e precisávamos comprar gado de terceiros. Como a maior parte dessas compras era de fêmeas, acontecia de muitas virem prenhes e parirem antes do abate. Por ocasião das compras, dávamos o toque e colocávamos todas as prenhes em Campo Novo e as vazias no Angico. Os bezerros nascidos nos pastos plantados, quando desternerados eram transportados para o pantanal de São Bento. Não lembro por qual motivo, teve um ano, acho que no fim do século passado (muito esquisito falar assim, fico mais velho ainda), que o lote passou da época de ir para o São Bento, e como estavam bem gordos, resolvemos vende-los. Falei com meu primo, o Zé Alberto, para arrumar um comprador para mim. A condição é que venderia na balança, ou seja , seria acertado um preço por quilo vivo. Passado dois dias ele me falou:
- Marque o dia que já arrumei o comprador, um tal de Sergio. Agora, já vou te avisando, a mulher dele é bem mais nova e ele é meio invocado com isso. Depois tem mais, ela vem junto.
Eu não entendi nada e respondi:
-Zé, quero saber se o cara é ponta firme e como vai pagar. Lá quero saber da mulher dele.
Marcamos o aparte e no dia, quando vi a esposa, entendi a observação do Zé. Ela tinha 20 anos menos que ele, em compensação, 10 cm a mais. Estava com uma calca jeans super justa, camisa de botões com eles todos abertos e amarrada alta na cintura, deixando a barriguinha aparecendo. Soutien acho que nunca usou e nem precisava. Botas de cano alto com salto idem e um chapéu Panamá branco. Não sei descrever melhor que isso mas na hora que vi a dona do cara, e sabendo dos ciúmes dele, dei razão. Era realmente uma máquina muito acima das qualidades do piloto. Pensei comigo: vai cair peão do brete. A porra do Zé que me recomendou tanto já tinha babado nela duas vezes. Eu tinha uma pampa e como não entrava todo mundo nela, fomos no carro dele, que era um fiat uno alugado. Chegamos cedo na fazenda e o aparte foi cômico. A peãozada toda oriçada com aquela máquina no mangueiro, estava até perigoso. Quando caía um garrote no brete, pulava de três para levantá-lo e tudo para aparecer pra mulher. Ela ficou apontando e o marido ferrando os garrotes comprados. Lembro-me da marca dele. Era um s mas deitado e tinha o apelido de cobra, pois parecia uma. Como ela não entendia muito de pecuária, ele foi explicando que a praxe era que após o bezerro ferrado, a partir daquele momento era de responsabilidade do novo dono. Quebrou antes de marcar o prejuízo era do vendedor, após marcado era do comprador. O maridão a cada ferrada falava:
- Tudo que ponho a minha cobra, fica meu e ninguém mexe. Falava isso olhando pro Zé Macaca.
No fim do dia, já escuro, pegamos o carro de volta para a cidade. O comprador dirigindo com a mulher na frente, eu e o Zé atrás, ficando eu no banco detrás do dela.
A coisa aconteceu muito rápido. Um pássaro entrou voando pela janela de passageiro no carro que ia em alta velocidade, esbarrou nos cabelos dela e senti um vento na minha orelha, seguido do impacto no vidro de trás. Foi aquele baita susto, quando percebi que era um morcego, dos grandes. O fiat tem aquela tampa que fecha o bagageiro e o bicho ficou ali em cima. Pelo impacto eu jurava que ele tinha morrido e dei uma de macho tranqüilizando a bonitona dizendo:
- A senhora pode ficar tranqüila que era um morceguinho, mas ele deve ter morrido.
Lembro dela ter falado que tinha o maior pavor de morcego pois transmitia doenças, que há uns tempos atrás um chupou o pé dela enquanto dormia. E enquanto falava se arrepiava toda. Com toda essa conversa resolvi dar uma confirmada e quando olhei para trás, eu não acreditava no que estava vendo.
O bicho não tinha morrido e de asas abertas ele ocupava a largura toda do carro, e tive a impressão de ter visto suas presas e um filete de sangue saindo da sua boca. Falei pro Zé Alberto que o bicho estava vivo e nessa hora o seu chapéu caiu da cabeça e encostou no pescoço. Ele já achou que era o bicho e começou se abanar e colocou a mão no meu peito e levou o corpo para frente. Nessa hora, sem saber porque, achei que ele ia entrar no vão dos dois bancos da frente e me deixar sozinho com o morcegão no banco de trás. Entrei em pânico, mas daqueles inexplicáveis. Quando dei por mim eu estava de pé, com meu 1,80 dentro do fiat e enfiado no vão dos dois bancos, com a bunda em cima da mulher, uma mão no painel e a outra no encosto do motorista, quase de rosto colado com ele e gritava em seu ouvido:
- Para essa merda que o morcego tá vivo e é xipófago.
