segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Meu irmão

Existe pessoas de quem você gosta, outras que você ama e poucas que você ama de paixāo. Mulher, pais, filhos e netos, irmão e irmã são as normais desse último lote, mas meu relacionamento com meu irmão foge da curva completamente. Ele é daqueles amigos que você pode confiar sempre, não tem perigo de te criticar quando faz uma merda e seus conselhos são sempre para te fazer sentir melhor. Desde a época do picolé do seu Erminio, ele sempre foi o meu melhor amigo e fui um cara privilegiado quanto a amigos. Tive o Spadella, Timoteo, Gerson, Ricardo, Choulian e outros que encheriam essas páginas, fora as amigas. Não sei de onde vem essa ligação tão forte, talvez da época em que ele se queimou e achei que ele fosse morrer.

Talvez do dia que o Helio, filho do seu Ermínio bateu em mim e ele foi lá tomar satisfações, levou uma porrada no nariz e voltamos abraçados para casa com ele sangrando pra cacete.

Talvez da época em que me apaixonei pela namorada dele, a Sonia Ruas, e apesar de achar que nunca encontraria outra mulher igual, afinal eu já era um homem experiente com meus 13 anos e sabia que não existia alguém tão linda e simpática quanto ela, por sua causa, renunciei àquele "grande amor".

Talvez do dia em que ele me fez brigar com um cara da sua idade e como sabia que ia apanhar, aplicou o golpe de "para você meu irmão caçula basta", e quem entrou no pau fui eu.

Pode ter outros motivos, mas só um analista bom para saber e assim mesmo após muitas sessões. O que nunca vou me esquecer e acho que ele não sabe disso, foi da noite anterior a sua cirurgia. Ele ia fazer uma ponte mamária com 38 anos e isso há 25 anos, quando cirurgia cardíaca era coisa muito complicada. Estava dormindo com ele, não teve jeito de ficar um só, e eu com Lenir revezávamos a cama de acompanhante e a cadeira do quarto do Einstein. Estava na minha hora de dormir na cama e ele estava acordado conversando com Lenir. Acharam que eu estava dormindo e escutei quando ele falou a ela que confiasse em mim, sempre. Fiquei naquela responsabilidade, mas graças a Deus ela nunca precisou de mim.

Ele está firme e mais forte do que eu. Já passou por alguns pequenos problemas, como da vez que teve que tirar a vesícula. A Lenir estava em São Paulo e ele em Corumbá. Teve que ser operado as pressas e eu que fui de Corumbá para São Paulo com ele. Após a cirurgia, ele fumante inveterado, resolveu fumar no quarto. O enfermeiro quis dar-lhe uma puteada e ele argumentou que tinha operado a vesícula e não o pulmão, que não havia indicação médica para não fumar, como podia fazer cocô, o que não seria permitido se ele tivesse operado das hemorróidas, que poderia cantar o que não seria possível de tivesse operado da garganta. O enfermeiro disse que área de fumantes era no térreo e só para visitantes. Ele resolveu descer para a área de fumantes, empurrando o suporte do soro e com aquele jaleco ridículo que se descuidar fica com a bunda de fora e foi flagrado no elevador pelo mesmo enfermeiro. Quando perguntado aonde ia e respondido corretamente, o cara fez com que ele voltasse ao quarto. Aí ele injuriou de vez, chamou a enfermeira chefe e pediu que fechassem as suas contas, pois ele ia para outro hospital, que aquele era uma merda. A mulher ficou olhando para ele e tentando explicar que quem dava alta era o médico e não o paciente. Foi então que ele ameaçou não pagar as contas. Resolveram colocar outro enfermeiro para tomar conta dele, um meio alegrinho, que deixava ele abrir uma fresta na janela e fumar por ali. Ele sempre me fala que existe os argumentos certos para as pessoas certas.

Tontonio é um cara muito importante na minha vida. Somos sócios em quase tudo, escapou só as mulheres e as escovas de dente. Quando papai resolveu dividir as coisas dele em vida, colocou as três partes dos três filhos em três envelopes e escrito o nome de cada um nos mesmos. Nós já éramos sócios em várias coisas e comprávamos tudo meio a meio. Cada um com seu envelope na mão, sem que ninguém falasse nada, abrimos os dois e misturamos tudo e escrituramos todos do mesmo jeito que vínhamos comprando nossas trainhas, meio a meio. Ele é um cara tremendamente carismático e todos que convivem com ele se apaixonam. Eu já trouxe amigos de longa data para Corumbá e que após três dias aqui, saíram tão ou mais amigo dele do que meu.

