quinta-feira, 22 de julho de 2010

Cadê Corumbá

No capítulo Mario Baldi eu relembrei de meu acidente de carro. Sai do hospital e fui para a delegacia de Araçatuba. Fiz a ocorrência e o delegado se encarregou de despachar meu carro semi-destruído para Corumbá, apesar das observações que o transporte ia ficar mais caro que o que restou do carro. Mas era só a lataria. A parte Mecânica estava boa, tanto que embarcou rodando no trem. Fui para a estação para pegar o trem e seguir para São Paulo. Estava escurecendo e o trem passava por volta da uma da madrugada. Fiz amizade com o responsável da estação, que até me arrumou uma cama para descansar. Estava começando a passar os efeitos da anestesia e a testa e braço começavam a doer muito. Estava dormindo quando fui acordado pelo Herbert. Eu não o conhecia, mas ele é de Corumbá e estava indo para Bauru, quando escutou no radio de seu carro sobre o acidente e dando como eu estando hospitalizado em estado grave. Mudou seu rumo e foi bater no hospital de Araçatuba. Com as informações obtidas lá, chegou na estação para ter certeza que eu estava bem. Isso são coisas que a gente nunca esquece e o Herbert é meu amigo e tenho orgulho disso até hoje. Estávamos conversando, eu meio sonado ainda, quando veio a segunda noticia. Meu trem tinha descarrilado e estava sem previsão de horário. O que saía de Bauru para Corumbá, já tinha sido cancelado. Entrei em pânico. Mamãe quando recebesse a notícia do acidente ia ter um enfarto. Resolvi pegar um avião e voltar para Corumbá. No clarear do dia fui para Urubupungá de taxi, para pegar o primeiro vôo, já preocupado com o dinheiro, que com tudo isso estava acabando. No aeroporto verifiquei que os vôos não eram diários e nesse dia não tinha. Eu com dezoito anos completados a três dias e sozinho naquela situação, comecei a me desesperar. Nisso apareceu o Ronaldo ou Reinaldo e me falou:
-Tenho um taxi aéreo e vou fazer bem baratinho. Em três horas você esta em casa.
Se fosse hoje, com os conhecimentos de aviação que eu tenho, saberia que isso não era possível, mas na época e na hora vi aquilo como a minha salvação e o único caminho. Eu o pagaria em Corumbá. Era um Cessna skylane 182. Um avião asa alta e de quatro lugares, piloto mais três. Me lembro dele com o mapa e régua na mão fazendo contas e traçando a rota. Era um piloto muito novo e sem nunca ter viajado por nossas bandas.
Decolamos as 7 da manhã em ponto. Depois de uma hora de viagem, como não conseguia dormir e estava tresnoitado, ele sugeriu que eu passasse para o banco de trás que me acomodaria melhor. Foi o que fiz e dormi profundamente. Quando acordei eram 11 e me lembrava dele dizendo que chegaríamos em três horas. Já tinha andado algumas vezes nesses aviões. O pai da minha namorada tinha um parecido e eu sabia que os marcadores de combustível, eram dois - um para cada tanque, ficavam nas laterais, na altura das asas. Olhei para o da esquerda, que estava na minha frente pela posição que estava deitado, estava vermelho, ou seja, seco. Me sentei no banco de trás e olhei o outro marcador, estava na reserva. Pulei para o banco da frente e olhei para o horizonte:
- Cadê Corumbá? , perguntei ao Ronaldo
- Devemos estar chegando, pelo menos espero, pois nosso combustível está acabando.
- Acho que não companheiro. Tem os morros do Urucum e você pode vê-los de muito longe.
O cara olhou para mim como se os morros não estivessem no mapa e resolveu abri-los ali. Eu só conseguia pensar que escapei de morrer em um acidente de carro e agora ia cair com um avião, mas sabia que a única chance era não entrar em pânico. O Ronaldo fechou o mapa e falou:
- Você tem razão. Pegamos muito vento de frente. Temos que achar uma pista para pousar.
- Tô ferrado, como vou chegar em Corumbá antes da noticia do meu acidente?
- Vamos resolver um problema de cada vez. Me ajude a achar uma fazenda com pista. Se dermos sorte, arrumamos combustível de automóvel e chegamos lá. Olhei para frente e vi um brilho no horizonte. Mostrei a ele e falei que devia ser um telhado. Ele olhou o marcador e cruzou os dedos para mim. Mais dois minutos de vôo e se confirmou o telhado. A pista ficava em frente da casa, mas em sua cabeceira tinha duas bocaiuveiras, que são uns coqueiros muito altos.
Na primeira tentativa ele tentou passar por cima das bocaiuveiras e não deu, teve que arremeter. O vento estava muito forte e as bocaiuveiras atrapalhando demais. Fez nova aproximação e desta vez veio mais baixo para passar por entre as bocaiuveiras. Conseguimos pousar. Infelizmente não lembro mais o nome da fazenda, mas fomos muito bem atendidos. Nos convidaram para almoçar e o capataz nos tranqüilizou, dizendo que o patrão tinha uma rural e deixava um tambor de gasolina na fazenda e que poderia nos arrumar uns 30 litros. Confirmado que estávamos na rota, o problema tinha sido mesmo o vento, almoçamos e ficamos aguardando o vento melhorar. Tinha também o problema do horário, quando a sustentação é ruim nas horas quentes do dia.
O Ronaldo me explicou que não poderíamos colocar muita gasolina de carro pois como a octanagem era bem menor, tinha que misturar com um pouco da do avião para não ter perigo de pipocar na decolagem. Por volta das 16 horas, depois de abastecer o avião, coando a gasolina em pano de prato, decolamos. O vento tinha melhorado e com 15 minutos de vôo apareceram os morros do Urucum. Mais 15 estávamos pousando na minha Corumbá. Do aeroporto, telefonei para o Tontonio. Em 5 minutos ele chegou com papai. Me abraçavam e o Tontonio chorava. Quando falei para papai que o carro tinha acabado, ele me falou: "Vão se os anéis, mas que fiquem os dedos".
Íamos direto para casa quando papai resolveu me levar no Dr. Fadah primeiro. Ele falou que seria melhor pois já falaríamos a Mamãe que ate o médico dele já tinha visto que estava tudo bem. Não foi boa idéia.
Quando chegamos em casa, já estava cheio de gente, e o médico do Samdu atendendo Mamãe. O Angelino, da farmácia Santa Maria, me viu na rua de cabeça enfaixada e perguntou a ela o que tinha acontecido comigo. Depois de todo o sacrifício para ela ter a noticia comigo do lado, alguém deu com a língua nos dentes. Quando ela me viu já estava em uma crise nervosa e em menos de 15 minutos tinha mais gente na minha casa do que em qualquer das festas que fizemos lá. Eu presenciava meu próprio enterro. Com a quantidade de carro parado na porta e o pessoal recebendo a noticia do acidente na rua, ia para ver o corpo e topava comigo numa nice lá, e Mamãe passando mal. No final das contas, até não fiquei muito triste. Voltei com meu fusca velho que ainda não tinha sido vendido e com tudo isso, namorei mais três dias.

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