Ninguém entendia nada, até que o Zé Macaca percebeu o que eu queria falar e disse:
- Hematófago sua besta!
Isso com o carro quase que desgovernado, até que ele conseguiu parar no acostamento. Nesse momento saímos todos correndo, sem ninguém entender de onde veio tanto medo, nem eu. Quando passou o susto e já nem encontramos mais o morcego, veio a vergonha. Dos gritos, do xipófago e da minha bunda na cara da dona. Não sabia o que falar. Fui quieto o resto da viagem e quando Zé Alberto quis me gozar, eu ameacei de não pagar a comissão dele. Na despida do hotel, percebi um leve sorriso no rosto da mulher, mas ninguém falou nada. No dia seguinte cedo, quando fui levar a nota fiscal do produtor e pegar o cheque, ela não se agüentou e se manifestou falando:
- Olha, gostei muito de conhecer você.
Quando já ia ficando garboso ela completou:
- Acho que é porque a única pessoa que conheço que tem mais medo de morcegos do que eu.
Pois é, e eu nem tenho medo de morcegos.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Mexeu, morreu

Devia ser por volta de 1971. Eu estudava em São Paulo e o Tontonio já estava em Corumbá. Tinha largado o curso de engenharia e veio para trabalhar com Papai. Tínhamos um primo, Edson, filho de tio Feres irmão de mamãe, que morava em casa. Os dois trabalhavam no Marinho com papai, e o Edson ficava na minha cama quando eu estava em São Paulo estudando.
Certa noite papai acordou os dois. Tinham telefonado avisando que tinha entrado gente na firma. Naquela época não tinha o 193 para ligar e muito menos policia para ir verificar. Devia ser por volta das duas da manhã e eles num sono profundo, demoraram para acordar com papai já ficando nervoso. Por fim se aprontaram e papai quando viu os dois quase caiu duro. O Edson com um revólver na cintura e um cinturão de balas cruzado no ombro. O Tontonio com uma espingarda numa mão e um facão na outra. Era o próprio exército de Branca Leone. Chegando no Marinho, no início foi aquele cagaço só. Um atrás do outro tremendo e pronto para atirar em qualquer coisa que se mexesse, mas a medida que não foram encontrando nada, nem sinal de alguém ter entrado, foram relaxando. Já estavam querendo ir embora e papai mandando, olhe em tal lugar, veja no depósito de pneu. O Tontonio que se dirigiu para esse último. Os pneus eram armazenados deitados e em pilhas de 10. Ele já de saco cheio e achando que não tinha ninguém, chegou na porta, ascendeu a luz, apontou a espingarda e gritou:
- Hei você aí! Já estou te vendo. Saia de mãos levantadas ou vai sentir o calor do meu estanho.
Acho que ele tinha visto isso em algum filme.
De repente, não mais que de repente, dois negões enormes saem de dentro dos pneus, de mãos para cima. O Tontonio, quando viu os dois, quase se borrou todo e começou a gritar:
- Vou atirar, mexeu morreu. Edson, Papai, estão aqui, são dois. Socorro!
Ele conta que os ladrões ficaram olhando um pra cara do outro sem entender nada. A coragem dos três era tanta que levaram os ladrões para a delegacia de a pé, ou seja, os ladrões andando ao lado do carro e os dois na janela com as armas apontadas para eles, com papai dirigindo.
Imaginem esse acontecido hoje. Iam todos presos. Os bandidos por roubo e os artistas por porte ilegal de armas. Tempos bons aqueles.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Tadeuzinho

O Tadeu, filho de meu irmão, nomeado em minha homenagem, tem 1,90m de altura e apesar disso é chamado de Tadeuzinho. Ele não gosta, também daquele tamanho, mas tem que se difereniar de mim e o apelido vem da época que eu era maior do que ele. Talvez devêssemos inverter agora, mas não é fácil. Pelo fato de ser o caçula foi muito mimado pelo meu irmão. Era louco por carro e começou a dirigir muito cedo. Com 5 dirigia no colo e com 10, pegava sozinho, mas tinha que ser em hora que não tivesse movimento. Então, de madrugada ele ia para a cama do Tontonio e ficava a 1cm de seu nariz e se meu irmão dava aquela abridinha de olho para ver quem chegou na cama ele já falava:
- Vamos pai, já vi você de olho aberto.
Como o Tontonio aprendeu, não abria o olho de jeito nenhum e ele ficava quieto até o Zé achar que ele tinha ido. Na hora que ia verificar era flagrado com um: "Já vi, pode levantar", e ele ia. Às vezes 3 ou 4 da madrugada.
Nesse mimo todo o guri pegou um monte de bardas. Teve um leilão de gado no sindicato rural. Era a inauguração do tatersal e resolvi levar o Tontonio, que foi com o Tadeuzinho. Como o bichinho era medroso, não queria ficar lá. Tive que usar de toda a psicologia para convencê-lo que o boi não tinha como escapar dali. Aquele cabo de aço que cercava a pista era muito resistente e o boi não arrebentava ele de jeito nenhum. Depois de algum tempo eu o convenci. Estávamos em uma pampa que ficou estacionada a uns 15 metros da mesa em que estávamos sentados, a 3 metros do tatersal. O primeiro animal que entrou para ser leiloado era um touro e pra meu azar, brabo, mas muito brabo. O bicho quando viu aquele monte de gente perto dele e com a luz ofuscando-o, não viu as cordoalhas e partiu. Acho que o cheiro de medo de Tadeuzinho que o irritou. A cordoalha agüentou mas o amarrado no principal é que não e aquele bichão se soltou no meio do povo. Levantamos e ficamos protegidos atrás da mesa quando o tourão saiu pra campo fora sem bater em ninguém. Quando tudo se acalmou procuramos o Tadeuzinho. Ele estava em cima da pampa e olhando para mim. Quando nossos olhares se cruzaram aconteceu uma das cenas mais engraçadas da minha vida. Ele começou a me mandar todos os sinais de xingamento que ele sabia. Primeiro uma banana, depois os dedinhos em O me mandando tomar..., depois os chifrinhos e a cada sinal ele dava um assovio. Eu falei pro Tontonio:
- Olha seu filho. Que coragem!
O Zé retrucou na hora:
-Melhor do que eu que fiquei parado aqui e quase me caguei todo.
Em outra ocasião, ele já maiorzinho, por volta de 10 anos, fomos para a fazenda São Bento com um lote de gurizada. A noite não tinha o que fazer e para acalmá-los contávamos estórias. Estava inventando uma para dar medo neles e contava que estava sozinho no campo a cavalo. No meio da narrativa eu disse:
- Ai, lá pelas tantas, aquele barulho...
Nisso o Tadeuzinho me interrompeu e falou:
- Tio, você está com mentira. Você disse que estava sozinho.
- E estava Tadeuzinho - Falei sem entender.
Aí ele retrucou:
- Mas e esse Lapelastantas, não estava com o senhor?
Passei muito tempo chamando-o de Lapelastantas.
Mas ele tem uma grande vantagem, de não deixar as coisas passarem despercebidas e como tem uma personalidade muito forte, não tem o menor medo de perguntar o que quer que seja, e a quem for. É um cara muito gente fina, e dos sobrinhos, com quem mais me identifico, talvez seja pelo belo nome que tem.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Garçom do Saran

Eu já falei em outras historias que, as vezes fazemos coisas que, passado o tempo, ficamos sem entender o porque e algumas até nos envergonham. Essa é uma delas. Temos uma fazenda, Saram, que em determinada época do ano fica totalmente embaixo d'água. No período seco tem uma pastaria espetacular, mas na cheia temos que retirar todo o gado. Por sorte ela fica na beira da estrada que liga Corumbá ao Porto da Manga. É duas marchas da fazenda Angico. Quando o nível do rio Paraguai atinge 4,24m é a hora da retirada.