É um baita de um irmão e sei que posso contar sempre com ele e em qualquer situação apesar de, às vezes, eu pisar na bola com ele. A sorte é que ele sabe que é, hoje, o único homem, fora meus filhos, que eu posso falar que amo muito.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O Peido

Já falei do Tony Martinez em outras histórias aqui, mas nenhuma específica, e ele merece isso, pois é um dos caras mais engraçados que conheço. Foi quem comprou o Baron para gente e é um cara cheio de histórias. Uma delas é da época em que ele era corretor de fazendas e foi levar um interessado para ver uma terra perto de Cuiabá. O acesso era por terra e ele pegou o comprador bem cedinho e ficaram de tomar o café da manhã em um posto de serviços de estrada logo na saída. Como acordou atrasado, para não falhar com o cliente, pulou o número 2, que era seu costume logo cedo. No café da manhã, o companheiro resolveu comer uma perna de frango e na hora que ele levou aquilo à boca, o Tony com aquela vontade reprimida, resolveu dar um peidinho. A descrição do mesmo é impossível de ser feita, mas vou tentar. É daqueles silenciosos, de volume mínimo, em que o rabicho faz um beicinho e solta. Coisa imperceptível que até deixa dúvidas se realmente saiu alguma coisa, dúvida essa que demora muito pouco tempo, pois é dirimida imediatamente por aquele cheiro inconfundível e insuportável. O cara deu uma cheiradinha no frango e como era um sujeito muito fino, não fez nenhum comentário, só jogou o salgado no lixo e o Tony firme, morrendo de medo do cara descobrir de onde vinha o cheiro fétido. Preferiu ficar com a culpa de não saber escolher um posto decente para o café da manha.

Passaram o dia todo visitando a fazenda, andaram a cavalo para ver os pastos, visitaram todas as instalações e ele, de tão entretido, esqueceu do número 2. Já no escurecer pegaram a camionete e tomaram o rumo de casa. Foi só entrar no carro e já começou o roc roc de novo e ele foi agüentando firme quando sentiu que não ia agüentar. Tinha que aliviar a pressão pelo menos ou acabaria cagando nas calças. Abriu os vidros e libertou o prisioneiro, mas segundo ele, foi igual ao primeiro, uma coisinha de nada. Já o cheiro, se o primeiro foi a "little boy", o segundo foi o "fat man". Algo simplesmente terrível, ele não conseguia entender de onde vinha aquilo tudo, nem se tivesse comido urubu estragado com água de fossa. Tentou disfarçar, mas o cavalheiro virou para ele e disse:

- A volta esta muito mais rápida. Já estou sentindo o cheiro do frango daquele posto.

E isso sem esboçar o mais leve sorriso!

Não conseguiu vender a fazenda e acha que foi porque o cara não quis voltar para ver as partes faltantes. Coisas do destino, ou melhor, coisas do intestino.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A venda do Baron

