quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Velho Marinho

Papai sempre me contava como foi o início de Vovô Marinho no Brasil, de como ele era caxias em tudo que fazia e que tinha como principal característica a de terminar tudo que começava. Ele achava que o prejuízo de parar no meio era maior, porque aí o que já tinha sido feito reduzia-se a zero. A frase que mais falava era "macaco que pula de galho em galho, pau nele".
Falava também que não interessava o quanto a pessoa fazia pela sua empresa ou pela sua família desde que fosse o máximo. Falava e demonstrava isso em todas as suas atitudes.
Outro dia eu estava na esquina da velha casa Marinho onde, no passado, vendíamos peças de automóveis e hoje temos uma conveniência e uma casa de carne, e encontrei o Mattos. Ele foi o vidraceiro de Vovô a 70  anos atrás e quando me viu veio me cumprimentar e conversar sobre o velho Marinho.
Ele se lembrou de como ele era sempre o primeiro a chegar à loja e apontar a hora de chegada de todos os empregados. Aquele que chegava atrasado e tinha uma boa desculpa ele permitia que entrasse, caso contrário mandava voltar e falava:
- Podes voltar. Isto e para aprenderes a embarcar em trem. Que sai na hora e não espera ninguém.
A desculpa era anotada junto com a hora, e ai daquele que usasse a mesma mais de uma vez. Ele me contou que Vovô, já com 80 anos e com todos os filhos trabalhando com ele, ficava tentando ajudar, controlando os demais empregados. Certa vez o Matos recebeu uma carga de pregos e seu trabalho era abrir a embalagem de papel e transferir os pregos para umas caixas de madeira que ficavam nas prateleiras. Cada caixa para uma medida de prego e fixado na embalagem com um durex do lado de fora vinha uma amostra. O Mattos por essa amostra pegava a caixa certa. Sem saber que Vovô o estava observando, ele jogava a amostra fora junto com o papel, pois perdia tempo ao destacar aquele prego. Quando acabou de fazer o serviço Vovô o chamou e pediu que ele retirasse todos os pregos presos nos papeis de embalagem e pesasse os mesmos. Fez as contas e mostrou que pelo tempo que ele demorou para recuperar aqueles pregos, se todos fizessem isso poderiam ter seu salário aumentado em 20% sem onerar a firma. O que me emocionou foi ver o Mattos lembrando-se disso com lágrimas nos olhos.
Numa outra vez, esta contada por papai, apareceu um português que nem ele pedindo-lhe uns miréis. Vovô ficou muito bravo, pois não gostava de ninguém pedindo esmolas e ainda mais português. Conversou com o compatriota e combinou que arrumaria um emprego de vendedor ambulante para ele. Pessoalmente construiu uma bandeja de madeira e com uma tira de couro prendia-a ao pescoço. Todo dia abastecia a bandeja com vários produtos como xícaras de vários tipos, colheres e outros utensílios, até a capacidade que o portuga conseguia carregar, isso após acertar o caixa do dia anterior. Isso se estendeu por meses, até que um dia o vendedor não apareceu.
Vovô ficou aguardando ele até a hora do almoço. No dia seguinte cedo, Vovô postado na porta da firma e nada do companheiro, e assim foi por dias a fio. Um belo dia, Vovô na porta procurando o gajo, já com todos achando que ele tinha pirado, ele vê o canista do outro lado da praça e pede para papai correr e pegar o cara. Papai nem conseguiu discutir com ele, pois já levou uma puteada, e saiu correndo. Quando o nego chega já se explicando que caiu e quebrou tudo, mas que vai pagar, Vovô vira pra ele e fala:
- Ó menino, o que estas a dizer? Aquilo já era seu. Volte amanha com a bandeja para recomeçarmos e vou aumentar tua comissão para 20% ao invés dos 10%.
Enquanto todos pensavam que o velho estava preocupado com meia dúzia de xicrinhas o que ele não queria mesmo era perder aquela vendinha diária, liquida e certa. Papai completava:
-E depois falam que português é burro.
Mas a que papai mais gostava de lembrar e me contar de Vovô Marinho era de como ele era rígido na educação dos filhos. Puteada era constante, castigo às vezes e tapa quase nunca, mais tinha vez também.
Ele dizia: "se não vais com palavra, vais com pancada". E como isso era líquido e certo, quase nunca precisava, pois nenhum dos filhos o desafiava. Mas teve uma vez em que ele embarcou no avião em Corumbá para uma reunião da maçonaria num sei onde, ele era gran mestre 33, e ao seu lado ia um menino de uns 8 anos. O pai do outro lado do guri, separado pelo corredor. O menino era o capeta em pessoa. Vovô super elegante, com terno branco, gravata e chapéu combinando e o guri a amassá-lo todo sem que o pai nada fizesse. Lá pelas tantas o diabinho meteu a mão no seu sanduiche e Vovô, já de saco cheio, deu umas palmadas nela. O pai falou a ele que não podia bater no seu filho, ao que Vovô no seu português castigo retrucou:
- Tu não o educas, educo-o eu.
Assim era o velho.

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