Nesse ano, não me lembro qual foi, tudo preparado para o êxodo, um peão fica doente e tivemos que pegar um diarista as pressas. No dia da saída, chego no clarear do dia e encontro o diarista na cozinha no lugar do cozinheiro. O Pery, nosso capataz, quando viu a luz do meu carro, voltou, enquanto seus companheiros foram fechar o gado que já estava numa envernadinha na beira da estrada. Como ficam dois dias de estrada sem ter o que comer, não deixávamos dormir presos na ultima noite e por isso era reunido ao amanhecer. Perguntei ao Pery do cozinheiro e ele respondeu que teve que colocá-lo na comitiva pois o peão diarista, na hora de encilhar o cavalo, colocou o arreio ao contrário. Quando ele viu isso teve que fazer a mudança. Na hora lembrei do diarista. Não tinha nada, nem botas. Pegou dinheiro adiantado para o cigarro e as botas e agora descubro que nunca encilhou um cavalo.
Fiquei muito brabo e fui falar com ele, já mandando devolver as botas e o pacote de cigarro. Que fosse para o carro, ia levá-lo para a cidade que não queria nego mentiroso comigo. Tive que levar comida do Angico para o pessoal e passei os dois dias acompanhando a comitiva por causa daquele diarista mentiroso.
Passado uns dois meses, tínhamos inaugurado um restaurante na cidade e estava com Bea e as crianças jantando lá pela primeira vez. Vejo um garçom que evitava me olhar nos olhos e tinha uma cara conhecida. Quando o chamei pra perguntar de onde o conhecia o bicho branqueou e começou a gaguejar:
- Não, o senhor pode ficar tranqüilo que de atendimento eu entendo. Eu fiz aquilo porque minha mulher estava grávida e eu desempregado. Por favor não me mande embora de novo. Meu filho está para nascer.
Na hora caiu a minha ficha. Não tinha perguntado na época, o porque de um cara que nunca viu um cavalo na vida ter a coragem de fazer o que fez. Fiquei muito chateado comigo mesmo. Apesar de toda experiência que eu julgava que tinha, não soube analisar uma atitude de um cara corajoso e desesperado. Acabando o jantar, eu o chamei, pedi desculpas e dei uma gorda gorjeta, mais ou menos o dobro do valor do jantar. Estava comprando a minha consciência.
Dois dias depois voltamos ao restaurante e o garçom, quando me viu veio até mim e perguntou se podia falar comigo depois que acabasse de jantar. Na hora eu pensei: "Que merda que eu fiz. Esse cara vai pegar no meu pé e pedir mais dinheiro. Deve achar que esta sobrando pelo valor da última gorjeta".
Jantei meio contrariado, e quanto mais solícito ele era, mais eu me aborrecia, mas não demonstrei nada. No final do jantar, fiz o cheque com os 10% e perguntei o que era quando ele me falou:
- Seu Tadeu, quando o senhor chegou a primeira vez eu achei que ia perder meu emprego. Ai, parece que foi Deus que mandou o senhor, pois com o dinheiro que o senhor me deu nós conseguimos terminar o enxoval do meu filho, que nasceu ontem.
- Legal, meus parabéns. Mas o que eu posso fazer por você? - Já falei meio emocionado.
- Então seu Tadeu, eu e minha esposa queremos que o senhor escolha o nome de nosso filho.
Falou isso com lágrimas nos olhos e me deixou, mais uma vez, envergonhado. Eu achando que ele ia me pedir mais dinheiro e ele querendo que eu desse o nome a seu filho. Falei a ele que tinha dois filhos gêmeos que se chamavam Daniel e Guilherme. Que ele escolhesse com a esposa um dos dois que eu me sentiria homenageado. Ele não satisfeito, perguntou:
- Mas qual dos dois nomes o senhor mais gosta?
- Daniel, falei.
E ele deu não só o nome de Daniel a seu filho com uma baita lição de vida em mim, que nunca mais vou esquecer.

terça-feira, 13 de julho de 2010

O Carpinteiro

Era por volta de 1995. Estávamos construindo a casa da sede da fazenda São João. A parte molhada, banheiros, cozinha e área de serviço era toda em alvenaria e o restante em madeira de lei, de aproveitamento do desmatamento. Era tudo feito na própria fazenda pois o custo de transporte era muito alto. Tinha um carpinteiro muito bom, mas era gente da cidade. Então tinha que levá-lo, passava um mês e trazia-o de volta pois, como ele dizia, senão o Ricardão tomava conta. O que não sabíamos é que ele era o Ricardão da fazenda.
