O Marcio é uma pessoa que já deixou seu nome gravado na história da Ema apesar de ainda continuar trabalhando com a gente. Ele foi gerente de produção da área de cria e hoje tem uma empresa, a MELHORE ANIMAL, que nos dá assessoria. Ele é uma pessoa de sucesso porque consegue fazer a obrigação com devoção, ou seja, ele trabalha por puro prazer. O cara é viciado em gado. Qualquer outra coisa é conseqüência.
Às vezes passávamos dias no mangueiro, desde o clarear até o anoitecer, eu, ele, Zé Mauro e a peonada. Chegando na sede, tomávamos banho e enquanto a janta não saia, ficávamos tomando uma cervejinha e jogando conversa fora. Isso eu e o Zé, porque o Marcio sintonizava a TV no canal do boi e ficava acompanhando os leilões, com uma orelha na conversa e outra na TV. Quando chegava a hora da novela e o Zé via que ia continuar leilão, falava o "mas qua" dele e tocava pra casa do capataz.
E tem outra característica importante no Marcio. Ele acredita na capacidade das pessoas. Me lembro quando ele começou a ensinar anatomia das vacas, a cara assustada dos peões. O nome técnico era usado direto por ele. Não tinha perigo de ele falar precheca ou peça da vaca, era vulva. Verga do touro era pênis e por aí afora. Até quis criticá-lo uma vez dizendo que ele tinha que usar o linguajar dos peões e ele ficou meia hora me explicando que formaria inseminadores e pessoas que fariam as coisas necessárias com consciência e o início era por aí. Não demorou muito e já começaram a sobressair os peões mais novos e nas conversas com ele eu ficava besta de ver como eles aprendiam rápido. Falavam em trompas, corpo cavernoso e, às vezes, até eu chegava a ficar por fora das conversas. Endometrite e outras doenças animais era tratado com uma naturalidade inconcebível alguns meses antes por pessoas que falavam pelamonia (pneumonia), figo (fígado), estamo (estômago) e por ai a fora.
Ante dele entrar na Ema, nossa preocupação era de povoar as fazendas. Não tinham matrizes boas para comprar. Os fazendeiros só vendiam vacas velhas e novilhas de refugo. Adquiríamos qualquer coisa que tivesse útero e estivesse em idade de reprodução. Quando ele entrou, traçamos um plano de melhoramento genético com selecionamento. No primeiro trabalho de gado, onde 100 % do rebanho é passado no brete para ser vacinado, mandamos fazer três marcas que ajudariam a selecionar as vacas. Como a característica mais importante era a fertilidade não descartaríamos nenhuma vaca sem que a mesma tivesse oportunidade de mostrar que era boa parideira. Então as vacas boas recebiam o carimbo A na anca, as mais ou menos o B e as piores o C. No próximo ano, as C's vazias seriam descartadas, as B's receberiam o carimbo C do lado, e não poderiam falhar mais e as A's receberiam o carimbo B e teriam ainda mais uma chance. As vacas C descartadas iam para engorda e eram substituídas por novilhas. Paralelamente a isso, trocamos a tourada ruim por touros de procedência e controlados e o rebanho foi mudando ano a ano. Montamos o núcleo Ema, selecionando as melhores vacas do rebanho e comprando outras de criadores conhecidos em leilões de matrizes, onde começamos a selecionar primeiramente as fêmeas que viriam a ser futuras matrizes de touros nossos. Era plano de longo prazo mas que funcionou muito bem. Hoje produzimos 100% dos nossos touros e ainda vendemos os excedentes. Estamos começando a fazer transferência de embrião na Fazenda Primavera e temos um programa de IATF, inseminação artificial em tempo fixo, em 100% das vacas paridas, aumentando a reconcepção das mesmas de 25% para mais de 50%. Lógico que tudo isso com ótimos músicos, como José Francisco no Paiaguás, meu filho Daniel e outros capatazes e gerentes, mas tudo orquestrado pelo Dr. Marcio.
Mas apesar desse perfil de sério o Marcio é um cara muito engraçado. Ele estava terminando seu doutorado em melhoramento genético e me contou um acontecido, quando em uma das aulas de estatística, onde muito engenheiro flutua, ele com uma dificuldade tremenda em equacionar os problemas que envolviam cálculos matriciais, perguntou a um colega do lado se ele sabia o que era matriz invertida.
O cara olhou pra ele e respondeu meio perguntando:
- Uma vaca de cabeça pra baixo?
Ele ficou contente de ver que por essa fase ele já tinha passado.
-Baiano, você fala muito cara. Esta distraindo o pessoal e deixando o gado nervoso. Até quando você vai falar?
Quando o Baiano, na maior das naturalidades respondeu:
- "Dotor", mais 15 minutos. Aí acaba tudo que sei e nunca mais o senhor vai escutar minha voz a não ser para responder as suas perguntas.
O Marcio fez uma pausa de 15 minutos para o tereré e deixaram o Baiano falando. Recomeçaram o trabalho e cada vez que o Baiano abria a boca, o Marcio, prontamente falava:
- Baiano, perguntei alguma coisa?
Todo mundo dava risada e continuávamos o trabalho tranquilo.
Ele conquista todo mundo com sua competência. Somos muito grato ao Marcio.
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