quinta-feira, 3 de junho de 2010

A Caçada

Quando morávamos em Taubaté todas as férias passávamos em Corumbá. Uma parte na cidade e outra na fazenda, onde o principal programa era a caçada ao porco. Naquela época não existia essa pscicada de agora em que tudo é crime ecológico. Os pantaneiros cuidam bem desse nosso pantanal. Lógico que, como tudo na vida, existem as exceções.
Os porcos do mato que caçávamos eram os capados. Os peões quando saiam para salgar cocho ou reunir o gado para cobertura, se viam uma porca com cria, corriam atrás, pegavam um, normalmente o mais lerdo que ficava por último, castrava, cortava o rabo, assinalava a orelha e soltava. Passado um ano o bichinho estava redondo de gordo. Com isso era feito uma seleção natural, onde os mais rápidos conseguiam fugir e se procriar. Quando saíamos para caçar eram somente esses que abatíamos. Era fácil identificá-los pois eram os mais ariscos, já tinham tido o primeiro contato físico com o ser humano e não gostaram muito pois tinham perdido suas pelotas, eram os primeiros a começar correr, e também os que corriam menos pois pelo fato de estarem castrados eram os mais gordos.
Contávamos para todos sobre essas caçadas e o pai da Maria Tereza, um paulistano de São Bento do Sapucaí, ficou muito interessado em participar. Quando já estávamos morando aqui em Corumbá, ele veio nos visitar e conhecer o pantanal, com a esposa e a Maria Teresa. Foi quando fiz a caçada de porco mais engraçada da minha vida. Estava também um outro grande amigo meu, o Marcelo Pimenta. No dia da caçada fizemos a reunião com os participantes e explicamos os procedimentos para nada sair errado:
Iríamos em uma Toyota Bandeirantes. O motorista seria meu cunhado, Cauto, que era prático e conhecia bem a fazenda. Na cabine o pessoal que iria só assistir e na carroceria os atiradores, que poderiam ser no máximo três. O do meio só atiraria para frente. Os das pontas cobririam cada um o seu lado. Eram 3 armas: uma espingarda winchester 22, um revolver 38 Rossi e uma pistola 7.65 taurus. O seu Luiz escolheu a espingarda, apesar de meu conselho que fosse com o revólver, mas ele me garantiu que entendia de espingarda. Dei o 38 para o Marcelo e fiquei com a 7.65.
Era por volta das 4:30 quando saímos. Era o horário do porco. Na carroceria da caminhonete tinha o Santo Antonio, que era uma barra de cano de duas polegadas perto da cabine para que pudéssemos segurar na hora da corrida. Seu Luiz se posicionou no meio e tinha colocado uma tira de couro na espingarda para poder carregá-la nos ombros. A ultima recomendação foi para que não cruzássemos as armas. O da esquerda só atiraria quando o porco estivesse pra esquerda e assim por diante. Saímos e matamos o porco.
O engraçado foi a maneira como seu Luiz narrou a caçada pra todos, a noite, após a janta. Ele tem aquele sotaque arrastado do interior de São Paulo. Quando perguntado sobre o que tinha achado ele disse:
- “Rapaz, foi a coisa mais doida que fiz na vida. Quando subi na caminhonete fiquei imaginando como podia apoiar a arma no Santo Antonio para poder fazer a mira. Quando o Tadeu falou olha o porco ali e eu pensei em tirar a espingarda das costas, o Cauto deu a acelerada, e se não grudo no Santo Antonio a caçada ia acabar ali. Juntei com as duas mãos naquele ferro e passei o braço esquerdo por baixo e o direito por cima, me enrolei naquele cano que nem uma sucuri e jurei que não largava dali por nada. Não tinha como sacar a arma. Na hora que o motorista chegou perto do porco o tiroteio começou. O revólver do Marcelo fazia um barulhão e a pistola do Tadeu dava um monte de tiros e pulava uns negócios quentes pra burro, que depois fiquei sabendo que eram as cápsulas que a pistola ia cuspindo, e se eu não estava na linha de tiro, estava na linha das cápsulas. Elas batiam no meu peito e davam uma queimadinha. Aí eu passava o dedo da mão que estava por baixo do Santo Antonio no lugar da queimada e olhava pra ver se não estava sangrando e ter certeza que não tinha sido atingido por um tiro. A regra de não cruzar armas não foi atendida. O Marcelo atirava pra tudo quanto é lado. Quando a caminhoneta parou, frouxei os dedos do santo Antonio, que estavam brancos que nem cera devido a pressão que eu fazia para não despencar lá de cima e consegui tirar a espingarda do ombro, botar uma bala na agulha e fui procurar onde estava o porco. Ia dar um tiro certeiro nele. Todos já tinham descidos da caminhoneta e quando olhei para o lado, estava lá o porco, mundo de porco, olhando para mim. Só a cabeça, o corpo já tinha sido separado, as tripas retiradas sem que eu desse um único tiro e achando que tomei uns 10. Mas gostei."
Ele contava isso e nos rachávamos de rir. Cada um que chegava e não tinha escutado a história todo mundo pedia:
- Conta pra ele aí Seu Luiz, só para poder escutar de novo.
Nos já tínhamos motivos para gostar dele mesmo sem conhecê-lo, já que era o pai da Tereza, mas aquele caipira paulista não precisou usar dessa qualidade para fazer todo mundo se apaixonar por ele. Grande cara o Seu Luiz.
Ficamos muito feliz de ter notícias dele agora recentemente. Acho que ele não vai ficar chateado de colocar a foto dele aqui nas minhas memórias. Olha a pinta do casal e imagine esse “véio” aí em cima de uma caminhonete pulando para entenderem a graça da caçada...

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