Estava pronta a casa, faltando só pendurar as portas e janelas e tive que fazer um vôo só para levá-lo, estou evitando colocar seu nome aqui mas para que eu não esqueça no futuro, era xará de um filho meu, com seus três ajudantes. Fiquei não mais de uma hora na fazenda e quando estava para decolar me chega o carpinteiro dizendo que não tinha condições de ficar lá e que ia voltar comigo. Não entendi e já falei:
- De jeito nenhum. Vim só para te trazer aqui e só te levo de volta quando terminar o serviço. Mas qual o problema?
- Não "dotor" tem um comentário aí que seu B. (vamos chamar assim o capataz na época) quer me encher a boca de formiga.
- Que merda é essa? Quer te matar? Porque? Você mexeu com a mulher dele?
- Porra meu, já te contaram também?
- Não, mas imaginei. Mas rolou alguma coisa?
Como ele me negou, mandei chamar o seu B. Já fui puteando, que não queria saber de briga, que a fazenda era minha casa e todos que estavam nela tinham que respeitá-la.
Isso de olho no 38 do B., quando ele pediu para falar e disse:
- Não, seu Tadeu, eu só quero esclarecer as coisas. Se ele falar a verdade eu tomo meu rumo e não vou fazer nada com ele e nem desrespeitar a sua casa.
Como o carpinteiro tinha me dito que não houve nada eu falei:
- Pode perguntar o que o senhor quiser que ele vai responder, seu B.
- Não, seu Tadeu, (ele sempre começava as frases com esse não seu Tadeu), o que eu quero saber é se ele comeu a Rosa.
Todo mundo olhou pro carpinteiro que começou:
- Você quer saber se eu comi ou não comi a Rosa, é isso? Assim na lata, sem mais nem menos?
Aí quem branqueou fui eu. Pensei: que merda que eu estou fazendo. Ele me mentiu. Passou a Rosa na cara e vai confirmar pro marido. Ta tudo fudido. Olhei assustado pra ele quando completou:
- Já que você quer saber eu vou falar, assim, na bucha. Não to sabendo de nada.
Aí eu entrei rápido na conversa. Pronto seu B., se ele não sabe, é porque é mentira e ponto final na questão. Depois vou falar uma coisa pro senhor. A gente toma a frente nessas coisas se foi na marra. Agora se ela deu por livre e espontânea vontade o problema é seu com ela. Senão confia na Rosa, põe ela campo fora de traia e tudo, falei na linguagem deles. E não quero mais saber desse assunto. Chamei o carpinteiro de lado e falei:
- Se você não terminar o serviço eu que vou encher sua boca de formiga. Entrei no avião e voltei uma semana depois para pegá-lo e levar de volta pra cidade. O serviço foi feito em tempo recorde e o Ricardão dormiu o tempo todo cercado pelos seus homens.
Essa não foi fácil.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Flavio Ovo

O Flavio é filho da Zita, minha prima. Além de primo em segundo grau, é meu amigo e trabalhamos juntos. Seu apelido, Ovo, é porque ele fala muito rápido e dizem que parece que tem um ovo inteiro, com casca e tudo, na boca. As comunicações com as fazendas eram todas por radio VHF, daqueles com um único canal. Enquanto um fala o outro só escuta e começa a responder após o CAMBIO. Com o Flavio "não era fácil". A conversa era mais ou menos assim:
- Aquiéoflavioequerosabercomoestouchegandoai. Cambio.
- Negativo hein, não deu pra copiar. Vem novamente. Cambio.
- Aquiéoflaviohein equerosabercomoestouchegandoai. Cambio.
- Negativo, negativo, negativo. Quem esta chamando? Vem novamente. Cambio.
- Radiodemerda. FLAVIO, FLAVIO. Copiouagora?
- Positivo, positivo. Flavio no aparelho. Bem copiado. Quem é o Lacerda?
E a coisa ia. Acho que o pessoal já fazia meio de sacanagem com ele.
Sua principal característica era de acreditar em todo mundo. Às vezes isso é uma qualidade, outras, um defeito. Tínhamos comprado um gado no leilão da Fazenda Santa Clara e fomos para ferrar o mesmo. Após terminado o serviço, estávamos de avião, o tempo fechou. Com isso você se coloca numa situação única. Pode ter um monte de coisas acontecendo, mas você fica relaxado porque não tem o que fazer. Tem que aguardar. Armamos umas redes embaixo de um caramanchão e fiquei naquele estado letárgico, de quase dormindo e deixando os pensamentos passarem sem se fixar em nenhum, como tinha aprendido nos três anos de prática de yoga. Numa rede a uns 10 metros estava o Flavio. Mas, como dizia o Zé Mauro, ele é super ativo e conta que quando criança, quando não tinha o que fazer e nem espaço para correr ele ficava pulando no mesmo lugar.
