Eu já falei em outras historias que, as vezes fazemos coisas que, passado o tempo, ficamos sem entender o porque e algumas até nos envergonham. Essa é uma delas. Temos uma fazenda, Saram, que em determinada época do ano fica totalmente embaixo d'água. No período seco tem uma pastaria espetacular, mas na cheia temos que retirar todo o gado. Por sorte ela fica na beira da estrada que liga Corumbá ao Porto da Manga. É duas marchas da fazenda Angico. Quando o nível do rio Paraguai atinge 4,24m é a hora da retirada.
Nesse ano, não me lembro qual foi, tudo preparado para o êxodo, um peão fica doente e tivemos que pegar um diarista as pressas. No dia da saída, chego no clarear do dia e encontro o diarista na cozinha no lugar do cozinheiro. O Pery, nosso capataz, quando viu a luz do meu carro, voltou, enquanto seus companheiros foram fechar o gado que já estava numa envernadinha na beira da estrada. Como ficam dois dias de estrada sem ter o que comer, não deixávamos dormir presos na ultima noite e por isso era reunido ao amanhecer. Perguntei ao Pery do cozinheiro e ele respondeu que teve que colocá-lo na comitiva pois o peão diarista, na hora de encilhar o cavalo, colocou o arreio ao contrário. Quando ele viu isso teve que fazer a mudança. Na hora lembrei do diarista. Não tinha nada, nem botas. Pegou dinheiro adiantado para o cigarro e as botas e agora descubro que nunca encilhou um cavalo.
Fiquei muito brabo e fui falar com ele, já mandando devolver as botas e o pacote de cigarro. Que fosse para o carro, ia levá-lo para a cidade que não queria nego mentiroso comigo. Tive que levar comida do Angico para o pessoal e passei os dois dias acompanhando a comitiva por causa daquele diarista mentiroso.
Passado uns dois meses, tínhamos inaugurado um restaurante na cidade e estava com Bea e as crianças jantando lá pela primeira vez. Vejo um garçom que evitava me olhar nos olhos e tinha uma cara conhecida. Quando o chamei pra perguntar de onde o conhecia o bicho branqueou e começou a gaguejar:
- Não, o senhor pode ficar tranqüilo que de atendimento eu entendo. Eu fiz aquilo porque minha mulher estava grávida e eu desempregado. Por favor não me mande embora de novo. Meu filho está para nascer.
Na hora caiu a minha ficha. Não tinha perguntado na época, o porque de um cara que nunca viu um cavalo na vida ter a coragem de fazer o que fez. Fiquei muito chateado comigo mesmo. Apesar de toda experiência que eu julgava que tinha, não soube analisar uma atitude de um cara corajoso e desesperado. Acabando o jantar, eu o chamei, pedi desculpas e dei uma gorda gorjeta, mais ou menos o dobro do valor do jantar. Estava comprando a minha consciência.
Dois dias depois voltamos ao restaurante e o garçom, quando me viu veio até mim e perguntou se podia falar comigo depois que acabasse de jantar. Na hora eu pensei: "Que merda que eu fiz. Esse cara vai pegar no meu pé e pedir mais dinheiro. Deve achar que esta sobrando pelo valor da última gorjeta".
Jantei meio contrariado, e quanto mais solícito ele era, mais eu me aborrecia, mas não demonstrei nada. No final do jantar, fiz o cheque com os 10% e perguntei o que era quando ele me falou:
- Seu Tadeu, quando o senhor chegou a primeira vez eu achei que ia perder meu emprego. Ai, parece que foi Deus que mandou o senhor, pois com o dinheiro que o senhor me deu nós conseguimos terminar o enxoval do meu filho, que nasceu ontem.
- Legal, meus parabéns. Mas o que eu posso fazer por você? - Já falei meio emocionado.
- Então seu Tadeu, eu e minha esposa queremos que o senhor escolha o nome de nosso filho.
Falou isso com lágrimas nos olhos e me deixou, mais uma vez, envergonhado. Eu achando que ele ia me pedir mais dinheiro e ele querendo que eu desse o nome a seu filho. Falei a ele que tinha dois filhos gêmeos que se chamavam Daniel e Guilherme. Que ele escolhesse com a esposa um dos dois que eu me sentiria homenageado. Ele não satisfeito, perguntou:
- Mas qual dos dois nomes o senhor mais gosta?
- Daniel, falei.
E ele deu não só o nome de Daniel a seu filho com uma baita lição de vida em mim, que nunca mais vou esquecer.
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