sexta-feira, 25 de junho de 2010

Latinha para Tio Vicente

Eu devia ter uns 14 e Dirceu, meu primo, uns 15 anos. Era aquela idade que os rapazes tem um único pensamento: mulher. Minha namoradinha se chamava Jussara e a dele Lucy. Apesar de sermos apaixonados, elas eram muito bonitinhas, vivíamos galinhando. Chegaram em Corumbá duas irmãs campo-grandenses, Andrea e Rose. Começamos a dar em cima nos intervalos do namoro principal. Deixávamos as namoradas em casa e saíamos atrás das campo-grandenses.
Era complicado pois a cidade era muito pequena e não podíamos dar mole ou ficavam sabendo. Como a coisa estava fácil, marcamos de ir a Campo Grande para vê-las. Tínhamos que ter uma história para as namoradas. Iríamos comprar um caminhão para a empresa. Não teriam argumentos para nos impedir, além do que nos dava um ar de importância. Tão novos e já trabalhando e com tanta responsabilidade. Tudo acertado, iríamos embarcar no trem noturno que saía as 20:00 de Corumbá, passaríamos dois dias em Campo Grande, achávamos que era o tempo necessário para faturar as duas, e voltaríamos. Despedimos das namoradas e até rolou umas lágrimas, mas rebatemos que dois dias passavam muito rápido. Não imaginávamos que seriam os dois dias mais longos de nossas vidas. Jantei e fui pegar o Dirceu, e chegando lá veio a surpresa. A porra do Dirceu, na hora de pegar o dinheiro para a viagem fez uma mal criação para o tio Vicente e ele cancelou a viagem.
E agora meu? Todas as mentiras de comprar caminhão, de sermos adultos resolvermos negócios importantes, e agora titio não deixando o Dirceu ir nos reduziu a dois moleques. Resolvemos nos internar em casa por dois dias e iríamos, para elas, para Campo Grande. Ficamos no quintal de tia Dirce furando lata para tio Vicente plantar ata. Pegávamos a latinha e fazíamos um monte de furinhos no fundo com prego e martelo. A noite do primeiro dia, lembramos que ficamos de ligar para elas de Campo Grande. O interurbano era feito através de telefonista, então pegamos a Emilinha, irmã de Dirceu , para fazer ligação. As duas estariam na casa da Lucy. A Emilinha chamou e falou:
- Alô, interurbano para a senhora Lucy do senhor Dirceu. Posso completar?
Isso com lenço sobre o bocal para não reconhecerem a voz. Com a confirmação, o Dirceu começa com o papo de estar com saudades, mas que amanhã estava voltando, e eu falando para ele dizer que já estávamos embarcando. Porque prolongar mais um dia a agonia. Ele tampando o bocal com a mão me fala:
-Não terminamos de furar as latas.
Quase bati nele.
Quando ele passou o telefone pra eu falar com a Jussara eu dei o segundo fora e perguntei como estava o tempo. Ela respondeu que estava ótimo e queria saber como estava em Campo Grande. Respondi sem pensar:
- Nem imagino.
Branqueei na hora e falei que passamos o dia todo trancado em um escritório e nem saí para ver o tempo, isso gaguejando mais do que qualquer gaguinho de nascença e com o besta do Dirceu me chamando de burro. Saída pela tangente.
No segundo dia de clausura, as meninas passaram em frente da casa de tia Dirce e nós trepados no muro só olhando escondidos para elas, e o Dirceu conclui:
- Isso é pra gente aprender que é melhor um pássaro na mão do que dois voando.
Respondi:
- Podia ter os dois pássaros na mão se seu pai não fosse viado.
No que ele concordou plenamente.
No fim nunca mais vimos a Rose nem a Andrea, e a Jussara e a Luci nunca ficaram sabendo que não fomos a Campo Grande.

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