terça-feira, 9 de novembro de 2010

Aniversário de Santa Anatalia

Era um dos melhores programas que fazíamos, melhor até que viagem pras Oropas. Íamos todos os anos para o aniversário de Santa Anatalia, fazenda do meu sogro, comemorado junto com o dele, no dia 24 de julho. Mesmo depois que ele ficou doente e deixou de ir, comemoramos ainda por muito tempo. Só a medida que a rapaziada foi atingindo os 50 anos é que não fomos mais dando no couro. Era uma festa e tanto, ocasião em que levavam um padre e casavam todos que estavam juntados. Tinha missa, jogo de futebol e churrasco de chão e a noite aquele bailão.
Desde a época de recém casados e morando em Taubaté que íamos a essa festa. Uma das vezes fomos de carro até Campo Grande e meu sogro fretou um aviãozinho para nos levar de lá diretamente para a fazenda. Eu na frente com o piloto e Beá com Laura e Beto atrás. Acho que Daniel e Guilherme já estavam no bucho. Na decolagem a Laura com dois anos e meio começou a gritar que o avião ia cair, assustando a todos já achando que era alguma premonição. Como ela não parava de chorar Beá perguntou porque ela achava que o teco teco ia cair quando ela disse: "Alá!!..., papai não ta segurando no volante", e me apontou. Aí entendemos o motivo do susto pois o avião era de duplo comando e tinha manches dos dois lados. Como ela estava sentadinha atrás do piloto não via que ele estava com a mão no "volante" e achava que eu que estava "dirigindo" o avião. Beá teve que soltar o cinto dela e mostrar que o piloto era o outro e ele estava com a mão no volante.

Com o passar do tempo a festa foi ficando famosa e o grupo de visitantes foi aumentando. Chegou a ter mais de 50 pessoas saindo de Corumbá e lá juntavam com os vizinhos que deviam ser outro tanto.
 Quando já estava morando em Corumbá, íamos de carro com vários outros e sempre um caminhão Mercedes. Esse era o pau de arara. 
Tinha uma estrutura de ferro para permitir a cobertura com uma lona e era forrado com colchonetes e abrigava todas as crianças com algumas mães para por moral e evitar brigas. Quando ia rápido demorava 18 horas mas já fizemos em 36. Quem preparava a viagem, inclusive o caminhão, era o Cauto, gerente de Santa Anatalia e casado com Mena, a minha cunhada. Como ele também era piloto do avião BGZ e tinha algumas crianças muito pequenas, com menos de três anos que ele levava, escapava do pau de arara. A conclusão é que o caminhão ia com os pneus carecas e furando a viagem toda e a matula, quando tinha qualquer contra tempo e vivia tendo, acabava antes da viagem. Todas às vezes que isso acontecia o Pedro, irmão da Beá e o gordinho da turma, jurava que da próxima vez ele ficaria responsável pela matula, que fome ele não passaria nunca mais. Era sempre a mesma conversa. Quando reclamávamos ao Cauto ele dizia que nesse pantanal não tinha o que furar pneu e matula com Pedro na comitiva, podia levar o quanto fosse que sempre acabaria antes de chegarmos ao destino. Com o segundo argumento todos concordavam, mas quando perguntado do porque de dois estepes igualmente calvos ele falava que era excesso de zelo, mas todos sabiam qual o excesso dele, o bicho era muquirana mesmo.
Chegou uma época que resolveram viajar a noite. Apesar de ser julho estava muito calor e a noite a criançada acomodaria melhor. Ganharíamos, só na diminuição das paradas urinárias, umas duas horas. Como não conseguiria dormir de dia resolvi ir no pau de arara com toda a família e mais uns 30 neguinhos. Não tinha aprovado muito a idéia de sair de noite pois sabia que o motorista não dormiria durante o dia, mas me garantiram que ele seria liberado e apareceria no serviço só às 7 da noite, a hora programada da saída. Trabalhei o dia todo e na hora marcada fui para a casa de meu sogro, que era o local combinado para sair. Chegando lá não encontrei o caminhão. O Vicente, esse era o nome do motorista, estava arrumando a lona que não estava em ordem. Assim que ele chegou eu perguntei se ele tinha dormido e com a sua negativa resolvi ir na boleia do caminhão. Depois de 20 km de asfalto e ele cochilar e sair três vezes da estrada, pedi para ele parar que eu iria assumir o comando. Ele me perguntou ainda se eu já tinha dirigido algo parecido com aquilo e respondi que do jeito que ele estava indo eu não precisava saber nada para ir melhor.
 Assumi o comando do mercedão. Direção Mecânica, cambio seco, a pior coisa que já dirigi na vida, e isso a noite e eu sem dormir também, pois achei que ia nos colchonetes na carroceria e bem tranqüilo. Para completar não conhecia o caminho. As estradas do pantanal são bitolas formadas pelo tanto que os carros passam no mesmo local e acabam matando o pasto ficando na areia. Às vezes acontece de haver pequenos desvios que voltam ao mesmo lugar e as vezes são bifurcações que levam a lugares totalmente diferentes. Toda vez que entrava numa dessas e não encontrava a bitola na frente, cutucava o Vicente que abria um olho e falava, "toca em frente que está certo" ou mandava pegar para a esquerda ou direita e ir fora da bitola até voltar a encontrar a estrada que tinha deixado para trás. Nunca pensei que alguém pudesse conhecer esse pantanal desse tanto. Era uma coisa incrível, ele reconhecia cada moita, cada porteira e isso tudo a noite na mais completa escuridão. Era um fenômeno. Às vezes me respondia sem acordar. Por volta das quatro da manhã, eu já com muito sono, tentei acordá-lo e ele achando que eu estava perguntando do caminho, levantava, olhava para frente e falava "pode tocar que é isso mesmo" e voltava a dormir profundamente. Só às 7 da manhã com um solão brabo na cara do bicho que ele resolveu acordar. Perguntou se eu estava com sono e quando respondi "morrendo" ele disse " porque não me acordou?". Depois de mandá-lo tomar no rabo devidamente, passei o volante para ele e fui para a carroceria. Deitei no colo de D. Beá e acordei às 3 da tarde em Santa Anatalia. Foi uma das viagens mais rápidas que fizemos. Mas teve outras.




Nenhum comentário:

Postar um comentário