Ficamos com o Baron durante uns 10 anos. Era uma senhora máquina. Quem mais a voou foi o Luis Mario Sabatel. Passamos alguns apertos juntos mais sempre acabaram bem. Numa vez em que voltávamos de Campo Grande, eu na frente com ele, o Rollemberg e o Tontonio atrás, quando estávamos chegando a Corumbá, com céu de brigadeiro, ele resolveu treinar um pouso por instrumentos. Quando acontece isso, o piloto não pode olhar para frente, só para os instrumentos do avião e o co-piloto que fica supervisionando se a aproximação esta sendo feita de maneira correta. Como ele estava com o fone de ouvidos, eu não escutei a conversa dele com o controle e não sabia que o mesmo não estava a par de que estávamos fazendo um treinamento. Não morremos nesse dia devido a uma série de fatores que fazem com que você acredite em anjo da guarda. Uns dias antes do ocorrido, estava voltando de Porto Soares com o Tontonio de carro, eu dirigindo com ele ao meu lado. Virei para conversar, quando ele apontou para frente e disse bem alto, mas sem gritar: "vacas". Quando olhei para frente, a uns 20 metros, tinha um lote de umas 5 vacas entrando na pista. Foi o tempo suficiente de frear e desviar em cima da hora. Aí ele me explicou que tinha aprendido com um seu amigo boliviano, o Rafael Rocca, a técnica de apontar sem gritar e fazer com que a pessoa veja o problema o mais rápido possível e possa tomar as providências a tempo. Isso ficou gravado em minha memória. Mas voltemos ao nosso vôo. Estava olhando para frente e verificando se tudo estava indo bem quando avistei o avião do Pavão. Devíamos estar praticamente no mesmo nível e a uns 100 metros de distância, se muito. Apontei para o mesmo e gritei, não consegui ficar no bem alto, "Puta que Pariu", esqueci do "avião" na hora. Foi o suficiente para o Luiz Mario ver o skylanne na frente e mergulhar com o Baron. O engraçado que num mergulho sem reduzir o motor, o avião ganha velocidade e tende a levantar novamente. Subi no manche junto com ele, enquanto ele reduziu totalmente o motor e conseguimos passar por baixo do Pavão, mas isso a poucos metros. Os passageiros que vinham atrás só sentiram o banco sumir da bunda e aquela sensação de gravidade zero. Não era nossa hora ainda.
Mas o vôo inesquecível foi o último que fiz com o Baron. Ele ficava hangarado na fazenda Angico. Íamos para São Paulo, só nos dois, e na saída verifiquei que o hangar estava repleto de teias de aranha. Achei estranho aquilo e comentei com o capataz que falou que era a época da desova delas e tinha muito mesmo. Como o avião estava parado há uns dois meses, o Luiz Mario fez uma inspeção minuciosa nele e me garantiu que estava tudo em ordem. Quando ele pegou na primeira virada de motor, me tranqüilizei totalmente. Após uns 15 minutos de vôo achei que tinha um fio solto por baixo do painel e levei a mão para ver o que era. Antes de tocar o fio, por sorte, ela se mexeu e colocou a cabeça para fora. Era a maior aranha caranguejeira que tinha visto em minha vida e o que eu achara que era um fio solto era sua perna. Minha primeira reação foi pular para o banco de trás, mas isso ia ser pior, pois o Luis Mario tinha mais medo de aranha do que eu. Peguei a minha caneta e a fiz voltar para baixo do painel e comecei a procurar outras. Junto ao para brisas comecei a ver um monte de pernas. Tinha umas dez ali em cima do painel. Comecei a me apavorar e falei para o Luiz Mario que estávamos com vários aliens no avião. Ele não entendeu o termo e explicitei melhor, temos um ninho completo de caranguejeiras no avião e se elas resolvessem se mexer estávamos ferrados. O piloto, acho que para se acalmar, falou que esperava que não tivesse nenhum ninho na parte dos avionicos pois poderíamos ter panes elétricos significativos. Legal, ou seríamos comidos por duzentas mil aranhas ou cairíamos com o avião. Grandes opções. Consegui com a caneta manter a rainha, se é que esses bichos tem uma, em baixo do painel, até chegarmos a Campo Grande. Fomos direto para o Santa Maria, onde estava a mesma oficina que limpou o avião bosteado dele alguns anos antes, e pedimos que o mecânico retirasse todas as aranhas. Coincidentemente era o mesmo da primeira limpeza, e só olhou para ele e disse:
- Não sei o que esperar mais de você.

Deixamos o avião lá e foi minha última viagem nele. Vendemos para uma empresa frigorífica e por um valor bem superior ao que tínhamos comprado, posso dizer que esse avião "só me deu alegrias... e alguns sustos".

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A Promoção

Já falei de seu Geraldo em outras historias. É o do "mas qua". Aqui no pantanal nós temos a mania de ser muito paternalista e aquelas teorias de "empresa não tem coração" não existe. Não tem como você dispensar um empregado porque ele já está velho e não serve mais. Pode não servir para aquela função em que ele foi bom um dia, mas à medida que a idade vai chegando você vai criando outras e o nego vai se adaptando. Normalmente o praieiro foi um ginete de primeira que com a idade foi sendo encostado. Vai para a praia e lá fica, pois é um serviço leve, de rastilhar a beira da casa, cortar uma lenha para a cozinheira, cuidar dos guachos e por aí afora, o que para quem estava acostumado ao serviço pesado é brincadeira, e às vezes o peão chega aos oitenta anos nesse batente.

Mas seu Geraldo apareceu um dia com pressão muito alta e o médico recomendou que ele ficasse na cidade onde poderia controlar os remédios e ser atendido mais rapidamente em caso de emergência. Saiu da praia de Piratininga e veio para a praia do escritório. Varria os fundos e abria o portão quando alguém buzinava. Esse era o serviço. Tinha uma quitinete bem ajeitada e lá ele morava. Não pagava aluguel, nem água e nem luz. O salário ia todo para o banco onde ele tinha uma poupança e sempre conversava com o gerente. Todo mundo sabia o dia em que ele ia pro Itaú, pois se vestia todo de branco, calça, camisa e chapéu. Nessas conversas sobre aplicações ele resolveu pedir aumento, pois já estava há muito tempo naquela função e nunca tinha recebido nem uma promoção. Perdi uma hora explicando a ele que a promoção era para quem estava aprendendo coisas novas e mudando de função. Ele era porteiro da Ema e não ia mudar sua função e por isso não ia receber aumento nenhum. Tudo isso falado com muito jeito, pois o homem melindrava facilmente, mas ele entendeu e saiu satisfeito da minha sala. Passado uns meses, resolvemos automatizar o portão de serviços da Ema. O velho estava surdo e não escutava o pessoal buzinando. Ou ele não ia limpar o páteo para ficar de prontidão para abrir o portão quando chegava alguém ou fazia o pessoal subir no muro e gritar por ele quando estava varrendo. Instalado o portão eletrônico, demos um controle a ele e o ensinamos a usar e ele o fazia sempre que chegava alguma carga de terceiros. Passado uns dias ele entra na minha sala e pede aumento outra vez e agora com novos argumentos: Ele era operador de portão eletrônico. Quando expliquei que não existia esse cargo ele injuriou de vez. Se existia operador de máquinas e o portão andava sozinho, então era máquina, e ele que comandava, então ele era um operador! Não teve jeito, ou tirava o portão ou ele pedia as contas porque sem aumento de salário ele não iria abrir "aquela porcaria" para mais ninguém.

Foi difícil convencê-lo a arrumar outro emprego antes de pedir as contas. Foi ser guarda noturno na casa de um outro fazendeiro para quem ele já tinha trabalhado e depois de uns dois meses ele voltou ao escritório. Conversou muito comigo, perguntou pelos seus guachos, a "bala doce", "boneca" e a "neguinha" que era uma bezerra branquinha de tudo, "nelor purinha", mas esse era o nome carinhoso que ele chamava uma antiga namorada. Na conversa, eu esperando para ele pedir o emprego de novo e nada, quando resolvi perguntar como ele estava no novo emprego. Reclamou muito principalmente do salário que não chegava nem no mínimo e que descontavam um monte de coisas dele, mas que tinha uma grande vantagem, o portão era eletrônico e ele não tinha que fazer força para abri-lo. Mas se eu quisesse ele poderia voltar, desde que desse um aumento de uns 10% para ele. Falei que até o aceitava de volta, mas pelo mesmo salário. Ele só respondeu:
-Mas quá.
E foi a última vez que vi seu Geraldo e isso já tem mais de 5 anos.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A compra do Baron

O Tony, Antonio Pompeo Martinez de Carvalho, é um dos maiores conhecedores de aviões pequenos que eu conheço. Além de pecuarista, piloto e corretor de aviões, os quais conhece profundamente, é um cara muito espirituoso. Passamos alguns momentos de muita tensão e outros muitos engraçados, pois tudo acontece com ele por perto. Começamos com negócios e acabamos nos tornando bons amigos. Teve um carnaval que ele passou aqui e o esquenta, quando todos do bloco se reúnem para beber e dançar antes do baile, foi na casa de Mena e Cauto. Como ele era cuiabano e não conhecia ninguém ficava perguntando o tempo todo sobre quem eram as pessoas e fazendo observações engraçadas sobre elas. Teve um momento que estávamos com o Cauto, que tem duas filhas maravilhosas, minhas sobrinhas a Elena e a Diana, e nesse dia estavam fantasiadas de melindrosas e mais maravilhosas ainda, quando o percebi olhando para as duas. Pensei que, como ele não sabia que eram filhas de Cauto, viria besteira pela frente, quando antes que ele fizesse qualquer observação, as duas se aproximaram e nos beijaram, a mim e ao Cauto. Quando se afastaram, ele indagou a nós, apontando com o beiço, quem eram as gostosas. Para deixá-lo chateado, respondi olhando para o Cauto e com ele escutando, que eram suas filhas. Ele não perdeu o rebolado e disse:
- Porra cara, quem diria que você seria um reprodutor desse naipe. Se você fosse touro do meu rebanho eu te castrava na primeira oportunidade e ia fazer uma grande merda, hein?
O Cauto que teve que escutar um puto chamar as filhas de gostosas e depois ser chamado de feio, não conseguiu ficar sem dar risadas.

