03 de agosto de 1968. Nunca vou esquecer esta data. Estava no primeiro ano de engenharia e tinha acabado as férias de julho. Estava já naquela tristeza de sempre, de ter que voltar para São Paulo e deixar minha Corumbá, ficando longe de pais e amigos de farra e, principalmente, da namoradinha.
Embarquei o carro no trem até Três Lagoas, pois a estrada para São Paulo só era asfaltada a partir de lá. Ia pegar o avião até Urubupungá, pois não tinha aeroporto em Três Lagoas, ia de taxi até a estação de trem onde estava o carro e em 10 horas estava em São Paulo. Não era fácil, pista asfaltada mas de mão dupla. Meu companheiro de viagem seria o Luis Mario Mateba, mas no último momento desistiu. Não tinha tempo de arrumar outro e acabei indo sozinho. Foi a sorte dele. Viveu mais 50 anos depois desse dia.
A primeira zebra aconteceu quando com meia hora de viagem percebi que tinha largado as malas na estação. Quando voltei até lá, por desencargo de consciência, já achando que alguém tinha levado tudo, me surpreendi ao encontrar tudo no mesmo local que deixei e a estação completamente vazia. Carreguei o carro, um fusca 1300 zero bala, vermelho cereja, todo equipado com toca fitas e buzina a ar. Sempre trocava o carro no final do ano, mas dessa vez, como o Tontonio tinha feito um negócio e tinha entrado o carro no meio, papai resolveu passar ele para mim. Ia a 100 km/h e quando estava passando por Araçatuba, com menos de uma hora de viagem, deu a merda.
Ia numa bicicleta, um cara com uma criança na garupa. Uma combinação de carro ruim, excesso de velocidade e falta de experiência levou ao desastre. Coloquei o carro no meio da pista e meti a mão na buzina para prevenir. O ciclista se apavorou e foi bem pra beradinha da estrada, que tinha um pequeno degrau para o acostamento. Quando estava a uns 20 metros a bicicleta caiu no acostamento e para não perder o equilíbrio ele teve que virar para o centro da pista, atravessando a minha frente. Meti o pé no freio, e se nem disco existia, imagine ABS, o freio era daqueles de lona e fiquei completamente sem direção. Quando vi que ia bater nos dois, larguei do freio e virei para a direita, livrando da bicicleta, mas aí eu que caí no degrau do acostamento e quando tentei puxar o carro para a estrada de novo ele capotou. Me lembro de estar com as 4 rodas para cima e o carro deslizando sobre o teto. O para brisa tinha estourado e entrava toda aquela terra por ele. Eu achava que a qualquer momento o capo ia se soltar e me degolar. Na hora, lembro-me muito bem, me lembrava de falar "minha Nossa Senhora".
Hoje, já velho, não sei se reputo a isso o fato de sair vivo desse acidente, ou se todo mundo, em situações extremas recorrem a coisas fora daqui. Mas não sei porque motivo, o carro deu a outra meia volta e quando parou estava com as rodas no chão. A poeira que estava no ar me fez pensar que era fumaça e que o carro estava pegando fogo. Tentei abrir a minha porta e não consegui, quando vi que a porta do lado do passageiro estava aberta, mas o teto ali quase encostava no banco. Teria, sem dúvidas, matado o Luis Mario se ali ele estivesse. Tive que sair de quatro por essa porta e quase cai no barranco. Aí vi que o carro estava na beira de um precipício e totalmente destruído. Num momento de no sense comecei a xingar os caras da bicicleta, que ao invés de me socorrerem, fugiram.
Nesse momento parou um caminhão desses 3/4. O motorista me olhou muito assustado e perguntou se eu estava bem e se tinha mais alguém no carro. Quando falei que estava bem, sem eu entender direito o que estava acontecendo, ele correu até o carro, pegou a minha mala e me mandou entrar no caminhão que ele me levaria a um hospital. Eu estava de calça jeans, na época só tinha lee, ou wangler, e uma camisa branca, gola role de manga cumprida. Essa camisa nunca me deu muita sorte. Quando olhei para o meu braço direito que percebi que estava todo ensangüentado, e nesse momento senti uma coisa quente percorrendo meu rosto. Pela cara do motorista, vi que tinha algo errado e quando passei a mão no rosto ela se manchou toda de sangue. Estava com um corte enorme na testa e pálpebras. Devo ter batido no teto, pois cinto na época, só para segurar as calças. Fomos para o hospital e fui direto para a sala de cirurgia onde fui atendido pelo Dr. Mario Baldi.
Tirei a camisa e deitei na maca. Limpou minha testa e me tranqüilizou. Era grande o corte mas superficial. O braço idem. Fiquei uns 30 minutos na mesa e tomei mais de 40 pontos entre braço e testa. Ao terminar, ele falou para que tirasse as calças para examinar o resto do meu corpo. Aí tomei o maior susto de minha vida e ele um dos grandes. Minha cueca, bem no lugar que fica o poderoso, era uma sangueira só. Percebi a cara de apavorado dele e eu já comecei a perder os sentidos. Sentia que a perna me faltava e comecei a sentir uma dor horrível no pênis, como se tivesse sido amputado. Ele começou, sem coragem de olhar, a me apalpar. Nessas horas o companheiro devia estar medindo 1cm no máximo. Ele procurava e não achava e perguntando se doía. Eu não sentia nada. Aí ele criou coragem e baixou minha zorba. Quando viu meu pinguelo no lugar, levantou, abaixou e quando certificou que estava tudo certo ficou numa alegria que me emocionou. Nunca mais tive notícias do Dr. Mario Baldi, mas passei muito tempo rezando todas as noites por ele.
Mas depois do susto que caiu a minha ficha sobre o acontecido. Quando entrei no caminhão, para não sujar a cabine do cara que estava me socorrendo, deixei o sangue da testa escorrer pelo rosto e pingar do queixo no meu colo. Na calça, como era jeans azul, não aparecia. Já na zorba branca, era um vermelhão só. Mas passado o susto, eu tinha que tomar as providências para despachar o carro para Corumbá e tomar o trem para São Paulo. Achei que a aventura tinha terminado, mas não, ainda tinha muita emoção pela frente, e devido ao Herbert Hess. Escrevo na próxima.
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