Quando resolvi ir para Taubaté, a idéia era fazer engenharia civil, pois se um dia eu voltasse para Corumbá não teria emprego como engenheiro Mecânico. Além disso, precisava de conhecimentos de concreto, pois todo equipamento mecânico termina por transferir a carga para o solo e isso é, quase sempre, através de uma estrutura de concreto. Existe uma interação entre uma coisa e outra nos pontos de transição. Como queria me especializar em cálculos, precisava também fazer uma pós-graduação em estruturas e resolvi, após terminar a engenharia civil, fazer meu mestrado, no ITA.
Ia tudo muito bem, mas tinham algumas restrições que me deixavam com a corda no pescoço. Eu precisava fazer 30 pontos para o mestrado. Não conseguia cursar mais do que uma cadeira por semestre e cada uma valia 3 pontos. A tese valia 9 pontos e as cadeiras caducavam após 4 anos. Tinha então 3 anos e meio para fazer 7 cadeiras que me dariam 21 pontos e 6 meses para fazer a tese que completariam os 30 pontos, na casca. Qualquer pau em uma cadeira e eu perderia tudo que já tinha feito antes e voltaria a estaca zero, pois começaria a caducar uma após a outra. Era uma coisa que não admitiria erros. Todo aluno tinha que ter um orientador e eu não conhecia ninguém. Para você poder fazer o curso no ITA, a exigência era de ser formado em engenharia e ter um professor que te aceitasse como pupilo e o acompanhasse durante o tempo todo. Qualquer problema com você ele era comunicado e era o co-responsável pela defesa da sua tese.
Fui falar com coordenador do curso de estruturas, prof Wolf Altman. Quando disse que não era graduado pelo ITA, tinha esposa e quatro filhos e um emprego em período integral, ele tentou me desanimar. Que eu fizesse uma pós-graduação nas cadeiras que eu precisasse me aprofundar, ou participasse das aulas como ouvinte e não precisaria fazer provas, mas defender teses nem pensar, que mestrado era uma coisa que necessitava dedicação integral e conhecimento prévio em engenharia, que só ex-alunos do ITA e os melhores da Politécnica tinham, que não era meu caso, e eu não teria tempo para família e nem para trabalho na Mecânica Pesada. Insisti que era uma coisa que eu queria fazer e quando quis argumentar que estava preparado para enfrentar isso tudo, ele fechou a questão, que ele não podia perder tempo, tinha somente dois orientados por ano e que eu desistisse ou procurasse outro. Para mostrar que não desistiria, disse que não conhecia ninguém na escola e não me esqueci de sua resposta:
- Procure pelo Rizzi. Ele aceita qualquer um.
Se ele tivesse me convencido eu mandaria ele tomar no rabo e iria embora, mas como queria fazer aquele mestrado, fiquei quieto. Já era meio frustrado por não ter feito meu curso normal ali. Tomei pau de inglês no vestibular, como se matemática tivesse nacionalidade. Engoli a vontade e fui atrás do Rizzi. Cheguei à porta de sua sala que ficava em um corredor comprido onde deviam ter mais 20 portas iguais e vi a plaquinha na porta "Prof. Phd. Paulo Rizzi" e pensei com meus botões que devia ser outro velhão chato que nem o Altmam, e como a porta estava trancada, fiquei andando por aquele corredor comprido, aguardando. Apareceu um cara uns 5, 6 anos mais velhos do que eu, calça jeans, tênis, camisa com gola canoa e como eu já estava à meia hora aguardando, cheguei nele falando:
- Você sabe a que horas chega essa porra do Paulo Rizzi?
Ele respondeu:
-Acabou de chegar.
Parou na frente da sala e começou a destrancá-la. Pronto, tinha acabado de ferrar com tudo. Merda.
- Oh professor Rizzi, o senhor me perdoe, mas nunca achei que o senhor pudesse ser mais novo do que eu.