Estava observando ele chamar um bugiu, um macacão de uns 30 kg, que existia na fazenda. Acho que o bicho estava na mesma situação minha, preso naquele caramanchão, aguardando o tempo melhorar. Ele deitado na rede, estendia a mão pro macaco, que numa preguiça maior que a nossa, foi se aproximando arrastando os braços no chão. Eu, olhando aquilo, admirei a coragem do Ovo, pois o macacão era muito feio. Realmente tinha aquelas caras tristes característica de macacos, mas tinha também uns dentes enormes. Chegou bem perto do Flavio e quando estava embaixo do punho da rede, sem mais nem menos, deu um impulso e saltou para o mesmo. O susto que ele levou foi cômico, ele deu um grito e pulou da rede no momento que o macaco agarrou no punho desta, conseguindo ser mais rápido que o macaco. O Flavio saiu correndo e para não cair foi catando cavaco e eu firme sem rir. Quando ele se aprumou, deu uma ajeitada na roupa e aquela olhada de lado para ver se o vexame tinha passado despercebido, quando percebeu que eu tinha visto tudo. Aí virou para mim e falou:
- Viu que macaco mais filho da puta.
Flavio foi da época da fundação da Baia Rica. É uma fazenda que compramos junto com São Bernardo que era vizinha de Campo Novo. Quando me falaram que estava a venda me interessei, mas a proprietária só vendia as duas juntas. Acabamos por comprar as duas e não mexi na Baia Rica, pois não tínhamos tempo para mais nada, até a entrada do Flavio. Ele arrumou um peão guapo de tudo, Zé de Moura e me falou:
-Me autorize e deixe comigo o resto. Não precisa nem de muito dinheiro pois esse cara vai com toda a família e em seis meses você pode mandar gado para lá.
Como ele acreditava em todo mundo, quis conversar com o homem, e em 10 minutos com o Zé de Moura, você se convencia também. Abri um mapa da região e ele começou a dar nome das fazendas e dos proprietários. Mostrou onde estava a nossa, onde era alto e tinha que ser a sede e foi por aí afora.
Deixei por conta do Flavio, com a condição que ele acompanhasse tudo de perto. Em seis meses a fazenda estava montada, sede, galpão de peão e até uma garagem. Tudo de pau a pique e palha. O negão era bom mesmo. Mais da metade da fazenda já com divisas cercadas e com invernadas feitas e até nomeadas. Isso sem que eu nunca chegasse nem perto da área. Mesmo na época da compra, quando fizemos só um sobrevôo sobre a mesma, existe a dúvida se não foi sobre a fazenda errada.
Mas ficou um espetáculo. Esse mérito ninguém pode tirar do Flavio com o Zé de Moura.
Posso até dizer que essa foi fácil.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Betão






















O praxe, começou com Laura, era sair da maternidade e ficar em São Paulo até o bichinho completar 14 dias. Nessa data era feito a primeira visita ao Dr. Jamal. Ele fazia um exame clínico completo para ver se estava tudo em ordem, sem nenhum defeito de fabricação e dava as instruções que acompanharia a criança até aos 7 anos de idade. As vacinas, as vitaminas e tudo que tomariam. Quando chegamos com Beto lá, no primeiro momento, ele olhou seus pezinhos e falou:
- Que chalana! Vai ser lutador de karate.
Hoje o bichão calça 44 bico largo e dependendo do modelo 45. No decorrer dos exames, ele empurrou a pele do peito pro lado do pescoço, e apareceu uma covinha, como se, ao invés da pele estar solta tivesse um ponto que à fixasse mais profundamente a carne. Quando ele viu aquilo, primeiro brincou:
- Olhem, menino peixe, tem brânquias.
E depois explicou que ele tinha nascido com um defeito congênito e tinha uma fistula branquial, acho que era esse o nome. Perguntado se era problema, ele disse que, provavelmente teria que ser retirada. Com 3 anos iria começar a inflamar e aí teria que operar. Já gelamos. Queríamos saber quem faria a cirurgia e começamos com as perguntas idiotas e recebendo respostas iguais.
- Quem vai operar?
- O cirurgião!
