quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Quase quase

Quando comecei a fazer o meu mestrado cheguei a ficar meio aficionado por cálculos. Em qualquer lugar que ficasse parado eu começava a analisar a estrutura. Às vezes nem via a missa passar. Ficava olhando as abóbodas e vendo como as forças eram distribuídas até o solo e calculando mentalmente o quanto aquilo estaria superdimensionado pelas restrições da época da construção. À medida que as estruturas foram ficando mais leve devido ao aumento da resistência dos materiais, a precisão de cálculo, ao concreto armado e depois protendido, os esforços dinâmicos passaram a ter importância, que antes pela rigidez das estruturas podiam ser ignorados, mas que com as estruturas mais esbeltas faziam surgir oscilações que muitas vezes entravam em ressonância e acabavam caindo.

Estava nessa época de estudos de Análises Dinâmicas com o professor Paulo Rizzi, que também era meu orientador, quando meu irmão Tontonio foi a Taubaté passar alguns dias comigo, incumbido de comprar um novo carro para papai. Depois de muito testar optamos por um opala 2,5 litros, 4 portas, café com leite, da GM, muito bonito. Depois de colocar toda documentação em ordem pegamos a estrada para Corumbá, na realidade até Campo Grande, e de lá pra cá embarcado no trem da noroeste. Optamos por pagar mais caro e colocá-lo em vagão fechado, era mais seguro, pois existiam uns vândalos, é já tinha isso desde aquela época, que gostavam de atirar pedra no trem e poderia amassar o carro novinho. Bea com as crianças estavam já em Corumbá, de modo que saímos só os dois e logo após o término do meu expediente. A idéia era ir dormir em São Paulo, mas quando estávamos chegando resolvemos esticar e dormir mais para frente e diminuir a perna do dia seguinte.

Como o papo estava bom fomos noite adentro até que no clarear do dia começou a formar um temporal. Começou a chover muito duro e não deu tempo de acharmos um posto para parar e começaram a cair granizos. Nós, com o carro zerinho do velho, começamos a ficar desesperados em pipocar toda a pintura quando tivemos a idéia de parar debaixo da primeira ponte que aparecesse. Quando apareceu percebemos que a idéia genial tinha sido compartilhada por todos, mesmo os que estavam com carros velhos e tivemos que continuar até o primeiro posto. Entramos nele e ficamos de baixo da cobertura. Verificamos a pintura e, como por milagre, estava intacta. Aproveitamos para dormir um pouco dentro do próprio carro. Enquanto não vinha o sono eu comecei a estudar a estrutura da cobertura metálica que nos abrigava. Eram dois pilares centrais com um vão de mais de 15 metros e com um balanço de 10 metros de cada lado e também nas extremidades. Era uma coisa monstruosa, dando uma área total de 20 metros de largura por 35 de comprimento. Comecei a perceber que a mesma estava oscilando e que a amplitude ia aumentando e quando cessava o vento, ela parava. Comecei achar que era o efeito do sono, não podia estar vendo aquilo, mas resolvi comentar com o Tontonio, e pedi para ele observar também. Ele já me puteou e disse:
- Você quer me gozar, né? Esta merda esta aqui há vários anos e você acha que vai cair na minha cabeça exatamente agora? Pare com esse pessimismo senão não vou conseguir dormir e vamos bater o carro e morrer os dois.
Ia retrucar que isso é que era pessimismo mais achei o argumento dele convincente. Acabei por dormir com o balanço da estrutura, e como balançava! Acordamos já com sol a pino e vimos que já passava das 8 da manhã. Resolvemos ir tomar café no próprio posto depois de confirmarmos que o carro estava realmente em ordem. Saímos conversando de outras coisas e já tinha esquecido da oscilação da cobertura quando, uns 50 km para frente, passamos por outro posto muito parecido com aquele em que dormimos e já vimos o estrago.
A cobertura tinha caído e sob a mesma devia ter mais de 20 carros. Paramos para ver o que tinha acontecido quando um caminhoneiro nos falou que o teto veio abaixo na hora do temporal. O Tontonio olhou pra mim e meio que começou a chorar, ele é muito chorão, não sei se de alegria ou de ver como aquele carrinho estava dando sorte e escapando de cada uma por tão pouco e falou:
- Porra meu, podia ter sido o outro em que nós estávamos e você não vai acreditar, mas eu sonhei que você falou que ele ia cair na nossa cabeça.
Assumi o volante e não deixei ele dirigir mais o resto da viagem.

Um comentário:

  1. Oi Tadeu, é Lia, irmã de Pat de Beto, como dizem ai, hehe!
    Escrevo só pra contar que viciei no seu blog, suas histórias são demais de bem contadas e bem vividas também, me parece!

    um grande abraço e continuarei seguindo...

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