Na época que estávamos comprando o Baron, ele fez com que eu e o Tontonio fossemos até São Paulo para ver um avião que estava no campo de Marte. Ele iria testá-lo, mas achava que tinha encontrado o avião ideal para nós. Para colocar Tontonio dentro do avião foi um parto. Ele falava que já tinha visto piloto de teste, mas passageiro de teste, nunca. Por fim conseguimos embarcar o bicho, meio tipo bode, empurrando pela bunda, mas foi. Ele entrou atrás e eu e o Tony na frente. As portas do Baron ficam do mesmo lado, diferentes do cessna 206, a de trás que é dupla e a da frente sobre as asas, todas do lado do passageiro, ou seja, direito. Elas têm dois estágios, o primeiro fecha e virando a maçaneta totalmente uma haste incorpora a porta à estrutura do avião. Como as duas são do mesmo lado, é fundamental que estejam bem travadas. Eu, como passageiro, não tinha a menor idéia disso. O Tony embarcou o Tontonio, foi para a poltrona esquerda e eu, por último, para o lugar do co-piloto. Esses aviões são homologados para viajar com só um piloto e a poltrona da frente é de passageiro também. Bati a porta e nem sonhava que tinha que virar a maçaneta e o comandante, apesar de bom, dormiu no ponto. O controle de Marte autorizou a decolagem e assim que ele saiu da pista e comandou o recolher do trem, escutamos o estalo seguido de um assovio. A porta abriu em vôo e nesses casos, você não consegue fechá-la de jeito nenhum. Quando o ar escoa pela carenagem, cria uma região de baixa pressão na área da porta e ela tende a se abrir totalmente, mas quando isso começa a acontecer, muda o perfil aerodinâmico da superfície e a porta passa a ser um obstáculo, e o ar faz com que ela tenda a fechar e com isso ela vai pulsando, como uma bandeira ao vento. Tentamos ainda fechá-la em vôo aloitando para tentar abri-la ao máximo e ver se o vento fazia com que ela fechasse, mas não tinha jeito. Nem chegava a bater. Do Tontonio desesperado atrás, só escutávamos o Filhos da Puta, e isso no meio daquele barulhão todo que o vento fazia. Era mais ou menos como você andar em um carro a 140 km por hora com a cabeça para fora do vidro. Tive que unhar aquela porta para ela parar de vibrar e fazermos todo o tour da pista até pousarmos novamente. Assim que o avião tocou o solo e reduziu a velocidade, o Tony conseguiu bater e travar a porta, deu motor e decolou novamente, isso com o Zé gritando que queria descer, que não comprava mais porra nenhuma e outras baixarias mais.

Fizemos um vôo de quinze minutos e foi amor a primeira vista. O ODU parecia zero bala. Era "a máquina" e quando pousamos, e o Tontonio se aliviou, fomos conversar em como comprar. O Tony quis fazer gracinhas ainda dizendo que a porta fazia parte do teste do avião, para verificar se ele era bom mesmo. No solo que fui verificar como era essa trava e vi que tínhamos escapado por pouco. A porta era como um tirante protendido e fazia parte integrante da estrutura. O avião poderia ter se quebrado ao meio e nada nos salvaria. Ficamos uns 10 anos com aquele bichinho e ele nunca nos deixou na mão. Não foi fácil vende-lo, mas isso fica para a próxima.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Aviação Pantaneira - III

A grande vantagem deste pantanal é que ele todo é uma grande pista de pouso. A quantidade de incidentes que conhecemos e que terminam sem vitimas é enorme. Panes em que o cara acaba vindo para o chão são inúmeros e todos contados pelos próprios pilotos e com isso a autoconfiança vai aumentando, não só do piloto como também do proprietário da aeronave. O Vitor Lima era um fazendeiro e comprador de gado para terceiros. Ele intermediava a compra entre os invernistas de São Paulo e os criadores pantaneiros e tinha seu avião para fazer os apartes de gado. Cada vez, antes da decolagem e enquanto o piloto esquentava o motor ele reclamava que ia acabar o combustível e que aquilo era frescura. A resposta era sempre a mesma, que não era frescura e sim esquentamento, que tinha que afinar o óleo para entrar em todos os buraquinhos e lubrificar o motor. Ele argumentava ainda do porque já não colocar um óleo fino e não gastar aquele dinheirão ali parado. Ele tinha um fusca e não ficava tanto tempo parado assim. Às vezes, para reforçar o argumento, falava que já tinha esquentado no dia anterior. Acabavam abusando.
Teve um lance com o Luis Mario, quando ele foi pegar a família de um fazendeiro que tinha passado as férias no pantanal. Estava a mulher, a empregada, umas 6 crianças e um monte de carga. Como teriam que ser duas viagens, ele retirou os dois bancos de trás do seu Skylanne, embarcou a mulher do homem na frente com ele e enfiou as crianças sentadas no chão sem cinto de segurança, sem nada, travou a porta e embarcou por último. Entre a gurizada, tinha um de criação, filho de um empregado e que estava com uns 7 anos e era o maiorzinho da turma. Ele colocou esse junto à porta por segurança e avisou a ele que não mexesse em nada e cuidasse dos menores. Seu único medo era um pestinha daqueles abrir a porta. De tanto em tanto ele confirmava que estava tudo bem e certificava que o guri estava na mesma posição que ele tinha colocado. Achou que o bichinho nem mexia de medo e isso porque ele mentiu que se abrisse a porta o avião cairia, e como era o seu primeiro vôo, acreditou. Quando chegou a Corumbá e foi desembarcar a turma, viu o motivo da imobilidade total do gurizinho. Na hora de travar a porta dos passageiros ele prendeu a orelha, que não era pequena, do pequeno e isso o deixou de cabeça colada na porta. Quando ele viu aquilo e aquele orelhão vermelho perguntou ao menino porque ele não avisou que sua orelha tinha ficado presa, ao que o marinheiro de primeira viagem respondeu que tinha achado que era o cinto de segurança.
E pousavam no aeroporto de Corumbá, desembarcavam oito pessoas num avião homologado para quatro e com todo DAC olhando. Foram os pioneiros dessa aviação nossa e fundaram muitas fazendas. Tinham até linhas aéreas regulares levando e trazendo passageiros, cartas e encomendas, ligando Corumbá a essas fazendas em que o acesso, até hoje é, só por avião. Posso falar, sem nenhum exagero, que conhecem cada palmo desse nosso pantanal. Viajei muito, tanto com o Zé Mauro quanto com o Luis Mario e nunca fiquei sem respostas quando perguntei ou que fazenda era aquela ou que rio ou coricho era aquele. Muitas vezes, ou quase sempre, eles conheciam até o campo de qual fazenda era. Muitas fazendas que fui ver para comprar, o Zé Mauro conhecia a sua divisa toda.
Eu que comecei a voar com 40 anos e na tecnologia do GPS, não conheço nada. Como a Maria Tereza falou, burro velho não pega marcha, e tinha razão, nunca voei sem GPS. Em compensação conhecia tudo do mesmo. Andava em cima da rota e economizava muito combustível, pois aprendi cedo que a menor distância entre dois pontos é a linha reta. Num dos primeiros vôos meu com o saudoso primo Zé Alberto, indo para a sua fazenda, a Cocaes, ele começou a me pertubar dizendo que eu estava no rumo errado. Mostrei o GPS a ele, explicando que aquele traço vertical no visor representava a rota e aquele acento circunflexo era o bico do avião e como ele podia notar o mesmo estava bem em cima do traço, indicando que estávamos em cima da rota. Ele deu uma de suas risadas de lado e perguntou se eu sabia, ou pelo menos tinha idéia, de quantas vezes ele já tinha feito aquele trajeto. E completou dizendo que ele nunca iria acreditar num aparelhinho daqueles. Fui dando corda nele para ver em que momento ele perceberia que passou a vida toda voando em zig zag. Quando conseguimos avistar a Baía de Cocaes que tem um formato de amendoim, e a proa mantida sobre o mesmo traço no "aparelhinho" apontei-a com o beiço e fiquei olhando para ele. Deu uma risada amarela e antes dele falar alguma coisa eu me antecipei e disse:
- Ta vendo!

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Aviação Pantaneira II

Luis Mario Sabatel é um piloto de primeira categoria. Tínhamos um Baron B-58, que era a coisa mais linda. Esse tipo de avião é considerado o Rolls Royce dos bimotores a pistão. É fabricado pela Beachcrafth, a mesma que fabrica os Kings e os Bonanzas. O Luis Mario foi o que mais voou esse avião para gente. Como era free lancer, dávamos a preferência para ele e era sempre o primeiro a ser chamado. Só procurávamos outro quando ele não podia nos atender. Foi meu professor e meu solo (primeiro vôo sozinho) foi com ele. Você faz uns três turnos de pista, com toque e arremetidas com o instrutor do lado, deixa o mesmo na pista e sem desligar o avião faz mais três. Após isso toma um banho de óleo que é o batismo. Gostava muito de sua conversa pois, como todos os pilotos pantaneiros, tinha muitos "causos", e um melhor do que o outro.
Um dos mais interessantes foi quando ele estava de Corumbá para uma fazenda no pantanal, que não me lembro mais qual, com a família do fazendeiro completa, esposa, dois filhos, uma babá e uma cabra. É cabra mesmo, a fêmea do bode. No embarque ele ficou meio relutante, pois já tinha carregado um burro uma vez no garimpo, e o mesmo que estava dopado acordou em pleno vôo e tiveram que jogá-lo pela porta. Quis dar um dopante para ela, mas disseram que já tinham feito isso. Quando ele falou que a cabra não estava com cara de quem tinha sido bodada, ele conta que deram uma resposta ambígua, dizendo que ela era muito nova ainda para isso. Decolaram e no meio da viagem ele começou a sentir um cheiro de fumaça e logo em seguida o motor começou a pipocar e jogar óleo no pára-brisa. A fumaça começou a tomar conta no avião e foi aquele pânico. Reduziu a velocidade ao mínimo, abriu as janelas para ventilar a fumaça e começou a procurar um lugar para pousar. Por sorte estavam sobrevoando uma área seca e de pasto e conseguiu vislumbrar, pelo vão de óleo no pára-brisas, um lugar para colocar seu Sky Lane. Apagou o motor, desligou o master para evitar um incêndio maior ainda e foi em espiral descendente para o pouso. Conseguiu colocar o avião no chão sem qualquer problema e assim que o mesmo parou ele procurou pelos passageiros, já soltando o seu cinto, para mandar correrem, pois não sabiam a extensão do incêndio no motor. Não viu mais ninguém dentro do avião e quando saiu para correr viu os seus passageiros já a uns 20 metros da aeronave e na frente de todos estava a cabra dopada. Contou que nunca viu um povo mais liso para correr do que aquele e isso incluía a cabrita.
Uma outra interessante dele foi quando estava voando sozinho para Campo Grande e lhe atacou uma dor de barriga sem igual. Ele fez as contas de quanto custaria desviar a rota, achar uma pista para pousar, usar o banheiro e decolar novamente. Ia ser a cagada mais cara da vida dele, mas o desespero era grande. Se arrepiava inteiro e sabia que tinha que tomar uma atitude ou faria nas calças. Aí teve a idéia. O chapéu era um stetson de R$ 100,00 reais em dinheiro de hoje. Muito caro mais infinitamente mais barato que a alternativa de pousar para, conforme suas palavras, soltar o barro. Como não conseguia fazer o número 2 sem o número 1, secou a garrafinha d'agua que sempre levava com ele e a usou para o número 1. Tirou as calças com cueca, colocou o chapéu no vão dos dois bancos, ficou com uma popa em cada banco, fez pontaria e bombardeou o chapéu. Na quarta bomba começou a ficar preocupado com a possibilidade de transbordar. Mas o stetson agüentou firme. Aliviado e satisfeito com a boa idéia, reduziu o motor ao mínimo que pode e com full flap, abriu a janela e jogou, primeiramente, a garrafinha devidamente tampada. Operação perfeita, pois ele tinha medo de atingir o profundor ou o leme com a mesma. Tinha fechado a janela e olhando para o stetson que estava mais pesado e incomodo de manusear. Mas não poderia pousar no aeroporto internacional de Campo Grande com aquilo tudo. Não tinha como descer do avião e pegar os passageiros com aquele cheiro insuportável. Tinha que se desfazer do bolo. Estava a 5500 pés e a operação era segura pois, por sorte, a consistência do coco era boa. Novamente reduziu a máquina, deu full flap e estava numa velocidade de pré stol, algo em torno de 40 a 45 nós, quando abriu a janela. Essas janelas não abrem como a de automóvel mas são basculantes e abrem uma pequena fresta, de no máximo uns 10 cm. Quando ele fechou o chapéu para jogá-lo com a merda que deu a mesma. Não passava pela fresta e na espremida para ela passar, junto com o vento que entrava na cabine, aquilo foi pulverizado e bosteou a cabine do avião inteira.
Ele não acreditava que aquilo tinha acontecido. Não pousou no aeroporto internacional e foi para o Santa Maria, onde estava a oficina que fazia as revisões de seu avião. Quando encostou no hangar e os mecânicos se aproximaram e viram ele sair todo cagado, não entendiam como ele tinha conseguido aquilo. Quando ele explicou o acontecido com todos os detalhes, perguntaram o porquê dele não usar o jornal que estava no banco de trás. Aí que ele viu que tinha um Estadão, daqueles de Domingo, com 50 folhas inteirinho ali e a sua distração lhe custou um stetson, uma zorba zero bala, uma lavagem e higienização interna completa da aeronave, um pouso e uma decolagem a mais, pois teve que ir ao aeroporto internacional pegar os seus passageiros. Segundo ele, foi um dos vôos em sua vida que mais deu merda, literalmente.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Histórias da aviação pantaneira - I

