segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Istanbul


Posso dar qualquer outra desculpa, menos dizer que foi por falta de aviso. Quando me falaram que íamos para Viena, e que o melhor jeito era com escala em Istambul, falei às companheiras de viagem que estava mais animado com a escala do que com o destino. Apesar de isso ter acontecido há quarenta e um anos, a Áustria já era uma velha conhecida minha. Já tinha passado um dia em Insbruki e um em Viena. Depois de escapar do linchamento por causa do "velha conhecida", resolvemos passar três dias na Áustria e quatro na antiga Constantinopla. Saímos pela Turkish Airlines e, 24 horas depois – tivemos que pernoitar em Istambul – chegamos à terra de Freud. O objetivo principal da visita, proposto pela minha filha Laura, era uma exposição comemorativa de 150 anos do artista Gustav Klimt. O único Gustavo que eu conhecia era meu cunhado, e a arte dele é na cozinha. Mas valeu, o austríaco era um pintor de primeira e muito conhecido pelos cultos e eruditos na área, o que não era meu caso (mas agora de Gustav já sou especialista). Aproveitamos para visitar a casa onde Freud morava, muito legal também, e originou uma discussão ferrenha com Laura; pois eu achava que uma foto exposta no escritório dele era do Hitler, e ela garantia que não podia ser. Eu argumentava que seria a coisa mais natural do mundo, uma foto de um louco no escritório de um psiquiatra, e ela dizia que a lógica era pouco para a diferença "ideo-lógica" dos dois, um alemão e outro judeu. Fiquei sem argumentos – mas que era o Hitler, era.
De lá desembarcamos na Turquia. Super recomendados sobre como os homens negociantes eram terríveis, que vendiam até laxante para nego com desinteria, e por aí afora. No primeiro dia, fomos ao Grande Bazar. Foi como um segundo aviso. Nunca tinha comprado uma pashimina na vida, e saí de lá com uma de 120 dólares. No hotel, quatro horas depois, ainda não conseguia entender o porquê de ter comprado aquela porcaria. O que ia fazer com um cachecol metido a besta numa terra de 40 graus de temperatura, quase todos os dias do ano? E o pior, o cara usando aquilo fica com uma pinta de veado do cacete. Vai ficar de recordação, pois nunca terei oportunidade ou coragem pra usar essa merda. Quando menos assustei, ofereci a metade do que estavam pedindo, que devia ser umas cinco vezes maior que o valor real, e dois minutos depois eu era dono de uma pashimina turca legítima. Foi a preliminar. O pior estava por vir. Fomos visitar a Mesquita Santa Sofia, a maior do mundo, e na descida do táxi conhecemos o Sani, um guia turístico profissional, que já veio com uma proposta:
– Eu mostrar o Santa Sofia e o resto tudo para vocês. Soy guia oficial e falar português, um poco. 
Realmente ele se fazia entender, mas para guia oficial... Lembrando da pashimina, perguntei quanto ia nos custar essa ciceroneada. Enrolou, tossiu, balançou a cabeça e falou que não era nada. Bati o pé, ou dava o preço antes ou íamos sozinhos, não queria acabar com outra pashimina na mala.
Contrariado, ele falou:
– 250 liras, mas se for à lojinha do meu irmão que vende tapetes, não cobro nada. 
Estava armada a arapuca, e a isca era de R$300,00.
Posteriormente verificamos que o número era perfeito. Nada exorbitante para fazer você correr, mas também nada insignificante para você não tentar recuperar. Visitamos tudo e ele furando aquelas puta filas, comprando ingressos com sua carteira de guia e fazendo questão de mostrar os preços. Era o início para ganhar a nossa confiança. Visitamos a grande Mesquita, o hipódromo, o maior algibe do mundo, com um poço artesiano que o alimentava, e por aí afora. O guia era uma simpatia e em menos de uma hora já me chamava de Papá e a Bea de Mamá. Quando perguntei se era casado, tirou o celular do bolso e começou a me mostrar as fotos de uma mulher muito bonita e, em uma delas, estava de biquini deitada de bruços ao sol. Uma máquina. Com lágrimas nos olhos, me falou:
– Terminamos há pouco tempo, Papá.
– Sani, como você deixou escapar uma máquina dessas, cara?
– Minha psicóloga – ele falou.
– Hein? – Achei que tinha entendido errado ou ele trocado alguma palavra, coisa que fazia constantemente (ele não podia comer muito por causa do seu sistema "sugestivo"). No esclarecimento, vi que tinha entendido certo. A mulher estava enlouquecendo-o e sua analista falou que ele tinha que se afastar dela. Comecei a ficar curioso e a incentivá-lo a falar mais. Pela fotografia, percebia-se que, realmente, a mulher era de enlouquecer qualquer um. Meio relutante, mas depois vi que foi de propósito, ele foi se abrindo:
– Ela fuma muito. – Ele disse.
– E daí, Sani, e isso é motivo de se largar uma mulher? 
– Maria huana, maconha, conhece?
Aí complicou um pouco, mas como ainda não achei suficiente, ele completou:
– Artista. Canta em um cabaré. 
Com aquele corpo, já pensei que a coisa ia além de cantar, e realmente o cara estava enlouquecendo. 
– Meu psicólogo falou, ou se afasta dela ou seu caso vai complicar.
Nessa altura, alguém perguntou por que ele continuava com suas fotos no celular e veio a pérola:
– Apago primeiro do coração, e depois do celular.
Depois dessa confissão toda, e ele querendo pagar nosso almoço, ficamos íntimos.
Estava armada a arapuca: íntimo e de confiança. Depois que acabamos a visitação, ele nos convidou para tomar um chá de maçã na "lojinha" do irmão. Impossível recusar, além do quê, comprando qualquer coisinha, tinha as 250 liras de desconto do serviço dele. Fomos para o abate.
(Continua na parte 2)

Nenhum comentário:

Postar um comentário