segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O Retorno


Fiquei um tempo sem fazer postagens novas. Culpa da minha filha e editora do blog. Com 38 anos, resolveu voltar a estudar. Um dos meus últimos post foi sobre o Antonio Raimundo, o único engenheiro e filósofo que conheço. Parece que isso causou inveja nela, e resolveu fazer psicologia para ser engenheira e psicóloga. Vai ser a única que conheço também. Tem que tomar cuidado para não ficar que nem um conhecido meu que era engenheiro civil e eletricista. Comentavam que como civil era um bom eletricista, e como eletricista, um bom civil – ou seja, não entendia nada de nada.
Mas tem as exceções e espero que ela seja uma delas.
Uns trinta anos atrás, em uma festa na casa de meu irmão, fui apresentado a um grande sujeito, professor Patusco, que dava aulas de matemática e computação na faculdade de Corumbá. Ficamos conversando e vendo que tínhamos muito em comum, pois ele era matemático. Como eu era calculista, começamos a conversa sobre a evolução da computação; quando, para minha surpresa, ele falou que também era músico.
– Mas, professor, o senhor usa os dois lados do cérebro, então. Já me falaram que as ciências exatas estão de um lado, esquerdo ou direito, não sei, e a parte artística de outro; e, normalmente, um se desenvolve mais do que o outro. Você é melhor em qual das duas partes? – perguntei.
Ele me olhou meio de esgueio e falou:
– Vou te confessar. Sou ruim nos dois, mas ninguém sabe.
– Para, professor, não precisa ser modesto comigo. O Zé já me falou que você é um excelente professor de matematica.
– Pois é, mas é uma técnica simples. Basta você falar só de música com os matemáticos e só de matemática com os músicos. Todos te acharão um gênio.
E deu risadas.
Cheguei a acreditar, mas com o tempo conheci melhor o Patusco e ele, realmente, é muito bom nas duas áreas. São aqueles sujeitos fora da curva. Espero que a Laura seja igual. Agora, se ela começar a conversar só de psicologia comigo e de engenharia com a Patty, é porque patuscou de vez. Vamos ver.
Mas para resolver o problema dos sem números de reclamações dizendo que eu não postava mais (depois da segunda eu perdi a conta) contrataram uma editora nova. Me sinto em tremenda desvantagem, pois ao inverso da Laura, essa editora nova me conhece desde que eu era criancinha, e eu nada sei dela. É como aqueles casamentos de antigamente, em que um já tinha visto o outro pelado e o outro não conhecia a pessoa nem de foto. Mas ela já fez uma editagem minha e gostei muito. Estou contente pois uns dois ou três sentiram a minha falta, inclusive o B. J. Patrussi. Vamos nessa.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Luva de pelica.


Tio Michel é da teoria de que o tapa mais doído é o primeiro, o dado de mão fechada, e bem dado. Já Mamãe sempre me falou que o mais eficiente é o dado com luva de pelica.
Hoje vejo que os dois tinham razão, dependendo da situação.
Uns quinze anos atrás, recebi uma planta de uma fazenda vizinha com um bilhete do proprietário propondo a venda da mesma, por um preço meio absurdo. O bilhete era mais ou menos assim:
"Preço de venda: R$ X.XXX,00 o ha. Não vendo por menos, não adianta insistir. Fone para contacto: xxxx-xxxx. EP." 
Bem delicado. Eu só o conhecia de nome e, assim mesmo, por causa de uma ocasião em que seu capataz, por ordem explícita dele, não permitiu que embarcássemos um gado em sua fazenda, que era a primeira com acesso por caminhão, no transporte para o frigorífico. Por motivos óbvios, vou tratá-lo aqui por EP, e sua fazenda por AAA.