Como já disse ele parecia uns 6 mais velhos, com aquele elogio eu tentei corrigir as coisas e acho que consegui pois ele respondeu:
- Tem um cigarro aí?
Contei minha conversa com o Altman, onde trabalhava, o que fazia e como era importante eu fazer meu mestrado ali e se ele poderia ser meu orientador. Ele disse que sim e colocou duas condições. A primeira que eu desistisse no primeiro pau e a segunda de que a minha tese fosse relacionada com meu trabalho na Mecânica Pesada, pois ele já estava de saco cheio de fazer coisas que só serviriam depois que ele morresse. Ele já tinha 2 estruturas de satélite orbital, uma asa de jato supersônico e outras tranqueiras mais. Escolheríamos juntos o assunto da tese e as cadeiras que eu teria que fazer. Começaria com Teoria da Elasticidade, no primeiro semestre, e Analise Matricial de Estruturas no segundo, onde ele seria o professor. Achei que seria o professor das duas cadeiras, mas estava enganado. Da primeira era o Altman. Começaria com a fera e quando quis dar uma reclamada ele falou:
-Combinamos que você sairia no primeiro pau, não foi? Vamos para o tudo ou nada e assim você não perde o seu tempo...
Quando quis argumentar ele completou:
-Nem o meu.
Comecei com o Wolf Altman. Fui à primeira aula com aquela esperança de que ele não se lembrasse mais de mim, mas parece que ele leu meus pensamentos na nossa última conversa e sentiu aquela minha vontade irreprimível de mandá-lo tomar no rabo. No meu bom dia ele respondeu:
-Não disse que o Rizzi aceitaria você?
Se já não tinha muita simpatia por ele, naquele momento, eu já dentro, num agüentei e respondi:
-Ainda bem né, mestre.
Não me lembro de estudar tanto na minha vida. As aulas eram diferentes das de um curso de graduação. O professor dava uma copia Xerox do capítulo do livro para cada um, você lia, estudava e na aula seguinte tirava dúvidas. O livro era a Teoria da Elasticidade, de Stempko Timoshenko, em inglês. Fui na livraria em São Paulo, e descobri que ele já tinha sido traduzido e comprei o mesmo. Não tinha tempo para ficar traduzindo, mas ganhava bem na Mecânica Pesada para comprar o livro. Na primeira dúvida minha ele pediu que outro aluno respondesse, pois era matéria do curso de graduação. Só que ninguém soube responder. Tentei tirar o sorriso de sacana dos lábios, mas não consegui. Contei o ocorrido ao Rizzi e ele me pediu que não perguntasse mais nada ao Altmam, que ele iria tirar as minhas dúvidas..., e o limão virou limonada. Eu era o único aluno do ITA com um Phd particular. No dia da primeira prova eu achei que ia enfartar de tão nervoso e só me tranqüilizei quando terminei a mesma. Tinha feito tudo, conferido todas as questões e sido o primeiro a entregar. Quando recebi o resultado veio um MB de "muito bom", e não sabia onde tinha errado, pois a nota máxima era o L, de louvor. Pedi revisão da prova e ele me chamou para mostrar onde tinha errado. Não tinha, o monitor dele que se enganou não percebendo que as unidades da resposta não eram a mesma do gabarito. Ele não quis alterar a nota e falou que na próxima ele aumentaria um degrau, ou seja, se eu tirasse outro MB ele passaria para L. Ficaria com um crédito. No final do curso eu fui até ele e pedi para ele mudar a primeira nota, pois as outras tinham sido L e eu não tinha usado o crédito. Ele só mudou depois que o Paulo Rizzi falou com ele.
