segunda-feira, 21 de junho de 2010

Marcio

O Marcio é uma pessoa que já deixou seu nome gravado na história da Ema apesar de ainda continuar trabalhando com a gente. Ele foi gerente de produção da área de cria e hoje tem uma empresa, a MELHORE ANIMAL, que nos dá assessoria. Ele é uma pessoa de sucesso porque consegue fazer a obrigação com devoção, ou seja, ele trabalha por puro prazer. O cara é viciado em gado. Qualquer outra coisa é conseqüência.
Às vezes passávamos dias no mangueiro, desde o clarear até o anoitecer, eu, ele, Zé Mauro e a peonada. Chegando na sede, tomávamos banho e enquanto a janta não saia, ficávamos tomando uma cervejinha e jogando conversa fora. Isso eu e o Zé, porque o Marcio sintonizava a TV no canal do boi e ficava acompanhando os leilões, com uma orelha na conversa e outra na TV. Quando chegava a hora da novela e o Zé via que ia continuar leilão, falava o "mas qua" dele e tocava pra casa do capataz.
E tem outra característica importante no Marcio. Ele acredita na capacidade das pessoas. Me lembro quando ele começou a ensinar anatomia das vacas, a cara assustada dos peões. O nome técnico era usado direto por ele. Não tinha perigo de ele falar precheca ou peça da vaca, era vulva. Verga do touro era pênis e por aí afora. Até quis criticá-lo uma vez dizendo que ele tinha que usar o linguajar dos peões e ele ficou meia hora me explicando que formaria inseminadores e pessoas que fariam as coisas necessárias com consciência e o início era por aí. Não demorou muito e já começaram a sobressair os peões mais novos e nas conversas com ele eu ficava besta de ver como eles aprendiam rápido. Falavam em trompas, corpo cavernoso e, às vezes, até eu chegava a ficar por fora das conversas. Endometrite e outras doenças animais era tratado com uma naturalidade inconcebível alguns meses antes por pessoas que falavam pelamonia (pneumonia), figo (fígado), estamo (estômago) e por ai a fora.
Ante dele entrar na Ema, nossa preocupação era de povoar as fazendas. Não tinham matrizes boas para comprar. Os fazendeiros só vendiam vacas velhas e novilhas de refugo. Adquiríamos qualquer coisa que tivesse útero e estivesse em idade de reprodução. Quando ele entrou, traçamos um plano de melhoramento genético com selecionamento. No primeiro trabalho de gado, onde 100 % do rebanho é passado no brete para ser vacinado, mandamos fazer três marcas que ajudariam a selecionar as vacas. Como a característica mais importante era a fertilidade não descartaríamos nenhuma vaca sem que a mesma tivesse oportunidade de mostrar que era boa parideira. Então as vacas boas recebiam o carimbo A na anca, as mais ou menos o B e as piores o C. No próximo ano, as C's vazias seriam descartadas, as B's receberiam o carimbo C do lado, e não poderiam falhar mais e as A's receberiam o carimbo B e teriam ainda mais uma chance. As vacas C descartadas iam para engorda e eram substituídas por novilhas. Paralelamente a isso, trocamos a tourada ruim por touros de procedência e controlados e o rebanho foi mudando ano a ano. Montamos o núcleo Ema, selecionando as melhores vacas do rebanho e comprando outras de criadores conhecidos em leilões de matrizes, onde começamos a selecionar primeiramente as fêmeas que viriam a ser futuras matrizes de touros nossos. Era plano de longo prazo mas que funcionou muito bem. Hoje produzimos 100% dos nossos touros e ainda vendemos os excedentes. Estamos começando a fazer transferência de embrião na Fazenda Primavera e temos um programa de IATF, inseminação artificial em tempo fixo, em 100% das vacas paridas, aumentando a reconcepção das mesmas de 25% para mais de 50%. Lógico que tudo isso com ótimos músicos, como José Francisco no Paiaguás, meu filho Daniel e outros capatazes e gerentes, mas tudo orquestrado pelo Dr. Marcio.
Mas apesar desse perfil de sério o Marcio é um cara muito engraçado. Ele estava terminando seu doutorado em melhoramento genético e me contou um acontecido, quando em uma das aulas de estatística, onde muito engenheiro flutua, ele com uma dificuldade tremenda em equacionar os problemas que envolviam cálculos matriciais, perguntou a um colega do lado se ele sabia o que era matriz invertida.
O cara olhou pra ele e respondeu meio perguntando:
- Uma vaca de cabeça pra baixo?
Ele ficou contente de ver que por essa fase ele já tinha passado.
Em uma outra ocasião, estávamos começando um dos primeiros trabalhos de gado e ele ficou uma hora conversando com todos que participariam, explicando a importância da vacina bem aplicada, da troca freqüente de agulhas para não disseminar nenhuma doença, e outros detalhes. Tinha um retireiro chamado Baiano que não parava de falar e já estava atrapalhando o andamento da vacinação e eu fiquei aguardando as providências do Dr. Marcio. Lá pelas tantas, ele já nervoso, terminando uma embretada falou:
-Baiano, você fala muito cara. Esta distraindo o pessoal e deixando o gado nervoso. Até quando você vai falar?
Quando o Baiano, na maior das naturalidades respondeu:
- "Dotor", mais 15 minutos. Aí acaba tudo que sei e nunca mais o senhor vai escutar minha voz a não ser para responder as suas perguntas.
O Marcio fez uma pausa de 15 minutos para o tereré e deixaram o Baiano falando. Recomeçaram o trabalho e cada vez que o Baiano abria a boca, o Marcio, prontamente falava:
- Baiano, perguntei alguma coisa?
Todo mundo dava risada e continuávamos o trabalho tranquilo.
Ele conquista todo mundo com sua competência. Somos muito grato ao Marcio.

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