sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O lobista

Antes de contar essa história tenho que falar da relação existente entre meu Irmão e sócio na empresa de agropecuária e a fazenda. Apesar dele ter sido o motivo de nossa entrada nesse ramo de negócio, ele não entende e não gosta de nada relacionado ao campo. Vive me dizendo que, da fazenda, ele gosta do bife e a melhor hora é quando da tchau pra turma e entra no avião para vir embora.
A primeira fazenda que compramos foi em 1985 e ele, com 38 anos, por causa do stress colocou uma ponte mamaria. O médico nosso achou de recomendar que comprássemos uma chácara para ele se distrair, respirar ar puro e pintar cercas. Ele gostou da idéia e compramos o Rancho Alegre. Tinha uma casinha de madeira e fica num planalto a beira da divisa com o pantanal. A primeira vez que levei-o lá para aprovar a compra da fazenda já fez a primeira exigência, que em casa de madeira ele não dormia de jeito nenhum. Construímos uma de alvenaria, dois quartos com varanda na frente, cozinha americana conjugada com a sala, coisa chique mesmo. Compramos umas vacas leiteiras para ajudar nas despesas da fazenda e levei-o novamente para visitar e marcar de ir passar o fim de semana lá. Quando falei em dormir lá ele se arrepiou todo. Sem ar condicionado e luz elétrica, nem que a vaca tussa. Puxei energia da fazenda vizinha e colocamos o ar condicionado. Quando estava tudo pronto o convidei para dar uma volta de carro, e não falei nada.
Queria fazer surpresa mostrando a fazenda pronta, com energia, ar condicionado, a leitearia funcionando as mil maravilhas tirando uns 200 litros de leite por dia e já auto-suficiente. Quando tomamos o rumo ele já começou a reclamar que não estava vestido adequadamente para ir à fazenda, realmente estava de camisa polo, calça jeans e tênis branco. Chegando lá, fomos direto para a leitearia. Fui andando e pisando nas bostas secas das vacas com ele desviando de todas, quando percebeu que eu pisava nas mesmas e nada acontecia resolveu fazer igual e a primeira que pegou foi uma frescal que abraçou seu tênis branco que era daquele que tinha tecido furadinho junto com o couro. Já aborreceu grande. Esse é seu handcup com fazendas. Literalmente não entende de bosta nenhuma. Esclarecido essa parte, voltemos à história principal.
Era final do século, dezembro de 1999 e eu preocupado com o bug do milênio quando o meu irmão me liga dizendo que ele estava com um baita pepino na mão. Quando perguntei se era com o bug ele respondeu:
- Quem tem bugue é você. E não vai falar que eu não avisei para você não comprar essa porcaria. Falei para você que carro novo brasileiro já é difícil ser bom, imagine esses rebuilts de bugue.
Nem consegui explicar que o bug a que me referia era o do milênio quando ele já completou dizendo que tínhamos que acompanhar o vice presidente de uma companhia que representávamos, pois o mesmo estava procurando uma fazenda no pantanal para o seu chefe passar as férias.
A função dele era verificar as condições de conforto, segurança e comunicação pois o tipo não podia ficar isolado mais que 24 horas. Quando ele me falou isso eu já vi que era fria mesmo e que não tínhamos lugar que atendia a essas condições. Aí ele me falou que tínhamos que acompanhar o tipo para que ele visse pessoalmente isso e não pensasse que estávamos com má vontade, e por incrível que pareça se propôs a ir junto. Vi, por aí, que o assunto era sério mesmo.
Na data marcada ele, Zé Mauro e eu estávamos no aeroporto, com nosso avião já abastecido, esperando o vice presidente desembarcar do avião da Tam e embarcar imediatamente no nosso com destino a Santa Anatália.
Ele tinha um único dia para essa missão. Fretamos mais um avião para levar os demais membros da comitiva e, na conversa do aeroporto, já imaginei o que seria a nossa aventura. O tipo já perguntou se íamos de jato e o porque de dois aviões. Quando falei que era um monomotor e que a pista era de grama, quase que ele encerrou ali a visita. Quando apresentaram o Zé Mauro com sua camisa fora das calças e seu chapéu de palha, como nosso piloto, o homem ficou branquinho. O Zé Mauro que não tem papas na língua já me solta um:
- Empresta uma bota sua para ele pois com esse sapato de bispo ele não vai longe.
Quando olhei pro pé do homem, torcendo para ele não ter escutado a observação do Zé, vi aqueles sapatos de sola de couro com uns penduricalhos no lugar do cadarço, brilhando que dava para pentear cabelo no reflexo dele. Aí fui prestar atenção no resto da roupa. Calça de barra, camisa de mangas compridas, gola fechada e engomada, cinto combinando com o sapato, pronto para ir a uma ópera, mas nunca para o pantanal. Tive que me segurar para não rir do "sapato de bispo" do Zé.
Chegamos em Santa Anatalia e estava o Cauto com uma toyota bandeirantes nos esperando. Mostramos as instalações para o chefe, destaque para os banheiros com umas pererecas, e saímos para um passeio pelos campos. Por via das dúvidas levamos revólveres para pegar um porco, se aparecesse algum no nosso caminho. Para impressionar o Tontonio fez questão de colocar um nas mãos do vice, pois ele estava querendo fazer o seu lobby. Saímos, com eu e Tontonio escoltando o vice na carroceria da toyota. Um de cada lado do artista. A fazenda estava linda, aqueles campos verdes e com vários animais, veados campeiros, capivaras, quatis e muitos outros, com o Tontonio mostrando e eu falando os nomes dos animais. Lá pelas tantas passa uma ema correndo na frente do carro e o diálogo foi surrealista:
- Zé Antonio, que ave é essa? , pergunta o Vice.
- Peru, responde o Zé. Quando escutei isso quase desci da toyota andando.
- Peru, Tadeu?
Não podia desmenti-lo e respondi:
- Passou muito rápido, mas me pareceu uma ema.
- Tem Peru selvagem aqui?
Antes que pudesse falar a verdade e dizer que nunca tinha visto um na minha vida, o Tontonio respondeu:
- Pra dar com o pau.
A sorte, para encerrar esse assunto, foi o aparecimento de um pé de cabaça, que o Zé mandou o Cauto parar para fazer um tiro ao alvo. A cabaça devia ter uns 20 cm de diâmetro e estava a uns 40 metros. O Tontonio mandou o vice atirar. O homem deu seis tiros e passaram muito longe. Aí me mandaram atirar. Foi um só, bem no centro e explodiu a cabaça, o que deixou o vice tremendamente impressionado. Ele nunca tinha visto um tiro assim. Nem eu. Puta cagada.
Nem preciso dizer que a fazenda não foi aprovada porque não cumpria nenhum dos itens obrigatórios, apesar de ter todos os outros convenientes, e que o meu irmão conseguiu fazer o lobbyzinho dele deixando todo mundo contente com o seu empenho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário