segunda-feira, 19 de julho de 2010

Morcego xipófago

Hoje na pecuária temos o ciclo completo, a cria, recria e engorda. Mas até por volta de 2004, a engorda era maior e precisávamos comprar gado de terceiros. Como a maior parte dessas compras era de fêmeas, acontecia de muitas virem prenhes e parirem antes do abate. Por ocasião das compras, dávamos o toque e colocávamos todas as prenhes em Campo Novo e as vazias no Angico. Os bezerros nascidos nos pastos plantados, quando desternerados eram transportados para o pantanal de São Bento. Não lembro por qual motivo, teve um ano, acho que no fim do século passado (muito esquisito falar assim, fico mais velho ainda), que o lote passou da época de ir para o São Bento, e como estavam bem gordos, resolvemos vende-los. Falei com meu primo, o Zé Alberto, para arrumar um comprador para mim. A condição é que venderia na balança, ou seja , seria acertado um preço por quilo vivo. Passado dois dias ele me falou:
- Marque o dia que já arrumei o comprador, um tal de Sergio. Agora, já vou te avisando, a mulher dele é bem mais nova e ele é meio invocado com isso. Depois tem mais, ela vem junto.
Eu não entendi nada e respondi:
-Zé, quero saber se o cara é ponta firme e como vai pagar. Lá quero saber da mulher dele.
Marcamos o aparte e no dia, quando vi a esposa, entendi a observação do Zé. Ela tinha 20 anos menos que ele, em compensação, 10 cm a mais. Estava com uma calca jeans super justa, camisa de botões com eles todos abertos e amarrada alta na cintura, deixando a barriguinha aparecendo. Soutien acho que nunca usou e nem precisava. Botas de cano alto com salto idem e um chapéu Panamá branco. Não sei descrever melhor que isso mas na hora que vi a dona do cara, e sabendo dos ciúmes dele, dei razão. Era realmente uma máquina muito acima das qualidades do piloto. Pensei comigo: vai cair peão do brete. A porra do Zé que me recomendou tanto já tinha babado nela duas vezes. Eu tinha uma pampa e como não entrava todo mundo nela, fomos no carro dele, que era um fiat uno alugado. Chegamos cedo na fazenda e o aparte foi cômico. A peãozada toda oriçada com aquela máquina no mangueiro, estava até perigoso. Quando caía um garrote no brete, pulava de três para levantá-lo e tudo para aparecer pra mulher. Ela ficou apontando e o marido ferrando os garrotes comprados. Lembro-me da marca dele. Era um s mas deitado e tinha o apelido de cobra, pois parecia uma. Como ela não entendia muito de pecuária, ele foi explicando que a praxe era que após o bezerro ferrado, a partir daquele momento era de responsabilidade do novo dono. Quebrou antes de marcar o prejuízo era do vendedor, após marcado era do comprador. O maridão a cada ferrada falava:
- Tudo que ponho a minha cobra, fica meu e ninguém mexe. Falava isso olhando pro Zé Macaca.
No fim do dia, já escuro, pegamos o carro de volta para a cidade. O comprador dirigindo com a mulher na frente, eu e o Zé atrás, ficando eu no banco detrás do dela.
A coisa aconteceu muito rápido. Um pássaro entrou voando pela janela de passageiro no carro que ia em alta velocidade, esbarrou nos cabelos dela e senti um vento na minha orelha, seguido do impacto no vidro de trás. Foi aquele baita susto, quando percebi que era um morcego, dos grandes. O fiat tem aquela tampa que fecha o bagageiro e o bicho ficou ali em cima. Pelo impacto eu jurava que ele tinha morrido e dei uma de macho tranqüilizando a bonitona dizendo:
- A senhora pode ficar tranqüila que era um morceguinho, mas ele deve ter morrido.
Lembro dela ter falado que tinha o maior pavor de morcego pois transmitia doenças, que há uns tempos atrás um chupou o pé dela enquanto dormia. E enquanto falava se arrepiava toda. Com toda essa conversa resolvi dar uma confirmada e quando olhei para trás, eu não acreditava no que estava vendo.
O bicho não tinha morrido e de asas abertas ele ocupava a largura toda do carro, e tive a impressão de ter visto suas presas e um filete de sangue saindo da sua boca. Falei pro Zé Alberto que o bicho estava vivo e nessa hora o seu chapéu caiu da cabeça e encostou no pescoço. Ele já achou que era o bicho e começou se abanar e colocou a mão no meu peito e levou o corpo para frente. Nessa hora, sem saber porque, achei que ele ia entrar no vão dos dois bancos da frente e me deixar sozinho com o morcegão no banco de trás. Entrei em pânico, mas daqueles inexplicáveis. Quando dei por mim eu estava de pé, com meu 1,80 dentro do fiat e enfiado no vão dos dois bancos, com a bunda em cima da mulher, uma mão no painel e a outra no encosto do motorista, quase de rosto colado com ele e gritava em seu ouvido:
- Para essa merda que o morcego tá vivo e é xipófago.
Ninguém entendia nada, até que o Zé Macaca percebeu o que eu queria falar e disse:
- Hematófago sua besta!
Isso com o carro quase que desgovernado, até que ele conseguiu parar no acostamento. Nesse momento saímos todos correndo, sem ninguém entender de onde veio tanto medo, nem eu. Quando passou o susto e já nem encontramos mais o morcego, veio a vergonha. Dos gritos, do xipófago e da minha bunda na cara da dona. Não sabia o que falar. Fui quieto o resto da viagem e quando Zé Alberto quis me gozar, eu ameacei de não pagar a comissão dele. Na despida do hotel, percebi um leve sorriso no rosto da mulher, mas ninguém falou nada. No dia seguinte cedo, quando fui levar a nota fiscal do produtor e pegar o cheque, ela não se agüentou e se manifestou falando:
- Olha, gostei muito de conhecer você.
Quando já ia ficando garboso ela completou:
- Acho que é porque a única pessoa que conheço que tem mais medo de morcegos do que eu.
Pois é, e eu nem tenho medo de morcegos.

2 comentários: