segunda-feira, 24 de maio de 2010

Daniel, O Forte II

Beá teve alta da maternidade 5 dias após o parto. Saímos sozinhos, os dois gurizinhos estavam bem abaixo do peso mínimo para alta. Daniel que nasceu com 2.550 mas teve problemas estava com 1.930, e Guilherme que veio com 2.250 estava com 1.950. Ficariam na UTI até chegar nos 2 Kg, o que na época era considerado o mínimo para alta. Isso demorou uns 10 dias e mais uma vez meu sogro me acudiu. Tinha me preparado para os gastos do parto baseado nos partos de Laura e Beto e era algo mais ou menos nessas proporções: tinha guardado uns 10.000 reais. No dia da alta veio a conta, alta também: 100.000 reais. A promater falou que podia facilitar em até 10 vezes. Mas eu economizei os 10.000 em 6 meses! Pedrinho falou:
- Eu pago e você acerta comigo depois, como puder.
Dei os 10 e ele os 90. Saí endividado mas todo feliz com meus dois gurizinhos.
Fomos direto ao Jamal. Depois de examinar os dois ele disse:
- Guilherme, nota 10. Daniel tem um sopro no coração.
- Que merda é essa agora? - deixei escapar - Tem jeito?
Ele quis nos tranqüilizar e disse:
- Até ele completar seis meses não tem o que fazer. Só monitorar. Com seis meses deve fechar sozinho.
- E se não fechar? – perguntei.
- Vai fechar, você vai ver. Porque que você tem que pensar sempre no pior?
Gelei. Quando ele dava esses tipos de resposta é porque a outra ninguém iria gostar. Mas eu já sabia que não adiantava insistir pois ele não falaria. Já tinha acontecido isso uma vez. Laura teve uma febre de quase 40 graus e eu perguntei o que deveríamos fazer se ela tivesse convulsão. Ele bateu na mesa três vezes e disse:
- Ela não vai ter convulsão.
Ai eu disse:
- Certo, eu também acho, mas na hipótese de ....
Ele me interrompeu, bateu três vezes na mesa e disse:
- Você não me escutou. Ela não vai ter convulsão e não vamos mais falar disso.
Então eu sabia que não adiantava insistir... Achei que já tinha passado por tudo mas agora mais essa. Na volta para Taubaté, em um corcel 76, balança, duas crianças, Beá, Pedrinho e Odilza, parecíamos pau de arara. Estávamos eu e Beá na frente, com um dos gêmeos no colo, naquela época o Moises só servia em restaurante, Pedrinho e Odilza com o outro no colo atrás, e mais todas as parafernálias deles. Pedrinho no meio do banco, pergunta:
- Odilza a minha costela não esta machucando o seu cotovelo?
- Não Pedrinho.
E responde sem nem perceber que ele estava pedindo para ela tirar o cotovelo dali. Estávamos preocupados mas felizes. Tínhamos passado por momentos difíceis e íamos superar mas aquele também.
Jamal mandou alimentá-los de 2 em 2 horas, dia e noite. Tinham que chegar nos 3 kg e só depois disso poderíamos cortar o leite da noite. Meus sogros ficaram com a gente até que isso aconteceu, o que demorou uns 20 dias nos quais pesávamos eles todos os dias. Era uma pscicada violenta. Eu sabia o peso de uma mijada ou uma cagada com precisão de gramas. Nos dias em que ganhavam as 40 gramas programadas era uma festa, quando não, uma preocupação só. Mas 6 meses passam rápidos e com todo mundo rezando, não tinha como não dar certo.
A casa era uma loucura. Não tinha fralda descartável na época e todos estavam mamando e fazendo coco nas calças. Laura a mais velha é de 9 de fevereiro de 74. Eles são de 2 de fevereiro de 77 e Beto de agosto de 75. Ou seja a mais velha completou 3 anos com os dois na maternidade. O varal era só fralda. A geladeira era mamadeira em todos os lugares. Beá e Odilza não faziam outra coisa que não fosse dar de mamar e limpar criança cagada. Como dizia meu amigo aqui de Corumbá: - Não é fácil!
No fim esses seis meses foram muito longos. Pareceram seis anos. Mas como tudo na vida se passaram. Éramos acompanhados por um cardiologista infantil, que se chamava Boca Negra, um chileno ou peruano indicado pelo Jamal. Ele receitou meia gota de não sei o que para o Daniel e quis dar uma de esperto com Beá, perguntando se ela sabia cortar a gota em duas. Beá respondeu que sim e, como o remédio era caro, gozei ele perguntando se podia dar a outra meia no dia seguinte. Éramos muito novos, eu já tinha 26 e Beá 22 anos, mas já éramos práticos de filhos. Pingava a gota em um recipiente com água e jogava a metade fora. Esse Boca Negra!!
Completando os seis meses fomos ao Jamal. Outra cena marcada para sempre em minha memória. Aquela criança de seis meses deitada quietinha na maca, Jamal com o estetoscópio, quase deitado sobre ele, de olhos fechados e um silêncio por 5 minutos. Beá de olho no Daniel e eu no médico. Ele abre só um olho, mira em mim, vê que estou olhando pra ele e fecha de novo. Aí com os olhos fechados ele abre um puta sorriso. Nunca pensei que poderia achar um sorriso de homem, e barbudo ainda, tão bonito. Foi um sorriso inesquecível. Como ele vivia tirando sarro da minha cara e eu sou um pessimista, continuei tenso até que ele se endireitou e disse:
- Não escuto mais nada, podem relaxar que ele ficou bom. Passamos por essa.

Um comentário:

  1. Esse tempo foi realmente trabalhoso, mas recebi uma graça, devem ter ficado com pena de mim lá em cima, tínhamos uma vizinha D.Laura que tinha uma filha super trabalhadeira que não conseguia serviço por ter um defeito congênito na coluna, perguntei se não queria me ajudar com os gêmeos por uns dias até aprumarem ela topou e ficou até nos mudarmos de volta pra Corumbá, foi a melhor empregada que tive.

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