No segundo semestre fiz a Analise Matricial de Estruturas com o Paulo Rizzi. Estudei mais ainda, pois não tinha como justificar qualquer falha com ele. Só L de novo. No terceiro semestre encarei o Altman de novo com Estabilidade Elástica e tida como a matéria mais difícil do curso. No quarto fiz Plasticidade com o Hazim Al Quireshe, um indiano bom pra burro e também aprendi muito com ele. No quinto peguei o Nash Bismark em "Teoria dos elementos finitos" e rachei o bico de tanto estudar. No sexto voltei para o Paulo Rizzi e fiz Otimização Estrutural, que foi a base da minha tese. A ultima matéria foi uma obrigatória, Estudos dos Problemas Brasileiros, e foi a única em que não tirei L em todas as notas, mas também com a quantidade de problemas que este país tem!!!.
No resto faturei em todas. Estava correndo tudo bem, mas não estava fácil, e o pior estava por vir, a tese.
Fui falar com coordenador do curso de estruturas, prof Wolf Altman. Quando disse que não era graduado pelo ITA, tinha esposa e quatro filhos e um emprego em período integral, ele tentou me desanimar. Que eu fizesse uma pós-graduação nas cadeiras que eu precisasse me aprofundar, ou participasse das aulas como ouvinte e não precisaria fazer provas, mas defender teses nem pensar, que mestrado era uma coisa que necessitava dedicação integral e conhecimento prévio em engenharia, que só ex-alunos do ITA e os melhores da Politécnica tinham, que não era meu caso, e eu não teria tempo para família e nem para trabalho na Mecânica Pesada. Insisti que era uma coisa que eu queria fazer e quando quis argumentar que estava preparado para enfrentar isso tudo, ele fechou a questão, que ele não podia perder tempo, tinha somente dois orientados por ano e que eu desistisse ou procurasse outro. Para mostrar que não desistiria, disse que não conhecia ninguém na escola e não me esqueci de sua resposta:
- Procure pelo Rizzi. Ele aceita qualquer um.
Se ele tivesse me convencido eu mandaria ele tomar no rabo e iria embora, mas como queria fazer aquele mestrado, fiquei quieto. Já era meio frustrado por não ter feito meu curso normal ali. Tomei pau de inglês no vestibular, como se matemática tivesse nacionalidade. Engoli a vontade e fui atrás do Rizzi. Cheguei à porta de sua sala que ficava em um corredor comprido onde deviam ter mais 20 portas iguais e vi a plaquinha na porta "Prof. Phd. Paulo Rizzi" e pensei com meus botões que devia ser outro velhão chato que nem o Altmam, e como a porta estava trancada, fiquei andando por aquele corredor comprido, aguardando. Apareceu um cara uns 5, 6 anos mais velhos do que eu, calça jeans, tênis, camisa com gola canoa e como eu já estava à meia hora aguardando, cheguei nele falando:
- Você sabe a que horas chega essa porra do Paulo Rizzi?
Ele respondeu:
-Acabou de chegar.
Parou na frente da sala e começou a destrancá-la. Pronto, tinha acabado de ferrar com tudo. Merda.
- Oh professor Rizzi, o senhor me perdoe, mas nunca achei que o senhor pudesse ser mais novo do que eu.
Como já disse ele parecia uns 6 mais velhos, com aquele elogio eu tentei corrigir as coisas e acho que consegui pois ele respondeu:
- Tem um cigarro aí?
Contei minha conversa com o Altman, onde trabalhava, o que fazia e como era importante eu fazer meu mestrado ali e se ele poderia ser meu orientador. Ele disse que sim e colocou duas condições. A primeira que eu desistisse no primeiro pau e a segunda de que a minha tese fosse relacionada com meu trabalho na Mecânica Pesada, pois ele já estava de saco cheio de fazer coisas que só serviriam depois que ele morresse. Ele já tinha 2 estruturas de satélite orbital, uma asa de jato supersônico e outras tranqueiras mais. Escolheríamos juntos o assunto da tese e as cadeiras que eu teria que fazer. Começaria com Teoria da Elasticidade, no primeiro semestre, e Analise Matricial de Estruturas no segundo, onde ele seria o professor. Achei que seria o professor das duas cadeiras, mas estava enganado. Da primeira era o Altman. Começaria com a fera e quando quis dar uma reclamada ele falou:
-Combinamos que você sairia no primeiro pau, não foi? Vamos para o tudo ou nada e assim você não perde o seu tempo...
