Logo que cheguei em definitivo em Corumbá e comecei a trabalhar na Marinho Trading, empresa da família, minha primeira missão foi acompanhar o presidente da Osram numa visita a Bolívia. O homem era um alemão legítimo e queria conhecer o mercado. Queríamos ser representantes de sua empresa e precisava mostrar a ele que tínhamos influencia na Bolívia.
Ele tinha uma semana para conhecer o mercado de Santa Cruz, nossa empresa, nosso modus operandi, os costumes bolivianos, etc, etc, etc. De cara, estabeleceu que queria fazer de trem o percurso Corumbá-Santa Cruz. Quando me falaram isso, comecei a entender o porquê de me escolherem para tão importante missão. Tontonio não era besta. Para completar ele vinha com a esposa. Nossa comitiva foi formada pelo casal de alemães, Till e Erika, meu primo e sócio Ivan e a esposa Miriam, Bea e eu.
Tinham dois trens que faziam a linha Corumbá - Sta. Cruz. A litorina, que era uma máquina puxando dois vagões, cada um com uns 80 passageiros e um único banheiro e o trem da morte, que era uma locomotiva puxando uns 20 vagões com 1600 pessoas dentro e outro tanto por cima, no teto. A litorina demorava 18 horas e o trem da morte não tinha tempo definido. Optamos pela litorina. Os trilhos tinham umas emendas entre eles que cada roda que passava era um risco de descarrilhar. Numa conta simples, cada trilho tinha 12 m, o percurso, 600 km ou seja 600.000m o que dava 50.000 trilhos..., de cada lado. Cada vagão tinha umas 16 rodas, 2 vagões, 32, mais oito da máquina, 40 rodas passando em 100.000 emendas, dava 4.000.000 possibilidade de descarrilhamento. Era a quase certeza absoluta que nos estávamos fudidos. E para completar a teoria, os trens viviam descarrilhando, e maquinista era uma das profissões mais bem pagas pois a velocidade, nas curvas, tinha que ser diminuída, pois caso contrário o acidente era certo.
O alemão não sabia disso, nem tampouco do único banheiro para todo aquele pessoal. Com uma hora de viagem já era impossível entrar nele, tanto pelos obstáculos naturais, como pelo cheiro. Assim que acabava a água e enchia o vaso, o mesmo era interditado. Como o trem parava de meia em meia hora, a solução era o mato. Para os homens e mulheres como Bea e Miriam, acostumadas a viajar nesse pantanal de toyota ou caminhão, fazer xixi na moita não era problema. Já a alemã... depois de 10 horas de viagem e ela não acompanhar as mulheres em nenhuma das incursões ao mato, começamos a ficar preocupados. Ela já não tomava água para não aumentar o volume. Além do risco de paralisar os rins tinha o da desidratação. Mijar nas calças era o de menos. Rir, nem pensar. Apesar de ser super divertida, nos proibiu de falar qualquer coisa engraçada. Com 15 horas de viagem, tentou ir no mato mas quando viu a quantidade de gente descendo, mulheres de um lado e homens de outro, desistiu. Após 16 horas, queria pedir para desinterditarem o banheiro..., sem sucesso. Quando chegamos a Santa Cruz, podia jurar que via o nível da urina no branco de seus olhos. Ela não falava, não ria, respirar, só o mínimo necessário. Foi ao banheiro da estação, achando que podia ser diferente, e nada. "Já aguentei até aqui, chego no hotel". Tinha que ser uma alemã, nunca vi um controle maior do que aquele. Na chegada do hotel Las Palmas, de brincadeira, a convidamos para tomar uma paçenha, uma cerveja boliviana deliciosa, não recebida com a devida esportividade, mas sua educação impecável a impediu de nos mandar a merda. Conseguiu chegar ao banheiro, fato comemorado por todos.
A estadia foi super proveitosa e conseguimos convencer o alemão de que éramos competentes para representar a sua empresa na Bolívia. Fizemos uma festa no hotel onde convidamos todos os comerciantes de material elétrico da Santa Cruz e os apresentamos ao Till. Tinha até Mariachos, aquelas bandas mexicanas e típicas da região. Teve até discurso, e o Ivan, que não pode ver um microfone, já o usou para dar as boas vindas a todos, enaltecendo os comerciantes bolivianos e dizendo que trouxe o presidente da Osram alemã para eles conhecerem. Grande sacada. Deixou todos se sentindo super importantes. O Till já totalmente enturmado, depois de uma dúzia de paçenha, até cantou em alemão para todos. Na visita ao mercado, a GE dominava totalmente. Era 90% Ge, 8% Philips e 2% o resto. Tínhamos uma empreitada muito difícil pela frente. Pegamos a representação e um ano depois a Osram já era a líder de mercado. Papai com Tontonio eram incríveis, e entendiam muito do mercado boliviano. Comprávamos Ge também e no começo, as bonificações para qualquer produto eram lâmpadas Osram, inclusive para quem comprava GE. Os preços iniciais eram muito mais baixos e, à medida que os bolivianos foram se acostumando, foram subindo até deixar quase equilibrados. Além de se tornar um dos nossos principais fornecedores, os alemães ficaram nossos amigos e mantemos contato até hoje. O Till já se aposentou, voltou para Alemanha, mas não teve nenhuma vez que veio ao Brasil e não nos visitou. Pelo menos que eu saiba.