- Mas qual?
- O que for o melhor na época. Mas parem com essas preocupações, que pode até não ser necessária a cirurgia.
- Qual a chance?
- Engenheiro é fogo. Medicina não é matemática. Não tem nada exato.
- Probabilidade não é exato doutor. Qual a chance? - Insisti.
Ai ele foi curto e grosso:
- 1%, chato.
Curto no 1 e grosso no chato.
Gelei. A cirurgia era feita por um especialista em cabeça e pescoço e a gravidade dependia de onde terminava a fístula, que nada mais é que um caninho de bitola muito pequena que dá comunicação do exterior com alguma parte ou órgão interno do corpo. Tem que ser retirada pois é um ponto de entradas de infecções. Sabíamos onde começava mas não sabíamos onde terminava. Com três anos, como previsto, veio a primeira infecção. Parecia que ele tinha um limão embaixo da pele. Levamos ele no Jamal que nos alertou:
- Começaram as infecções. Vamos dar uma chance, se voltar, teremos que nos preparar para a cirurgia, pois não podemos viver sob antibiótico.
Um mês depois veio a segunda. Quando fomos até ele, já nos avisou que o melhor cirurgião, na época, era o Dr. Josias de Andrade Sobrinho. Tínhamos que tratar dessa infecção e levá-lo ao Fleury para fazer um exame um tanto delicado. Introduzia um contraste pela brânquia e fazia a radiografia, para poder definir até onde ia o caninho. Assim fizemos e no dia do exame o gurizinho não parava de jeito nenhum. Estavam já pensando em fazer anestesia geral quando tive a idéia de fazer mais ou menos como papai e propor um jogo a ele. Ficava quieto sem chorar e depois do exame ganhava uma bicicleta de duas rodas. A vontade da bicicleta foi maior que o medo e ele deitou na mesa e ficou quieto. Mas o trem doía muito e por mais que ele quisesse não agüentou e começou a chorar. Aquele choro sentido, de dor realmente, mas deixou fazerem o exame. Terminado tudo, como ele não parava de chorar, ficamos preocupados. Ia infeccionar de novo, rompeu alguma coisa por dentro. Eu naquela preocupação toda, falei a ele:
- Pronto filho, já acabou tudo. Ta doendo em algum lugar?
Ele sem parar de chorar fez que não com a cabeça.
- Então pare de chorar se não ta doendo.
Quando ele disse:
- Mas e aí, você vai dar a bicicleta se eu parar?
Grande negociador, ganhou a mais linda da Sears e no mesmo dia.
A fistula ia pelo pescoço e conseguiram acompanhá-la até por trás da orelha. Aí não sabia se terminava ou era tão fina que o contraste não passava. Marcaram a cirurgia e o Jamal foi com gente no dia.
Quando perguntei se ele entrava na sala, respondeu:
- Nem amarrado. Não posso ver sangue.
A cirurgia correu as mil maravilhas e o médico explicou que retirou toda a fistula por um corte de dois centímetros, onde ela começava e deixou um dreno do comprimento da fistula retirada. Esse dreno tinha que ser retirado aos poucos para a cicatrização ser feita da parte mais profunda para a entrada. De três em três dias íamos ao médico para puxar 1 cm aquele dreno de mais de 15 cm. No primeiro dia o menino jurou que ninguém tocava no dreno. No início pensei em pear ele. Falei ao doutor:
- Eu sento, ponho ele no colo, prendo as pernas dele dando uma tesoura com as minhas pernas e no abraço, imobilizo os dois braços dele.
Ele deu uma risadinha, como se eu tivesse brincando e foi conversar com Beto. Quando viu que nem conseguia se fazer ouvir, achou que a manha era porque eu e Beá estávamos na sala e nos colocou para fora. Ficamos na sala de espera e parecia coisa de desenho animado. Aquela barulheira lá dentro de coisa quebrando e nós super preocupados, com o médico, não com o Beto. Depois desse piseiro todo que demorou uns 10 minutos o médico abre a porta e quase caímos duros para trás. O aro do óculos estava torto e no seu jaleco branco a impressão da sola da bota ortopédica do Betão. Ele se ajeitando falou:
- Viu como ele não chorou. Não foi fácil mas esta tudo como previsto. Volte daqui a três dias para o segundo round.
E assim foi. No final ele ficava quietinho. Já não doía mais, mas ele falava que estava ficando homem. Também não foi fácil.