Vestibular II

Era agosto, Laura estava na Poli cursando o terceiro ano, Beto o primeiro em Piracicaba e Daniel e Guilherme, no Bandeirantes, se preparando para o vestibular. Iriam fazer agronomia. Teria quatro engenheiros em casa. Num domingo o Daniel foi almoçar na casa da Rosa com o Arnaldo, minha prima, filha do tio Alcides, e voltou de lá dizendo que tinha mudado de idéia, ia fazer veterinária. O Arnaldo é medico e o convenceu que já tinha muito agrônomo na família e achava que ele se identificava melhor com ciências biológicas que exatas. Não falei nada pois o argumento de muito agronomia e pouca veterinária era verdadeira, mas alertei que essa mudança de exatas para biológicas no meio do ano poderia custar um pau no vestibular. Ele foi muito firme dizendo:

- O que é um ano em uma vida.

Estava preparado pro pau.

Não deu outra e no fim do ano a festa foi dividida. Guilherme entrou na ESALQ e Daniel no pau. Estávamos em Corumbá festejando, na maior alegria pelo Guilherme, e com o coração apertado pelo Daniel. Chamei-o no quarto e lembrei de suas palavras:

- O que é ano em uma vida.

Aí ele retrucou:

- Se tomar de novo vão ser dois. Aí já começa ser considerável.

Vou registrar aqui um pensamento que me acompanhou a vida toda. Aquela cena na isolete, ele com o oxigênio que queimava quando muito perto e que roxeava quando afastado, me acompanhou e atormentou um pouco a vida toda. Quando ele tirava uma nota vermelha no colégio, por absoluta falta de estudar, vinha a dúvida se por ele ter passado uns dias naquela situação podia ter alguma seqüela e abrandávamos a puteada. Naquele momento, para encorajá-lo eu disse:

- Filho, você escolheu uma montanha mais alta. Demora mais para escalá-la, mas a vista lá de cima é mais bonita. Prometi pra Laura que não cortava cabelo e não tirava a barba até ela entrar. Vou prometer a você. Vamos raspar a cabeça juntos ano que vem.

Ele falou que não estava triste, ou pelo menos a tristeza era menor que a alegria de ver Guilherme, que eu podia ficar tranqüilo que ele estava bem. Pegou firme no Anglo. Estudava que nem um louco e estava indo muito bem. Finalmente veio o vestibular. Falei a ele:

- Se inscreva em todas e depois escolhe.

Ele respondeu:

- Vou fazer isso mas quero ir para Viçosa que é a melhor em grandes animais.

Fez o vestibular e acabou com meu trauma. Não podia ter seqüela e entrar em segundo lugar em Lavras, segundo em Viçosa e quarto não sei onde. O bicho era bom pra cacete, e por incrível que pareça não parecia. Pois é isso mesmo.

Pior que eu tinha um comércio e me relacionava com pessoas importantes, não só no Brasil como no exterior. Promessa feita tem que cumprir. Na comemoração em Corumbá, raspamos a cabeça juntos. Foi a maior festa. Em todas as reuniões que fui após isso, as pessoas ficavam constrangidas de perguntar, pois tinham como respostas prováveis ou quimioterapia ou piolho. Eu já chegava me explicando e numa dessas quebrei a cara. Era uma senhora que, por cavalheirismo vou omitir o nome, e tínhamos uma reunião para acertar um compromisso de compra e venda. Quando cheguei e ela estranhou a minha careca, fui explicando que tinha quatro filhos, que três estavam na Usp e um na federal de Viçosa, e que tinha sido promessa, quando, ao invés de me felicitar como todos antes, falou:

- Como este mundo é injusto. Tenho dois filhos, tive que pagar faculdade particular, sem poder, e nenhum dos dois se formou. Já você que não precisa disso tem quatro em faculdade grátis.

Fiquei sem saber o que responder , apesar da vontade enorme de mandá-la tomar no c... Mas estava muito feliz para me chatear por tão pouco, e na hora só consegui falar “não é fácil”, que é igual ao “Mas qua!” do seu Geraldo.