Bons tempos.
Ele tinha uma semana para conhecer o mercado de Santa Cruz, nossa empresa, nosso modus operandi, os costumes bolivianos, etc, etc, etc. De cara, estabeleceu que queria fazer de trem o percurso Corumbá-Santa Cruz. Quando me falaram isso, comecei a entender o porquê de me escolherem para tão importante missão. Tontonio não era besta. Para completar ele vinha com a esposa. Nossa comitiva foi formada pelo casal de alemães, Till e Erika, meu primo e sócio Ivan e a esposa Miriam, Bea e eu.
Tinham dois trens que faziam a linha Corumbá - Sta. Cruz. A litorina, que era uma máquina puxando dois vagões, cada um com uns 80 passageiros e um único banheiro e o trem da morte, que era uma locomotiva puxando uns 20 vagões com 1600 pessoas dentro e outro tanto por cima, no teto. A litorina demorava 18 horas e o trem da morte não tinha tempo definido. Optamos pela litorina. Os trilhos tinham umas emendas entre eles que cada roda que passava era um risco de descarrilhar. Numa conta simples, cada trilho tinha 12 m, o percurso, 600 km ou seja 600.000m o que dava 50.000 trilhos..., de cada lado. Cada vagão tinha umas 16 rodas, 2 vagões, 32, mais oito da máquina, 40 rodas passando em 100.000 emendas, dava 4.000.000 possibilidade de descarrilhamento. Era a quase certeza absoluta que nos estávamos fudidos. E para completar a teoria, os trens viviam descarrilhando, e maquinista era uma das profissões mais bem pagas pois a velocidade, nas curvas, tinha que ser diminuída, pois caso contrário o acidente era certo.
O alemão não sabia disso, nem tampouco do único banheiro para todo aquele pessoal. Com uma hora de viagem já era impossível entrar nele, tanto pelos obstáculos naturais, como pelo cheiro. Assim que acabava a água e enchia o vaso, o mesmo era interditado. Como o trem parava de meia em meia hora, a solução era o mato. Para os homens e mulheres como Bea e Miriam, acostumadas a viajar nesse pantanal de toyota ou caminhão, fazer xixi na moita não era problema. Já a alemã... depois de 10 horas de viagem e ela não acompanhar as mulheres em nenhuma das incursões ao mato, começamos a ficar preocupados. Ela já não tomava água para não aumentar o volume. Além do risco de paralisar os rins tinha o da desidratação. Mijar nas calças era o de menos. Rir, nem pensar. Apesar de ser super divertida, nos proibiu de falar qualquer coisa engraçada. Com 15 horas de viagem, tentou ir no mato mas quando viu a quantidade de gente descendo, mulheres de um lado e homens de outro, desistiu. Após 16 horas, queria pedir para desinterditarem o banheiro..., sem sucesso. Quando chegamos a Santa Cruz, podia jurar que via o nível da urina no branco de seus olhos. Ela não falava, não ria, respirar, só o mínimo necessário. Foi ao banheiro da estação, achando que podia ser diferente, e nada. "Já aguentei até aqui, chego no hotel". Tinha que ser uma alemã, nunca vi um controle maior do que aquele. Na chegada do hotel Las Palmas, de brincadeira, a convidamos para tomar uma paçenha, uma cerveja boliviana deliciosa, não recebida com a devida esportividade, mas sua educação impecável a impediu de nos mandar a merda. Conseguiu chegar ao banheiro, fato comemorado por todos.
A estadia foi super proveitosa e conseguimos convencer o alemão de que éramos competentes para representar a sua empresa na Bolívia. Fizemos uma festa no hotel onde convidamos todos os comerciantes de material elétrico da Santa Cruz e os apresentamos ao Till. Tinha até Mariachos, aquelas bandas mexicanas e típicas da região. Teve até discurso, e o Ivan, que não pode ver um microfone, já o usou para dar as boas vindas a todos, enaltecendo os comerciantes bolivianos e dizendo que trouxe o presidente da Osram alemã para eles conhecerem. Grande sacada. Deixou todos se sentindo super importantes. O Till já totalmente enturmado, depois de uma dúzia de paçenha, até cantou em alemão para todos. Na visita ao mercado, a GE dominava totalmente. Era 90% Ge, 8% Philips e 2% o resto. Tínhamos uma empreitada muito difícil pela frente. Pegamos a representação e um ano depois a Osram já era a líder de mercado. Papai com Tontonio eram incríveis, e entendiam muito do mercado boliviano. Comprávamos Ge também e no começo, as bonificações para qualquer produto eram lâmpadas Osram, inclusive para quem comprava GE. Os preços iniciais eram muito mais baixos e, à medida que os bolivianos foram se acostumando, foram subindo até deixar quase equilibrados. Além de se tornar um dos nossos principais fornecedores, os alemães ficaram nossos amigos e mantemos contato até hoje. O Till já se aposentou, voltou para Alemanha, mas não teve nenhuma vez que veio ao Brasil e não nos visitou. Pelo menos que eu saiba.
Bons tempos.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirVoce se esqueceu da volta?
ResponderExcluirVale um novo post.......