Pode parecer que foi retaliação, mas não; por bagunça minha, mesmo, perdi a planta do homem. Ele a tinha deixado na portaria com a Regina, nossa recepcionista, que me entregou num momento em que eu estava preocupado com outra coisa e a coloquei sobre a mesa junto com trocentos outros papéis. Naquele dia, eu estava especialmente desorganizado. Uma semana depois, a Regina entrou na minha sala dizendo que o senhor EP estava na recepção e queria falar comigo. Lembrei da planta e, depois de revirar tudo, o que levou uns cinco minutos, vi que precisava de mais tempo para uma busca profunda. Pedi que ela falasse para ele passar mais tarde, pois no momento eu estava em uma reunião e não podia atendê-lo. Ela me ligou em seguida, dizendo que o homem ficou meio aborrecido e que voltaria à tarde. Baixei o escritório todo e não achei a porra da planta. À tarde, na primeira hora, voltou a Regina na minha sala dizendo que o homem estava lá.
– Putz, fala que eu não cheguei ainda. De repente ele desiste – falei.
– Acho que não, sr. Tadeu. Tentei aplicar o golpe dizendo que ia ver se o senhor já tinha chegado, e ele já meio brabo disse que vai te esperar.
– Dá um tempo então, de repente ele desiste. Não marcamos hora. Fala que eu chego depois das quatro.
Não gosto de fazer isso, mas às vezes não tem jeito. Esqueci do homem. Às quatro em ponto, a Regina entrou na minha sala, dizendo:
– Sr. Tadeu, atende o homem. Ele já tá muito puto. Mais um pouco, ele quebra a recepção.
Vi a gravidade da situação pelo "puto" da Regina. Ela não era de falar palavras como essa na minha frente. No começo, não vou negar, fiquei com um pouco de medo, e depois lembrei de Tio Michel. Se vier com violência, já dou uma porrada na cara e pronto. Minha sala tem uma parede e porta, tudo de blindex, que dão para uma área comum a todas as salas. Você vê a pessoa muito antes dela te ver. Fiquei olhando para a porta da recepção para ver o que me aguardava, quando apareceu o EP. Devia ter uns setenta anos, 1,5 metros de altura e 50 quilos. Filet de borboleta no último. Aí que fiquei mais preocupado ainda. O que fazer se esse cara partisse, ele, para cima de mim? Lembrei de Dona Julieta e da luva de pelica. Ele estava com sua esposa e já entrou na minha sala falando:
– Ou o senhor é moleque ou quer me fazer de um. Pode escolher qual das opções.
Neurastênico no ultimo, a porra do velho.
– Vamos entrar e sentar, sr. EP, e juntos vamos achar uma terceira opção. Não sei o porque desse aborrecimento todo do senhor. Se eu tivesse uma esposa bonita que nem a sua ia ficar contentinho o tempo todo. – Percebi que ela era muito vaidosa, pois às duas da tarde estava vestida e maquiada como se fosse a uma festa. A tática surtiu efeito e ela já puxou a cadeira dizendo:
– Epezinho, senta e se acalma, que você está sendo grosseiro com um gentleman.
Já passei a mão no telefone e pedi três cafés com água, já perguntando se preferiam um suco. Se aceitassem, ia ter que mandar fazer em casa, pois lá era só café e água mesmo. Esperei chegar o café e fui matutando o que falar para aquela fera. Ser sincero e dizer "nem sei onde é sua fazenda pois perdi a porra da planta"... o cara ia me bater. Quando estava nesse pensamento, ele me falou:
– Bom, diz aí o que o senhor resolveu, que não tenho o dia todo. Chega as duas horas que fiquei na sua recepção.
Tocou o gongo. Não tinha mais tempo para pensar.
– Bom, sr. EP, vou te dizer a verdade. O senhor pediu muito barato pelas terras e vai acabar desvalorizando a região toda. Mandei a sua planta para um amigo em Campo Grande, que queria comprar a minha. Não posso dizer o nome dele, mas pedi o dobro do que o senhor me pediu e, em um primeiro momento, ele não se assustou. Agora o senhor tem que ter calma. E tem outro interessado em Andradina. O senhor tem outra planta?
