segunda-feira, 7 de junho de 2010

Simplicinho

Não podia ter nome mais adequado para ele do que Simplício, se é que o significado do mesmo é simplicidade. O pessoal o trata por Simplicinho, pois Simplício era o pai. Quando comprei Piratininga ele já trabalhava lá. Quando falei para o João Vitor que ele tinha que me entregar a fazenda sem nenhum empregado por causa dos problemas trabalhistas ele me falou:
- Tem um que eu não posso dispensar. Ele nasceu aqui e nunca saiu para lugar nenhum. É orelha de tudo.
Uma res orelha é aquela que não tem sinal na orelha que identifica a sua origem, normalmente nunca viu gente, muito menos passou num brete. Quando o pantaneiro usa esse termo para uma pessoa, quer dizer que não tem documento nem nada. Quando conheci o Simplício, aceitei as condições de imediato. Ele não era corumbaense, nem mato-grossense, nem mesmo brasileiro. Ele era Piratininguense.
Depois conseguimos assinalar ele. Tirou carteira de identidade, título de eleitor e carteira de trabalho. Quando ele veio para a cidade pela primeira vez, tivemos que colocar um companheiro acompanhando e ensinando tudo a ele, desde atravessar rua até pagar as suas contas. Depois de algum tempo ele já estava prático, apesar de não ler nem escrever. Chegava no escritório com um papelzinho em cada bolso e pedia a Beá para separar o dinheiro de acordo com o escrito. Bolso direito da calça era a pensão, esquerdo o restaurante, direito da camisa num sei o que da loja tal que ele ia comprar e da esquerda ele não podia contar. Ele era solteiro e dava para imaginar.
Ele era campeiro, mas quando seu Geraldo saiu ele ficou de praieiro em seu lugar. Resolveu fazer uma limpeza geral e a primeira coisa que fez foi cortar um galho da mangueira que, segundo ele, estava "debruçada por cima da casa e com perigo de numa ventania quebrar e fazer um puta estrago". Depois fiquei sabendo da façanha contada por ele. Ele arrumou uma escada de 7 metros, encostou no galho, tomando o cuidado de firmar na parte que ia ficar, que ele não era nenhuma besta de encostar na parte que ia cair. Isso era coisa de Heslivelto, o praieiro que estava antes do Seu Geraldo, e que além de quebrar a bunda quebrou também o “motor serra”. Para garantir, amarrou a escada com uma corda no galho, pois “ela tava muito na pontinha”. Subiu com a moto serra e cortou o galho. Quando aliviou o peso, a parte que estava a escada amarrada subiu com ele junto.
"Fiquei dependurado naquele “gaio” com uma mão abraçada no pau, um pé na escada e o motor na outra mão. Não confiava no amarrado da escada e não tinha como descer por ela pois balançava muito. Fiquei a manhã toda esperando socorro".
Quando o pessoal chegou do campo e escutou aquele pedido de socorro, demorou para entender a engenharia do Simplicinho, pois a escada estava a mais de metro do chão. Quando conseguiram descê-lo ele falou todo garboso:
- O homem me recomendou tanto essa “motor serra”, que se fosse preciso ia ficar o dia todo pendurado naquele pau, mas não ia largar essa bichona nunca.
Outra dele foi quando, pra me agradar, resolveu lavar minha Toyota zero bala, e no capricho passou bucha nela toda. Riscou a bicha inteirinha. Só não matei porque era o Simplicinho. Recomendei o “motor serra”, mas esqueci da Toyota.

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