Irmão Ático foi meu professor de Português no Arquidiocesano e com o mestre Luiz do salesiano, foram os dois únicos professores que conseguiram prender minha atenção nas aulas. Era uma matéria que eu não gostava muito. Para falar a verdade, não gostava nem um pouquinho. Nunca fui bom em nada que exigisse memória, coisas que tinha que decorar. Gostava de matemática pois a única decoreba era a tabuada. O resto você conseguia deduzir tudo. Mas o Irmão Ático tinha a capacidade de prender sua atenção. Ele misturava as aulas com histórias e tinha uma regras lógicas que você decorava tudo meio sem querer. Na aula de gramática ele dava exemplos que você guardava a frase e o resto era dedução e uma das que me lembro era, "O sujeito roubou os objetos" e dela você já sabia quem era o sujeito e quem era o objeto. Tinha uns engraçadinhos que, quando perguntado quem era o sujeito da frase respondia que era fugitivo da justiça. Mas até essas brincadeiras ele usava nas aulas e dizia que mesmo fugitivo era determinado. Ai o engraçadinho completava que com isso ele não concordava, pois determinado era quem ficava atrás do sujeito até levá-lo preso. Mas nessas brincadeiras aprendi gramática, alguma coisa.
Mas o lance inesquecível do Irmão Ático foi quando ele passou uma redação que, com a nota dela, poderíamos substituir uma das notas do mês, logicamente a mais baixa e que premiaria as três melhores publicando no jornal dos salesianos. Era véspera dos dias das mães. Fiquei em terceiro e muito orgulhoso quando ele a leu para todos na classe e terminou dizendo que a classificação foi pela emoção que coloquei naquelas palavras. Era interno e estava longe da minha mãe pela primeira vez e talvez isso justificasse tanta emoção. O segundo lugar ficou para o Mario Baldini, que era o cobrão de Português e foi elogiado pelas concordâncias perfeitas, zero erros de Português, nenhuma repetição de palavras mostrando que conhecia todos os sinônimos da nossa língua. E o primeiro lugar, para surpresa de todos ficou com um cara meio apagado da turma, não ficava na fila da frente mas também não era nas últimas, Sergio de tal, vou poupar o sobrenome aqui, vai que o cara virou político e usem disso contra ele. O Ático leu sua redação com lágrimas nos olhos. Parou varias vezes para assoar o nariz. Quando acabou foi até ele e o abraçou emocionado. Nunca pensou que podia encontrar algo parecido entre seu alunos. 10 com louvor e ia ser capa do jornal. Emoção pura, concordância perfeita, coordenação de idéias ótimas, tinha enredo, começo, meio e o final, e que surpresa, ele não escreveu para a mãe dele e sim para nossa senhora, mãe de todos nós. Idéia magnífica, digna dos nossos gênios da literatura. Gastou 5 minutos na minha, 5 na do Baldini e o resto da aula na do Sergio, e nem achei o trem tão chique assim, muito rebuscada, cheia de palavras que eu nem sabia o significado, como sua "sapiência", que para mim, na época, era a ciência que estudava os sapos.
Uns 15 dias depois entra o Irmão Ático na aula e o mínimo que pode-se falar de seu estado era possesso. O bicho estava muito brabo mesmo, de um tanto que ele não conseguia falar e babava de raiva. No começo era uma coisa meio verde e chegamos a pensar que ele estava possuído e aquilo era o hectoplasma. Quando ele consegui falar começou a xingar a alguém, que achávamos se tratar de um ser imaginário e sem ninguém entender nada ainda, ele abriu um livro antigo e falou que ia ler algo para nós. Começou a leitura e todos perceberam que se tratava da redação do Sergio. Ipisis literis, como ele gostava de falar. Terminando, ele virou para o artista que estava branquinho e provavelmente todo cagado e falou:
- Vou te dar zero pelos seguintes motivos:
1) Você roubou o Olavo Bilac;
2) Você menosprezou a mim como professor, pois achou que eu não ia descobrir;
3) A pior de todas, você podia ter feito eu me sentir o pior dos professores. Imagine se não dou dez ao Olavo Bilac?
Quando a coisa estava na tensão máxima, o Geraldo, um Corumbaense muito do gozador e deveras corajoso, me vira para o Irmão Ático e pergunta:
- Mestre, uma pausa para esclarecimentos. Quem foi esse Olavo Quilate?
O velho ficou com aqueles olhos parados sem responder e só deu para escutar ele resmungando "eu devo ter jogado pedras na Cruz". Vindo de um Irmão Marista todos concluíram que, realmente, ele estava possuído.
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