terça-feira, 21 de setembro de 2010

Nova avanhandava

Ano de 1978 e estávamos voltando de uma missão na usina de Emborcação. O Neiler chefe da montagem, o Miguel Vouraski do Comercial e eu da engenharia. Nosso avião pousou em São Paulo às 18 horas e ainda íamos para Taubaté. Era hora do rush e estava começando a chover. De bom só tinha que era sexta feira e teríamos o fim de semana para descansar, pois a viagem tinha sido exaustiva. O motorista da Mecânica estava nos esperando e embarcamos no carro com destino a Taubaté. Parados no trânsito, uma garoa fina caindo quando uma velhinha aborda o Neiler que estava na frente e oferece um bilhete da loteria federal. Ele ficou com pena da velha e fez uma cota para comprar todos os bilhetes dela. Concordamos em participar, mas coloquei a condição de que ele ficasse como responsável de acompanhar e de me avisar se tivéssemos ganhado, pois eu não ia lembrar e nem sabia como conferir. Foi quando ele falou:
- Deixa comigo. Corre no sábado a noite, no domingo no primeiro horário eu já te ligo para avisar que você está milionário. Combinado?

No sábado fomos a São José dos Campos visitar Mena e esqueci daquilo. Domingo, não devia ser 7 horas da manhã quando toca o telefone. Bea levanta para atender e me acorda dizendo que um tal de Neiler estava no telefone e tinha que falar urgente comigo. Levantei num pulo e com a imagem da velhinha na cabeça, já me sentindo milionário. Fomos recompensados por aquele ato de caridade. Não tinha levado isso em consideração nos cálculos de probabilidade. Estava provado que nem tudo na vida era matemática. Que lição estava tomando com essa demonstração do além. Mas... e se fosse sacanagem do Neiler? Não podia ser brincadeira, pois eu tinha um cargo mais alto que o dele, acho que ele não teria coragem de fazer uma merda dessas comigo. Tudo isso me passou pela cabeça no percurso da minha cama até a sala onde estava o telefone. Me controlei ao atender para não ir perguntando quanto tínhamos ganhado.

Quando ele começou a falar eu tive a maior mudança de humor da minha vida. Passei de engenheiro bem sucedido e milionário para presidiário que tinha, com a sua burrice, causado prejuízos imensos a sua empresa e, quiça, a seu país. Não podiam ser notícias piores para um calculista e depois do meu alô, ele já foi falando:
- Tadeu, acabei de receber um telefonema do pessoal da Cesp sobre a Usina de Nova Avanhandava. A usina está inundada. Parece que estourou as comportas da tomada d'água.

Como papai já disse a história se repete e mais uma vez comigo mesmo. Lembrei do japonês da manutenção quando disse que meu pórtico ia cair e derrubar o prédio. Agora o engenheiro de montagem estava me falando que inundei uma usina. Mais uma vez, se tivesse bosta pronta eu me cagava todo. O pesadelo de todo calculista é sua estrutura vir abaixo e estava acontecendo comigo. Lembrei do Choulian e do Japonês burro e quando consegui falar, depois daqueles gemidos característicos, falei:
- E aí, quem passou as notícias e quais as providências?
Acho que impressionei o Neiler com tanto sangue frio, isso por telefone, pois pessoalmente ele não ia ver sangue nenhum, devia estar branquinho que nem uma cera.
- O Pessoal da Cesp (era a dona da usina) e estão mandando um avião chavante de 8 lugares para o aeroporto de São Jose dos Campos, e tem 3 lugares disponíveis para nosso pessoal ir para lá. Se precisar levar mais gente teremos que fretar um. Na hora eu achei que tinha que levar o departamento de engenharia inteiro, mas com três lugares iria eu, com certeza, o Choulian e o Antonio Benedito Pereira que era o responsável por esse projeto. Eu tinha um engenheiro coordenando cada projeto.

O Choulian estava em Ubatuba, ele sempre passava os fins de semana em sua casa de praia. Liguei primeiro para o Antonio e pedi que ele fosse a Mecânica e pegasse o projeto completo do equipamento, trouxesse para minha casa e se preparasse para embarcar para Nova Avanhandava. Ele ainda quis questionar se não poderia ir de ônibus, que desse negócio de aviãozinho ele não gostava muito. Desliguei sem responder e já toquei para o Choulian e falei com D. Virginia. Apesar de ser cedo ele já esta correndo na praia, mas ela me tranqüilizou que iria encontrá-lo e ele me ligava. Fui me aprontar para a viagem, já pensando em como minha promissora carreira acabara tão cedo.

Em menos de 10 minutos o Choulian me retornou e relatei a conversa a ele e as providências que já tinha tomado. Ele me tranqüilizou dizendo:
- Deve ser mais uma burrice desse pessoal da montagem, ou o nosso ou o deles.
Vou subir daqui direto para São Jose dos Campos. Encontramo-nos lá em duas horas. Segure o avião se você chegar primeiro. Saí com o Antonio, o projeto e sem nenhuma mala. Achava que até o fim do dia estaria de volta, mas quá.

A viagem eu conto no capítulo Nova Avanhandava II.

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