quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A Importância dos burros 2

Quando comecei a fazer estágio na Ravel estava pensando mais na filha do dono do que em aprender alguma coisa lá. Era uma pequena indústria de artefatos de borracha que fabricava coxins, retentores e uma série de peças automotivas.
O proprietário era o pai do Ricardo Ravioli, um dos meus melhores amigos da faculdade, e da Nena, uma loira de olhos verdes, muito linda e eu era encantado com ela. Mas acabei aprendendo muito sobre esses artefatos tanto com o seu Fosco, esse era o nome do sogrão, como com o irmão dele, seu Angelo, que era o diretor técnico da empresa. A indústria ficava na Lins de Vasconcelos e eu estagiava na parte da manhã na Metal Leve, em Santo Amaro e longe pra burro e a tarde na Ravel. Em frente tinha um barzinho bem fuleiro, desses que quem não conhece bem, não consegue entender como tem gente que freqüenta aquilo. Tinha aspecto de sujo, o cozinheiro tinha um fogão de duas bocas que ficava ao lado da pia e a vista dos fregueses e esfumaçava tudo quando ele fritava um bife ali. Mas era limpinho e muito gostoso, além de ser prático. O dono, já esqueci o nome dele, sabia os dias que eu iria almoçar lá e quando chegava, faltando 10 minutos para entrar no serviço, já tinha um omelete pronto que era a coisa mais gostosa do mundo.

Mas vamos a importância dos burros. A indústria tinha uma caldeira que fornecia vapor para todas as máquinas e era de uma importância fundamental. Caldeira parada, indústria parada. Ela tinha, como qualquer caldeira , um pressostado acoplado ao seu bico injetor e que controlava tudo. As de hoje devem ter essas placas eletrônicas que fazem o serviço, mas naquela época era tudo Mecânico. A pressão aumentava ia pressionando uma mola e a medida que a mesma deslocava fechava a válvula de injeção diminuindo a quantidade de óleo injetada, com isso a temperatura diminuía a mola empurrava o bico ao contrário e aumentava a injeção. Ficava aquele pistãozinho entrando e saindo e a pressão praticamente constante. Como segurança disso tudo tinha uma válvula, dessas iguais a panela de pressão, que se o pistãozinho travasse ou algo parecido ela abria e esvaziava a cadeira. Se ela pifasse também, então iria tudo pelos ares.
Um dia o pressostato pifou e a válvula de segurança acionou. Enquanto esperava a chegada da mesma da Itália, era importada, resolveram colocar um homem controlando a injeção com um registro. Como era um trabalho de alta responsabilidade, colocaram o chefe da fábrica, um sujeito esperto, para fazer isso. Em dois tempos ele pegou o ritmo de como tinha que fazer da maneira mais fácil possível. O ponteiro do pressostato tinha que ficar na faixa verde. Querendo entrar no amarelo ele aumentava a injeção e quando queria entrar no vermelho ele diminuía. Rapidinho ele aprendeu que se deixasse quase no amarelo, e abrisse a injeção mais do que devia, teria tempo de fazer outras coisas antes do ponteiro entrar no vermelho. Na hora calculada, diminuía mais do que devia e sabia quando voltar também. Quando a válvula de segurança acionou pela terceira vez, o Fosco tirou o esperto de lá e colocou o seu Nenê, um ex alcoólatra que não pegava naqueles copos de pinga nem para tomar café. Outra característica dele, era o mais burro da fábrica, daqueles que acreditam em tudo que você conta para ele. Lembro que ele chorava lendo fotonovelas, uma revista de quadrinhos e com histórias de amor e ódio, igual as novelas da Globo. Primeiro encheram a bola dele dizendo que ele ia ser responsável pela vida de todos os empregados da fábrica. Depois não falaram que o ponteiro tinha que ficar no verde, que ia de 120 a 160, mas que não poderia sair do 140, se não iria tudo pelos ares. De cara ele pegou uma caneta tipo hidrográfica, daquelas de escrever em caixa de papelão, foi no vidro do relógio e fez um risco em cima do 140. Colocou um banquinho em frente da caldeira e não tirou a mão da válvula, podia no máximo trocar a esquerda pela direita. Pelo menos duas vezes por dia, quando alguém passava perto, ele pedia que chamassem seu Fosco para ele. Na primeira vez o Italiano chegou esbaforido já achando que a caldeira ia explodir porque o Nenê tinha feito alguma cagada, mas não era, ele precisava ir ao banheiro e para uma coisa tão importante e difícil assim, o patrão que devia ficar no controle, era rapidinho, ele completava. E o Fosco ficava. Quando eu ia estudar na casa dele com o Ricardo e ver a Nena também, conversávamos muito e ele foi a primeira pessoa que me mostrou a importância de ter as pessoas certas nos lugares certos e o seu Nenê era o exemplo que ele dava disso. Grande cara foi seu Fosco Ravioli.

Um comentário:

  1. Trabalhei na Ravel com Sr. Fosco de 1978 a 1982 , junto com o Ricardo , foi um pai e um mestre me ensinou tudo de vendas , tenho muita saudades deste tempo ,entrei como Boy e fui promovido para o Depto comercial ai começou minha carreira em vendas, me lembro que fui buscar o primeiro carro do Franco um corcel II , Grande familia . Ass. Paulo Ricardo Gaeta

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