Estava indo para o quarto ano de engenharia quando fui chamado na diretoria. O Israel Mordga Rosemberg, diretor da MAUÁ, queria me avisar que eu tinha ganho o prêmio Metal Leve que consistia de um cheque de um salário mínimo e a proposta de fazer um estágio lá por um ano e ganhando outro tanto mensalmente para trabalhar meio período. Não agüentei e perguntei se esse prêmio era para estimular ou desestimular o sujeito. Na época o salário mínimo era algo como 40 dólares por mês. Esta certo que o mesmo era mais valorizado mas era ainda uma porcaria. Ele me explicou que o importante não era o dinheiro mas o ano que passaria em uma indústria de ponta e que iria aprender muito. Vindo de quem veio, Rosemberg, achei que devia ser realmente proveitoso trabalhar lá por um salário que não pagaria o que gastaria a mais de gasolina do meu carro para ir ao emprego. Aceitei a "honraria".
Mas foi proveitoso. Trabalhei com o melhor metalúrgico do pais, o Doutor Oto Von Baun. Estava no meu estágio quando acompanhei o desenvolvimento de uma nova liga para fazer o pistão de motores de combustão e é usada até hoje. O pistão de um motor tem duas características importantes, tem que ser leve e com uma alta resistência só na região dos anéis. Esse cara foi o inventor de um material que tinha essas características e que se unia ao alumínio de uma maneira continua e se chamava ALFIN, AL de alumínio e FIN de afinidade. Fui designado para trabalhar ao seu lado e era cobra em resistência dos materiais nas não gostava nem de química nem de metalurgia. Quando ele me explicou essa parte, prestei a maior atenção possível, mas estava muito acima da minha capacidade. Quando fomos para o laboratório de testes para verificar a resistência do material já fiquei mais animadinho. Foi aí que tudo aconteceu. Foram feitos vários corpos de prova que consistiam de uma barra redonda de 1 cm de diâmetro. Essa barra era colocada numa máquina de tração e ia sendo esticada até romper e a carga em que isso acontecia era registrada. O homem já tinha rompido um monte dessas barras e não conseguia atingir a carga que ele queria quando resolvi pegar seus cálculos. Vi que ele não gostou muito de um estagiário verificar o que ele estava fazendo. Percebi na hora que ele estava considerando que a barra tinha um centímetro quadrado de área, enquanto a verdade é que ela tinha um cm de diâmetro. Isso dava um resultado vinte por cento menor. Quando cheguei até ele, encontrei-o sentado em sua mesa com um cachimbo na boca do tipo do Sherlock, daqueles que tem uma curva. Como ele não tirava o bicho da boca, a baba corria até aquela curva e pingava. Acho que aquilo mostrava o extremo da concentração que só os gênios conseguem ter. Na minha segunda pigarreada ele de dignou a levantar os olhos para mim por 1 segundo, se levantou e foi até um quadro negro que ocupava toda uma parede de sua sala. Estava cheio de fórmulas químicas. Nas outras paredes eram estantes com seus livros particulares. Fui com ele e como vi que não ia conseguir falar muito, falei tropeçando nas palavras:
- Professor, um centímetro de diâmetro não dá um centímetro de área. O senhor está confundindo força com tensão.
Falei e saí de perto com medo dele babar em mim. Vi que seus olhos brilharam mostrando que tinha caído a ficha. Ele me olhou e falou:
- Você me faz ver a importância dos burros. Uma vez minha mulher chamou um engenheiro elétrico para ver o motivo da nossa televisão não funcionar. Ele desmontou a ampola, trocou válvulas e já queria pedir o projeto da mesma para a fábrica quando eu, que não entendo nada de eletricidade, vi que ela não estava ligada na tomada.
Não gostei do burro mas não podia ser mal educado com ele mesmo não querendo deixar barato e só respondi:
- De nada.
Logo em seguida me transferiram para outra área e não vi mais o professor Oto.
Três anos depois, quando estávamos mudando para Taubaté e não encontrando casas lá, eu e Beá fomos a São José dos Campos e quando entro em um restaurante para almoçar, vejo um casal de velhinhos em uma mesa e reconheço o professor Oto. Ele era professor do ITA e estava sempre por ali. Quando ele me viu e cumprimentou, fui falar com ele sem esperar que ele tivesse me reconhecido e fiquei abestalhado. Ele virou para sua esposa e falou:
- Lembra do estagiário que te contei que me corrigiu no elemento AlFin? Olhe como esse mundo é pequeno. É este rapaz aqui. Você me desculpe mas esqueci seu nome.
Respondi:
-Tadeu professor, e fico contente do senhor ter se lembrado de mim.
Ele completou com um não tinha como esquecer e me deixou muito convencido, principalmente por estar na frente de minha mulher. Menti muito pra ela, acho que cheguei a dizer que se não fosse eu a indústria automobilística estaria engatinhando ainda. Igual ao Fernando Pala e o Dr. Murtinho.
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