Precisava saber se a que eu tinha perdido era a única.
Para minha sorte, ele falou:
– Lógico que tenho. Você não acha que te mandaria o original.
Se ele fosse um bom observador, teria percebido o meu "UFA!".
Passei a fazenda dele para um corretor, amigo meu de Campo Grande, e uns meses depois ele voltou ao meu escritório, só que desta vez para me agradecer, dizendo que tinha vendido a fazenda graças a mim. Para minha surpresa, ele se desculpou e agradeceu novamente, e desta vez por não ter perdido a calma com sua indelicadeza, mas que ele chegou até a pensar que eu tinha perdido a sua primeira planta.
Só consegui responder:
– De jeito nenhum.
Mamãe também é uma sábia.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

A Brasília verde.


Meu escritório da distribuidora de carnes Sabor 10 está em um prédio construído por Vovô Marinho em 1909. Ele comprou um terreno grande na rua 7 de setembro entre a Delamare e a 13 de junho, no centro da cidade, e construiu três casas, uma que foi a sua residência pela vida toda, e outras duas, para aluguel. Hoje está na parte histórica e tombada da cidade. Ficaram para tia Dirce e, com a ida de Emilinha, sua filha que morava lá, para o Rio, resolveram vender e não queriam que fosse para mãos de estranhos – eu e meu irmão acabamos comprando. Transformei em quatro e já restauramos três delas. As outras duas estão alugadas, uma para a Sandra, fisioterapeuta e que tem uma academia de Pilates, e a outra para a Paty, minha nora, que tem uma empresa de recursos humanos. Ficou um lugar muito legal.
A peculiaridade está na rua que tem o grade muito acentuado. O estacionamento é permitido e na diagonal. Nossa vizinha de frente é uma senhora idosa e tem uma Brasília igual. Não sei pela idade de quem, mas toda vez que vamos estacionar, a preocupação é ficar longe e fora do alcance das duas. Algumas semanas atrás, na hora da minha aula de Pilates, veio a notícia: a velha da Brasília morreu. Ficamos tristes, eu e a Sandra, mas tudo tem o seu lado bom, até na morte. Não corríamos mais o risco de ser abalroados. Já tinha até esquecido do fato, tinha acabado de estacionar meu carro e, na saída dele, percebo alguém vindo devagarinho mas com a rotação no máximo, para estacionar ao meu lado. Quando vi que era a Brasília verde, procurei rapidamente o motorista e lá estava ela, vivinha da silva. Além da rua ter uma caída muito grande para a guia, esta última é muito alta. Do jeito que ela vinha, devagarinho e acelerando, achei que ela queria dar ré e não tinha percebido que a marcha não tinha entrado. Quando ela estava para bater na guia, num ato de puro reflexo, coloquei as duas mãos sobre o capô do carro e forcei para ver se conseguia pará-lo. Assim que encostei a mão, ela deu uma puta freada e já gritou comigo:
– O que o senhor está fazendo? – O carro continuava acelerado.
– Onde a senhora vai? Não tá conseguindo engatar a ré – Consegui responder, com a maior gentileza possível.
– Estacionar aí, ué! Engatar ré para quê? – Já percebi uma certa neurastenia na velha. Barbeira e neurastênica.
– E precisa acelerar desse jeito? A senhora está para bater no meio-fio. Se não bater agora, vai bater na saída.
Nem me agradeceu, parou ali mesmo e foi conferir para ver se eu não estava exagerando. Como estava muito perto mesmo, olhou para mim com um sorriso maroto e, enquanto eu esperava pelas suas desculpas, ela falou:
– Mania que vocês homens têm de achar que toda mulher é barbeira. Tá muito bem estacionado.
Dei um "boa tarde" e quase um "bem-vinda ao mundo dos vivos" e entrei. Esperei alguns segundos e voltei para tirar o meu carro do lado do dela. Estacionei a uns seis metros de distância e com um framboaiam entre eles. Por via das dúvidas.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A lei e a lógica.


