O Flavio é filho da Zita, minha prima. Além de primo em segundo grau, é meu amigo e trabalhamos juntos. Seu apelido, Ovo, é porque ele fala muito rápido e dizem que parece que tem um ovo inteiro, com casca e tudo, na boca. As comunicações com as fazendas eram todas por radio VHF, daqueles com um único canal. Enquanto um fala o outro só escuta e começa a responder após o CAMBIO. Com o Flavio "não era fácil". A conversa era mais ou menos assim:
- Aquiéoflavioequerosabercomoestouchegandoai. Cambio.
- Negativo hein, não deu pra copiar. Vem novamente. Cambio.
- Aquiéoflaviohein equerosabercomoestouchegandoai. Cambio.
- Negativo, negativo, negativo. Quem esta chamando? Vem novamente. Cambio.
- Radiodemerda. FLAVIO, FLAVIO. Copiouagora?
- Positivo, positivo. Flavio no aparelho. Bem copiado. Quem é o Lacerda?
E a coisa ia. Acho que o pessoal já fazia meio de sacanagem com ele.
Sua principal característica era de acreditar em todo mundo. Às vezes isso é uma qualidade, outras, um defeito. Tínhamos comprado um gado no leilão da Fazenda Santa Clara e fomos para ferrar o mesmo. Após terminado o serviço, estávamos de avião, o tempo fechou. Com isso você se coloca numa situação única. Pode ter um monte de coisas acontecendo, mas você fica relaxado porque não tem o que fazer. Tem que aguardar. Armamos umas redes embaixo de um caramanchão e fiquei naquele estado letárgico, de quase dormindo e deixando os pensamentos passarem sem se fixar em nenhum, como tinha aprendido nos três anos de prática de yoga. Numa rede a uns 10 metros estava o Flavio. Mas, como dizia o Zé Mauro, ele é super ativo e conta que quando criança, quando não tinha o que fazer e nem espaço para correr ele ficava pulando no mesmo lugar.
Estava observando ele chamar um bugiu, um macacão de uns 30 kg, que existia na fazenda. Acho que o bicho estava na mesma situação minha, preso naquele caramanchão, aguardando o tempo melhorar. Ele deitado na rede, estendia a mão pro macaco, que numa preguiça maior que a nossa, foi se aproximando arrastando os braços no chão. Eu, olhando aquilo, admirei a coragem do Ovo, pois o macacão era muito feio. Realmente tinha aquelas caras tristes característica de macacos, mas tinha também uns dentes enormes. Chegou bem perto do Flavio e quando estava embaixo do punho da rede, sem mais nem menos, deu um impulso e saltou para o mesmo. O susto que ele levou foi cômico, ele deu um grito e pulou da rede no momento que o macaco agarrou no punho desta, conseguindo ser mais rápido que o macaco. O Flavio saiu correndo e para não cair foi catando cavaco e eu firme sem rir. Quando ele se aprumou, deu uma ajeitada na roupa e aquela olhada de lado para ver se o vexame tinha passado despercebido, quando percebeu que eu tinha visto tudo. Aí virou para mim e falou:
- Viu que macaco mais filho da puta.
Flavio foi da época da fundação da Baia Rica. É uma fazenda que compramos junto com São Bernardo que era vizinha de Campo Novo. Quando me falaram que estava a venda me interessei, mas a proprietária só vendia as duas juntas. Acabamos por comprar as duas e não mexi na Baia Rica, pois não tínhamos tempo para mais nada, até a entrada do Flavio. Ele arrumou um peão guapo de tudo, Zé de Moura e me falou:
-Me autorize e deixe comigo o resto. Não precisa nem de muito dinheiro pois esse cara vai com toda a família e em seis meses você pode mandar gado para lá.
Como ele acreditava em todo mundo, quis conversar com o homem, e em 10 minutos com o Zé de Moura, você se convencia também. Abri um mapa da região e ele começou a dar nome das fazendas e dos proprietários. Mostrou onde estava a nossa, onde era alto e tinha que ser a sede e foi por aí afora.
Deixei por conta do Flavio, com a condição que ele acompanhasse tudo de perto. Em seis meses a fazenda estava montada, sede, galpão de peão e até uma garagem. Tudo de pau a pique e palha. O negão era bom mesmo. Mais da metade da fazenda já com divisas cercadas e com invernadas feitas e até nomeadas. Isso sem que eu nunca chegasse nem perto da área. Mesmo na época da compra, quando fizemos só um sobrevôo sobre a mesma, existe a dúvida se não foi sobre a fazenda errada.
Mas ficou um espetáculo. Esse mérito ninguém pode tirar do Flavio com o Zé de Moura.
Posso até dizer que essa foi fácil.
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