Quando quis argumentar ele completou:
-Nem o meu.
Comecei com o Wolf Altman. Fui à primeira aula com aquela esperança de que ele não se lembrasse mais de mim, mas parece que ele leu meus pensamentos na nossa última conversa e sentiu aquela minha vontade irreprimível de mandá-lo tomar no rabo. No meu bom dia ele respondeu:
-Não disse que o Rizzi aceitaria você?
Se já não tinha muita simpatia por ele, naquele momento, eu já dentro, num agüentei e respondi:
-Ainda bem né, mestre.
Não me lembro de estudar tanto na minha vida. As aulas eram diferentes das de um curso de graduação. O professor dava uma copia Xerox do capítulo do livro para cada um, você lia, estudava e na aula seguinte tirava dúvidas. O livro era a Teoria da Elasticidade, de Stempko Timoshenko, em inglês. Fui na livraria em São Paulo, e descobri que ele já tinha sido traduzido e comprei o mesmo. Não tinha tempo para ficar traduzindo, mas ganhava bem na Mecânica Pesada para comprar o livro. Na primeira dúvida minha ele pediu que outro aluno respondesse, pois era matéria do curso de graduação. Só que ninguém soube responder. Tentei tirar o sorriso de sacana dos lábios, mas não consegui. Contei o ocorrido ao Rizzi e ele me pediu que não perguntasse mais nada ao Altmam, que ele iria tirar as minhas dúvidas..., e o limão virou limonada. Eu era o único aluno do ITA com um Phd particular. No dia da primeira prova eu achei que ia enfartar de tão nervoso e só me tranqüilizei quando terminei a mesma. Tinha feito tudo, conferido todas as questões e sido o primeiro a entregar. Quando recebi o resultado veio um MB de "muito bom", e não sabia onde tinha errado, pois a nota máxima era o L, de louvor. Pedi revisão da prova e ele me chamou para mostrar onde tinha errado. Não tinha, o monitor dele que se enganou não percebendo que as unidades da resposta não eram a mesma do gabarito. Ele não quis alterar a nota e falou que na próxima ele aumentaria um degrau, ou seja, se eu tirasse outro MB ele passaria para L. Ficaria com um crédito. No final do curso eu fui até ele e pedi para ele mudar a primeira nota, pois as outras tinham sido L e eu não tinha usado o crédito. Ele só mudou depois que o Paulo Rizzi falou com ele.
No segundo semestre fiz a Analise Matricial de Estruturas com o Paulo Rizzi. Estudei mais ainda, pois não tinha como justificar qualquer falha com ele. Só L de novo. No terceiro semestre encarei o Altman de novo com Estabilidade Elástica e tida como a matéria mais difícil do curso. No quarto fiz Plasticidade com o Hazim Al Quireshe, um indiano bom pra burro e também aprendi muito com ele. No quinto peguei o Nash Bismark em "Teoria dos elementos finitos" e rachei o bico de tanto estudar. No sexto voltei para o Paulo Rizzi e fiz Otimização Estrutural, que foi a base da minha tese. A ultima matéria foi uma obrigatória, Estudos dos Problemas Brasileiros, e foi a única em que não tirei L em todas as notas, mas também com a quantidade de problemas que este país tem!!!.
No resto faturei em todas. Estava correndo tudo bem, mas não estava fácil, e o pior estava por vir, a tese.
Puts tio, ainda bem que vc não escreveu esta historia na epoca da nossa aposta...com certeza teria ficado bem quietinha no meu canto. Qualquer coisa que vc falasse eu falaria: Sim senhor tio!
ResponderExcluirMas...agora só tenho a dizer que tenho muito orgulho deste meu padrinho querido!
te amo!
mila