Lógica devia ser uma coisa de lei, obrigatória. Fora isso, de acordo com o grau de distorção, viria a classificação, de contravenção a crime de primeiro grau, ou mesmo hediondo. Proibiram o comércio de drogas e tem lógica. O drogado põe em risco a vida dos outros. Lutaram para proibir o cigarro e o que conseguiram foi sobre o fumante passivo, ou seja, faça o que quiser com a sua saúde, desde que não prejudique a do próximo. Tem lógica.
Já o cinto de segurança, eu não entendo. Como posso prejudicar alguém se eu não estiver usando o meu? Já tinha essa cisma e, para completar, outro dia estava parado no sinaleiro quando encostou um guarda ao meu lado, de motocicleta, e me mandou estacionar. Sacou seu talão de multas e começou a fazer uma. Quando perguntei o motivo, ele respondeu, sem nem me olhar:
– Dirigir sem cinto de segurança.
Não consegui ficar quieto, e falei:
– Mas, companheiro, cadê o seu?
Aí ele resolveu me olhar, e perguntou se eu queria gozar com ele. Tive até vontade de responder que foi ele quem começou, mas sou respeitador da lei e ele, ali, era um representante dela. Mas respondi:
– Claro que não, seu guarda, mas analise a situação em que nós dois nos encontramos. Estou dentro de uma Pajero com Air Bag em tudo quanto é lado, célula de deformação progressiva para absorção de impacto frontal, barra de segurança nas portas para impacto lateral, protetor de cabeça para prevenir choques pela traseira, vidro laminado anti estilhaço e o que mais o senhor pensar que existe para me proteger. Já o senhor está aí em seu magnífico cavalo mecânico, e o único ítem de proteção é esse seu capacete de plástico que, se descuidar, é made em China. Não acha que alguma coisa está errada?
Por incrível que pareça, ele parou de fazer a multa e olhou para dentro do capacete, procurando sua origem. Devia ser chinês mesmo, pois eu não imaginava que seria tão convincente assim. Fiquei pasmo quando ele desistiu da multa e até em dúvida se ele procedeu corretamente. A lei de um lado e a lógica de outro. Complicado, né? Depois disso, acho que deveria ser proibida a propaganda de moto, que nem do cigarro. Quer usar, use, quer se matar em troca de um arzinho fresco na cara, se mate – agora, tem que ser consciente. As propagandas deviam ser do tipo:
"Você sabia que o corpo humano tem 208 ossos, e que numa queda de sua magnífica 125 você pode quebrá-los?"
"Você sabia que sua caixa craniana tem a mesma resistência de um coco maduro da baía, e o seu capacete não vai protegê-lo se bater na quina de um meio-fio, e seu cérebro vai se espalhar pelo asfalto?"
"Você sabia que o número de acidentes fatais com motos é maior do que o com automóveis, mesmo sendo o número deste último dez vezes maior que o do primeiro?"
"Você sabia que, por mais cuidadoso que você seja, você está dando exemplos para seu filho, que vai querer uma moto também e não será tão cauteloso, tendo vinte anos a menos do que você?"
Mas sou coerente, ou lógico: sou contra proibir a venda de motos, uma vez que a pessoa está colocando apenas o que é dela em risco.
Agora, cinto de segurança... apesar de eu usar constantemente, obrigar o sujeito a usar isso, para mim, é violação da liberdade individual.
Já discuti com muita gente entendida e já escutei, como principal argumento, o quanto o governo gasta com acidentes de carros. Se formos por esse lado, deveria ter multa para quem andar sem agasalho em dia de frio. O veado vai pegar uma gripe, vai ficar sem trabalhar, vai ocupar fila no posto de saúde, etc, etc. Para multa do sem cinto, tinha que ter a do sem casaco também. E olha que a gama de coisas que viria junto com essas seria enorme.
É fácil?