sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Zé Mauro

O pantanal mato-grossense é a maior planície alagável do mundo. Ao fundar qualquer fazenda aqui, uma das primeiras coisas a ser construída é a pista de pouso. Você vai precisar dela para os acessos durante a cheia e também os de emergência. Praticamente toda fazenda tem uma, e operam-se nos mais diferentes tipos, curtas, com cabeceiras altas, pesadas de areia, irregulares, com lombadas ou depressão no meio e por aí vai. A segurança está em se ter uma boa aeronave e um bom piloto. Nosso primeiro avião foi o PT-DMI, era um sky lane 182, de 4 lugares igual ao de "Cadê Corumbá?", que em 1968 me deixou sem gasolina. Era um avião velho que reformamos inteiro, célula e motor. Resolvemos trocá-lo por um maior e compramos o PT-OVX, um monomotor, cessna também, mas de 6 lugares e semi novo, que importamos dos EUA. É a aeronave para o pantanal, trem fixo, asa alta, 300 cv de potencia, razão de planeio igual a de avião pequeno, uma Brastemp, para nós aqui não existe avião melhor. Quando um bi motor tem uma pane em dos motores, com o outro você vai embora. O problema desses bi motores é que eles precisam de muito mais pista e por terem trem retrátil precisam que o piso seja bom, o que não é o caso da maioria das fazendas.

Zé Mauro é nosso piloto e costuma dizer que melhor que nosso avião só helicóptero, mas que sendo mono motor, já esta em pane desde a decolagem. Parou não tem mais jeito e a única alternativa é terra. E nesse momento a sua vida esta nas mãos do comandante. Se o nego for bom você tem muitas chances pois esse nosso pantanal tem muitas pistas naturais. Ser bom é ter braço, ou seja, total controle sobre a máquina, conhecimento que é saber exatamente onde você está a todo o momento e conhecer todas as pistas próximas e sangue frio que é para não se apavorar na hora H. Zé Mauro reúne todas essas qualidades e com sobra.

Bom de braço ele mostra a cada pouso, é só manteiguinha, como dizemos aqui, e você nem sente a hora em que as rodas tocam a pista. Conhecimento deste pantanal também tem de sobra. Fomos ferrar um gado que eu tinha comprado na fazenda Tapera, vizinha a uma que arrendávamos, e o proprietário, que também é piloto, quando o viu fez a maior festa e me contou este caso. Ele estava vindo de Campo Grande para a Tapera e se perdeu no caminho e como já estava escurecendo chamou pelo rádio do avião algum colega que estivesse voando pela área e me detalhou o dialogo mais estranho que procuro transcrever abaixo:
- Vamos ver algum companheiro de freqüência é o Pt-XYZ. Estou perdido de Campo Grande para fazenda Tapera precisando de ajuda.
- Positivo companheiro. Me informe sua posição.
- Negativo companheiro, aí está o problema. Nem imagino onde estou. Já dei tanta volta que estou completamente perdido.
- Okapa companheiro. Me informe algo que você esteja vendo sob a aeronave. Está sobrevoando o que?
- Hã, positivo. Estou sobre uma fazenda de telhado de zinco, mangueiro quadrado e que tem um carneador bem longe do disco. Mas não tem pista.
- Positivo companheiro. Me confirme se tem um chiqueiro perto da casa com telha de barro.
- Positivo, positivo, positivo! Isso mesmo hein companheiro.
- Pois bem. Rume norte, faça uma curva a direita e alinhe o chiqueiro com a casa. Voe 15 minutos e bom pouso. Já cheguei ao meu destino, mas vou fazer um sobrevôo até você ver a sua fazenda. Me confirme assim que você avistá-la.

Diz o Nilton, acho que era esse o nome dele, que quando confirmou agradecendo todo feliz da vida, fazendo os maiores elogios naquela felicidade de quem foi tirado de uma baita fria, já não teve resposta e pensou: ou esse cara é muito modesto e não quis responder, ou é tão bom e tinha tanta certeza do que falou que já pousou e nem aguardou a confirmação. Como ficou demais impressionado com tudo que aconteceu e no momento do nervosismo nem perguntou pelo nome do seu anjo da guarda, resolveu vir a Corumbá assuntar e ver quem era seu salvador. Chegando aqui e encontrando alguns pilotos no aeroporto, contou o ocorrido e disse que queria achar o piloto para agradecê-lo e não sabia como. Na hora todos concordaram que só podia ser o Zé Mauro. Depois disso se tornaram grandes amigos.

Sangue frio ele demonstrou quando era piloto do Aníbal Zacarias e estava voltando para Corumbá com toda a sua família. Esposa, três filhos e babá. Era um cessna 210 com trem escamoteável e no pouso o trem não desceu. Experimentou o comando manual, fez várias descidas de alta razão com subidas repentinas para ver se o trem baixava e nada. Quando foi para o pouso sem o trem, ele reparou que o pessoal do aeroporto tinha roçado o gramado do lado direito da pista. Resolveu acelerar o pouso antes que roçassem o lado esquerdo também e tirassem o capim que ia amortizar o pouso. Nem riscou o avião.

Além de bom piloto o Zé Mauro é um dos caras mais engraçados que já conheci. É matuto legítimo e não tem vergonha disso, pelo contrário tem muito orgulho. Meus filhos quando chegaram formados por aqui, em dois tempos estavam falando como ele. Sentam pra comer e falam "vamos unhar", que é pegar com as mãos. Ele tem as historias mais engraçadas e já falei a ele que dava para um livro que seria best seler. Uma das que ele me contou e gostei muito, foi de uma vez que não sei quem estava com o caminhão quebrado no pantanal e ele foi socorrer o tipo. Quando não deram conta do conserto pois faltava um platinado, ele propôs voltarem todos no avião. Na hora do embarque, o caminhoneiro falou:
- Oh, seu Zé, esse negócio não tem perigo não? Eu nunca voei de aeroplano.
O Ze já estranhou demais o aeroplano e procurou tranqüilizá-lo:
- Fica tranqüilo que é melhor que seu caminhão. A única diferença é que caminhão tem motorista e avião, e não aeroplano, tem comandante.
Foi a besteira...
- Diz aí COMANDANTE (carregou no comandante), esse negócio aí que voa tem "pratinado"?
- Tem seu fulano, dois.
- Pois então vocês vão tudo tomar no cu sozinhos pois não entro nessa merda nem picado de cobra.
E não entrou no aeroplano.

Outra boa contada por ele e a do casal de roceiros, seus amigos, que estava tirando mandioca na rocinha deles, quando o marido abaixado, levou um bote de uma boca de sapo que quase o pegou no nariz.
O matuto caiu para traz e gritou:
- Muié, uma boca de sapo quase deu um bote no meu nariz. Quase me caguei todo de susto.
A mulher vira pra ele e fala na maior:
- Isso é “procê” aprende mi escuitá e não vir pra roça sem bota.

Mas a maior qualidade do Zé Mauro é sua honestidade e dedicação. Devemos muito a ele, ao Márcio, ao Chu e a alguns outros de quem ainda vou falar nessas memórias, que juntos deixaram seus nomes gravados na história da Ema.

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