Depois que caí com um Boeing 737 em um pouso em Campo Grande, fiquei com medo de avião. Você sai daquela fase de "com esse monte de avião voando, não vai cair logo o meu" e começa com outros pensamentos do tipo "com essas milhares de peças, parafusos, canos e conexões hidráulicas, circuitos elétricos e eletrônicos em abundância, fadigas estruturais de todos os tipos, será que com tanta coisa podendo dar errada não vai acontecer algo no meu avião?". Estava nessa fase de voar é para passarinhos, quando comprei nosso primeiro avião, o PT-DMI. Não tinha jeito, tinha que ir a um monte de lugares ao mesmo tempo e alguns acessível só de avião e tive que encarar. Para perder o medo resolvi aprender a pilotar. O interessante é que você quando entra para esse clube, passa a ter acesso as histórias de acontecimentos que antes faziam segredo para você. São tantas que daria para escrever um livro só com elas e selecionei as melhores para deixar registradas aqui.
Teve a do Eleutério Gouveia, um português e dos melhores amigos de papai. Era dono da fazenda Noroeste e tinha um Sky Lane 172 para ir até ela, isso na década de 60. Ele é uma das provas que asfalto encurta distâncias. A fazenda dele ficava antes da nossa Angico, que foi a base de nosso avião por muito tempo. Ele usava o avião para ir para a dele, pois a estrada era de terra e quase intransitável durante as águas. Agora é tudo asfaltado e vamos a Angico de carro pegar o avião para vôos mais longos. Mas voltemos ao Eleutério. Era muito cedinho e ele chegou ao aeroporto de Corumbá, fez seu plano de vôo e quando estava abastecendo a aeronave, um companheiro seu comentou que o teto, no rumo que ele ia, estava um pouco baixo. Ele ignorou o comentário e decolou mesmo assim. Passados não mais que 5 minutos, estava o Eleutério de volta a Corumbá deixando a todos entre assustados e curiosos. Quando perguntaram a ele o que tinha acontecido, veio a pérola lembrada por todos 50 anos depois:
-No meu caminho tem muitos morros, como não vi nenhum, voltei.
Tem a do Pavão, piloto bom e experiente. Isso depois de 30 anos voando nesse nosso pantanal, mas um dia ele começou. Em um dos seus primeiros vôos solo, estava com a namorada que hoje é a avó de seus netos, quando saiu de não sei onde para não interessa o lugar. A pior pane que existe nessas pequenas aeronaves é o pane seco. O motor dá duas pipocadas (falhadas) e para. Quando está funcionando e ali no seu nariz e sem isolamento acústico nenhum, a coisa mais importante nesses pequenos veículos aéreos é o baixo peso, você não consegue escutar outra coisa, a não ser o seu ronco e para quem gosta de aviação essa é a melhor música. Nada como um IO 520 de 300 HP, gritando no seu ouvido por duas horas. É por isso que 90 % dos pilotos continuam escutando-o mesmo depois de pararem de voar. São todos surdos para outros sons abaixo dos 80 dB. Mas voltemos ao vôo do Pavão. Estava se mostrando para a namorada e a uns 3000 pés quando deu as duas pipocadas e apagou o seu continental (isso é marca de motor e não de cigarro). Naquele ambiente de um barulho que não se ouvia outra coisa, mudança drástica para escutar todos os sons que só quem já teve um pane seco conhece. O ranger da fuselagem, o vento escoando pela asas, e o coração do piloto. Não tem silêncio pior e mais angustiante. Você esquece todos os procedimentos de emergência e só pensa que sua hora chegou. Mas o Pavão, segundo ele, não se apavorou, mas quem já passou por isso garante que não tem quem não fique de cú trancado. Mas isso não significa que você não vai "morrer tentando". O grande problema de um pouso sem motor é o de você não chegar ao ponto estabelecido ou chegar com velocidade muito alta O principio da aviação é muito simples e baseado numa das leis da física mais antiga, que é a de Bernouille. Com base nela você tem um aumento da velocidade do ar na parte superior da asa, por causa da curvatura de seu perfil, e com Isso uma diminuição da pressão nessa superfície, o que dá a sustentação do avião, ou seja, ele tem que ter uma velocidade mínima para voar. Sem motor, você tem que colocar o nariz do bicho para baixo e ir perdendo altura e mantendo a velocidade mínima de sustentação. O quanto você baixa dividido pela distância percorrida é chamada de razão de planeio. No final que você da o flap para pousar com a menor velocidade possível mas se isso for feito antes, você não chega na pista, e se feito depois você chega com muita velocidade, o que foi o caso do Pavão. Assim que o motor parou, ele avistou uma baía e na sua frente, um campo natural e pensou que se chegasse até ali, conseguiria colocar o bichinho no solo. Foi para o pouso e contam os companheiros da época que ele só falava:
-Minha nossa senhora, nós vamos sair dessa. Fique tranqüila.
A noiva não entendia quem tinha que ficar tranqüila. Mas o Pavão pousou, no ponto que tinha calculado, mas deu os flaps um pouco atrasados e a baía chegou antes do avião estar parado. Quando a biquilha entrou na água, o avião pilonou, ficou de cabeças para baixo e parou. Ele verificou que a namorada estava bem, soltou seu cinto e gritou:
-Corre que vai pegar fogo.
Ela saiu devagarzinho e assim foi atrás dele e quando ele insistiu no "vai pegar fogo" ela respondeu:
-Com que combustível?
Dizem as más línguas, que nessa hora ele quase desmanchou o namoro, mas acabaram se casando e estão nesse estado até hoje.