Posso
dar qualquer outra desculpa, menos dizer que foi por falta de aviso. Quando me
falaram que íamos para Viena, e que o melhor jeito era com escala em Istambul,
falei às companheiras de viagem que estava mais animado com a escala do que com
o destino. Apesar de isso ter acontecido há quarenta e um anos, a Áustria já
era uma velha conhecida minha. Já tinha passado um dia em Insbruki e um em
Viena. Depois de escapar do linchamento por causa do "velha
conhecida", resolvemos passar três dias na Áustria e quatro na antiga
Constantinopla. Saímos pela Turkish Airlines e, 24 horas depois – tivemos que
pernoitar em Istambul – chegamos à terra de Freud. O objetivo principal da
visita, proposto pela minha filha Laura, era uma exposição comemorativa de 150
anos do artista Gustav Klimt. O único Gustavo que eu conhecia era meu cunhado,
e a arte dele é na cozinha. Mas valeu, o austríaco era um pintor de primeira e
muito conhecido pelos cultos e eruditos na área, o que não era meu caso (mas
agora de Gustav já sou especialista). Aproveitamos para visitar a casa onde
Freud morava, muito legal também, e originou uma discussão ferrenha com Laura;
pois eu achava que uma foto exposta no escritório dele era do Hitler, e ela
garantia que não podia ser. Eu argumentava que seria a coisa mais natural do
mundo, uma foto de um louco no escritório de um psiquiatra, e ela dizia que a
lógica era pouco para a diferença "ideo-lógica" dos dois, um alemão e
outro judeu. Fiquei sem argumentos – mas que era o Hitler, era.
De
lá desembarcamos na Turquia. Super recomendados sobre como os homens
negociantes eram terríveis, que vendiam até laxante para nego com desinteria, e
por aí afora. No primeiro dia, fomos ao Grande Bazar. Foi como um segundo
aviso. Nunca tinha comprado uma pashimina na vida, e saí de lá com uma de 120
dólares. No hotel, quatro horas depois, ainda não conseguia entender o porquê
de ter comprado aquela porcaria. O que ia fazer com um cachecol metido a besta
numa terra de 40 graus de temperatura, quase todos os dias do ano? E o pior, o
cara usando aquilo fica com uma pinta de veado do cacete. Vai ficar de
recordação, pois nunca terei oportunidade ou coragem pra usar essa merda.
Quando menos assustei, ofereci a metade do que estavam pedindo, que devia ser
umas cinco vezes maior que o valor real, e dois minutos depois eu era dono de
uma pashimina turca legítima. Foi a preliminar. O pior estava por vir. Fomos
visitar a Mesquita Santa Sofia, a maior do mundo, e na descida do táxi
conhecemos o Sani, um guia turístico profissional, que já veio com uma
proposta:
– Eu
mostrar o Santa Sofia e o resto tudo para vocês. Soy guia oficial e falar
português, um poco.
Realmente
ele se fazia entender, mas para guia oficial... Lembrando da pashimina,
perguntei quanto ia nos custar essa ciceroneada. Enrolou, tossiu, balançou a
cabeça e falou que não era nada. Bati o pé, ou dava o preço antes ou íamos
sozinhos, não queria acabar com outra pashimina na mala.
Contrariado,
ele falou:
–
250 liras, mas se for à lojinha do meu irmão que vende tapetes, não cobro
nada.
Estava
armada a arapuca, e a isca era de R$300,00.
Posteriormente
verificamos que o número era perfeito. Nada exorbitante para fazer você correr,
mas também nada insignificante para você não tentar recuperar. Visitamos tudo e
ele furando aquelas puta filas, comprando ingressos com sua carteira de guia e
fazendo questão de mostrar os preços. Era o início para ganhar a nossa
confiança. Visitamos a grande Mesquita, o hipódromo, o maior algibe do mundo,
com um poço artesiano que o alimentava, e por aí afora. O guia era uma simpatia
e em menos de uma hora já me chamava de Papá e a Bea de Mamá. Quando perguntei
se era casado, tirou o celular do bolso e começou a me mostrar as fotos de uma
mulher muito bonita e, em uma delas, estava de biquini deitada de bruços ao
sol. Uma máquina. Com lágrimas nos olhos, me falou:
–
Terminamos há pouco tempo, Papá.
–
Sani, como você deixou escapar uma máquina dessas, cara?
–
Minha psicóloga – ele falou.
–
Hein? – Achei que tinha entendido errado ou ele trocado alguma palavra, coisa
que fazia constantemente (ele não podia comer muito por causa do seu sistema
"sugestivo"). No esclarecimento, vi que tinha entendido certo. A
mulher estava enlouquecendo-o e sua analista falou que ele tinha que se afastar
dela. Comecei a ficar curioso e a incentivá-lo a falar mais. Pela fotografia,
percebia-se que, realmente, a mulher era de enlouquecer qualquer um. Meio
relutante, mas depois vi que foi de propósito, ele foi se abrindo:
–
Ela fuma muito. – Ele disse.
– E
daí, Sani, e isso é motivo de se largar uma mulher?
–
Maria huana, maconha, conhece?
Aí
complicou um pouco, mas como ainda não achei suficiente, ele completou:
–
Artista. Canta em um cabaré.
Com
aquele corpo, já pensei que a coisa ia além de cantar, e realmente o cara
estava enlouquecendo.
–
Meu psicólogo falou, ou se afasta dela ou seu caso vai complicar.
Nessa
altura, alguém perguntou por que ele continuava com suas fotos no celular e
veio a pérola:
–
Apago primeiro do coração, e depois do celular.
Depois
dessa confissão toda, e ele querendo pagar nosso almoço, ficamos íntimos.
Estava
armada a arapuca: íntimo e de confiança. Depois que acabamos a visitação, ele
nos convidou para tomar um chá de maçã na "lojinha" do irmão.
Impossível recusar, além do quê, comprando qualquer coisinha, tinha as 250
liras de desconto do serviço dele. Fomos para o abate.
(Continua
na parte 2)
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