segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Ricardo Ravioli

Quando entrei na Escola de Engenharia Mauá, não vou negar, estava tremendamente frustrado. Tinha feito três anos de Arquidiocesano e sempre entre os três melhores alunos. 
O terceiro ano fiz junto com o Anglo Latino onde fui até monitor do Cid Gueli, professor de matemática. Tinha tudo para entrar na Poli ou no Ita, mas entrei foi no pau e nas duas. Quando passei na Mauá, cheguei a pensar em fazer o Anglo de novo e tentar novamente. Cheguei a conclusão de que se não foi daquela vez não seria nunca, pois não tinha como me preparar melhor e resolvi fazer a Mauá mesmo. Acho que foi a sorte da minha vida, pois essa frustração me fez me dedicar como nunca aos estudos. Queria compensar não estar na melhor, sendo o melhor de onde estava. Com o tempo vi que era uma excelente escola. Em todo meu curso nunca fiz um exame final. Passava direto em tudo. Tinha o respeito dos professores e dos colegas.
O Ricardo Ravioli era da turma 6000, eu era da 7000, ele era repetente no segundo ano. O conheci quando estava vendo minhas notas que eram publicadas em um mural e ele do meu lado todo garboso. Nosso primeiro papo nosso foi mais ou menos assim:
- Porra meu, tirei 9 nessa merda de cálculo. Sou bom pra cacete nisso. Segunda nota, só tem um filho da puta que tirou 10. E você tirou quanto?
- Não achei ainda.
- Como é seu nome?
- Tadeu Marinho.
- Caralho, você é o filho da puta.
Ficamos amigos e estudamos juntos a faculdade toda. Chegamos a ser até cunhados, sua irmã era lindíssima. Uma loira de olhos verdes que me pegou como professor particular de matemática. O Ricardo era bom de matemática mas para as negas dele, a Nena, esse era o apelido dela, queria o melhor e 10 é maior do que 9.
Estudávamos juntos todos os dias, às vezes na minha casa outras na dele. Gostava de ir na casa dele, independente da Nena, pois seus pais eram super simpáticos e me tratavam muito bem. Ele tinha uma presença se espírito sem igual. Ríamos o tempo todo de suas tiradas. A noiva dele, a Cita, também era linda e simpática. Acabaram se casando. Teve uma noite que ele chegou em casa com ela e uma mala, dizendo:
- Tem um quarto sobrando no seu apartamento, dá para acomodar a Cita por uns dias aqui?
- Dá, mas o que houve?
O pai dela não gostava muito dele. Não lembro o motivo, mas o colocou para fora de casa e a Cita saiu junto. Morou na minha casa por mais de um mês.
Depois de formados cada um tomou seu rumo. Eu fui exercer a profissão e ele, acho que queria só ter um diploma, foi ser comerciante. Montou uma loja de antigüidades em um shopping e perdemos o contacto. Há uns 20 anos atrás eu o encontro, sem querer, na sua loja. Foi aquela festa e enquanto estávamos conversando uma senhora muito distinta nos interrompe perguntando o preço de um conjunto de jantar composto de mesas, cadeiras e um aparador.
- U$ 4.000,00 dólares o conjunto completo, senhora.
A mulher pensa e pergunta:
- O senhor venderia a mesa com as cadeiras sem o aparador?
- Vendemos minha senhora. Aqui fazemos o que o cliente quiser.
A mulher ficou toda sorridente e perguntou quanto seria.
- U$ 4.000,00 dólares senhora
A mulher assustou grande e falou já meio invocada:
- Mas quanto custa o aparador?
- Se a senhora me levar as mesas e cadeiras esse aparador não vale mais nada. Quem vai querer comprar essa porcaria sem o resto.
Assim ele era. Não sei como sua loja vendia tanto.
A última vez que tive notícias dele foi por telefone e foi muito interessante. Tínhamos um apartamento na aclimação e estava na sacada do 18º andar, quando vi os fundos de um casa antiga com um grande galpão no quintal. Num primeiro momento não reconheci a Ravel, mas não sei o que me chamou a atenção e depois de algum tempo percebi que se tratava da fábrica de artefatos de borracha da família dele. Fiquei lembrando de todos os detalhes, pois fiz estágio lá e reconheci até a minha sala. Fiquei num estado de tristeza e nostalgia e ao mesmo tempo contente de ter reconhecido aquele prédio abandonado que tinha feito parte da minha juventude. A noite resolvemos ir a uma pizzaria e quando me sentei à mesa vi, na parede da minha frente, um daqueles pratos decorativos e escrito nele Empório Ravioli. Comentei com os demais o acontecido na parte da manhã e agora aquela coincidência. Beá levantou para ir ao toalete e quando voltou comentou que o painel de fotos do restaurante estava cheio de gente conhecida. Fui até lá e realmente, apesar de não reconhecer ninguém, os rostos me eram familiares. Perguntei ao garçom pelo dono do restaurante e ele me mostrou um casal sentado numa mesa. Fui até ele e perguntei pelo nome da família dele. Como todos na família, o Franco também era muito brincalhão e já me perguntou se eu era cobrador. Perguntei se tinha alguma coisa com os Ravioli, pois as fotos pareciam com uma família de italianos que eu tinha conhecido há muito tempo atrás. Ele confirmou e, pior, lembrou-se de mim. Foi uma festa. Era o irmão caçula do Ricardo. Tinha o Roberto, que hoje tem um restaurante famoso em São Paulo, o Empório Ravioli, a Nena e o Franco, e depois fiquei sabendo que sua pizzaria também era muito conhecida, a Pizza Bross. Ele ligou para o Ricardo e falamos por telefone. Foi o último contato que tive com ele.

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