segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Pequenas confusões

Ele era meu melhor amigo e ainda irmão mais velho de minha namorada. Cara boa pinta começou a querer namorar a filha do almirante da marinha baseado aqui em Corumbá, uma morena por demais de bonita.
Quando começou a paquera entre os dois, junto vieram as recomendações dos pais dele, de que se lembrasse que ela era uma moça fina, e que ele se portasse sempre como um cavalheiro, etc, etc.
As coisas iam bem e às vezes saíamos juntos. Além de boa companhia, ele servia de vela. É, vela mesmo, aquela figura que acompanha os namorados, que naquela época não podiam sair sozinhos. Eu tinha o irmão, ou todas as outras 3 irmãs, que aí já era um candelabro mesmo sendo todas muito simpáticas. Mas voltemos a saída com o casal recém emplacado.


Estávamos passeando no meu carro, e escutando a conversa dos dois atrás e não dava para ficar sem dar risadas. Eram muito diferentes. Enquanto ela era super viajada e gostava de filosofia, ele estava começando a cuidar das fazendas dos pais e estava pegando aquele palavreado de peão pantaneiro. Resumindo, ela estava bebendo champanhe e ele pinga, ela comendo foie gras e ele carreteiro, e o mais importante, com muito orgulho e sem a menor chance de achar que tinha vida melhor do que essa. Mas estavam se entrosando, às vezes as diferenças se atraem mais que as semelhanças. O passeio foi engraçado e inesquecível. Lembro dele contar como teve o seu chapéu novinho, de não sei quantos mil cruzeiros, totalmente destruído por seu cavalo:

- Era um alazão, redomão ainda, e quando quis dar uma negada comigo, cheguei a espora por baixo e o chicote por cima. O bicho pulava alto e corcoveava de um tanto que nem dançar tango era tão difícil como acompanhar o lombo daquele bicho endiabrado. Quanto mais ele pulava mais eu chegava a espora e o reio nele. Era a hora de definir quem mandava em quem ali. Foi quando caiu meu chapéu, Panamá novinho, comprado na Bolívia, daqueles de aba larga e engomado, que fica no formato que você quer. Parece que a "porra" (demos uma arrepiada na "porra") do cavalo, vendo que não conseguia me derrubar, resolveu se vingar no chapéu. Tinha recém chovido e estava aquela laminha, e o chapéu ficou embaixo e parecia que ele me falava: “Não tiro você das minhas costas, mas olhe o que faço com seu chapéu.” E pulava só em cima do panamá , que foi de retorcendo todo e de branco não tinha nem o lado de dentro mais.

Todos deram muitas risadas, quando a minha namorada começou a fazer perguntas a sua cunhada, para ver se ele deixava ela falar um pouco. Ela foi de soltando e dizendo que já tinha estado em Paris, a cidade luz, em Londres, a cidade séria, tudo muito britânico, a Holanda, que flores maravilhosas, Alemanha, com sua organização impecável. Nós todos, que nunca tínhamos saído do Brasil na época, ficamos encantados, mas ao mesmo tempo meio sem assunto. Quando alguém falou sobre as dificuldades de comunicação para ver de dava corda a conversa, ela resolveu dar uma esnobada dizendo que falava varias línguas, mas o inglês, francês e espanhol, fluentemente. Foi quando veio a pérola e o cunhado olhou para ela e falou:


- Minha nossa, então você é uma troglodita.


Só paramos de rir quando a deixamos em casa, e o pior, ela era quem mais ria.
Não precisou mais que isso para tornar aquele passeio inesquecível, isso há 40 anos atrás.

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