terça-feira, 23 de novembro de 2010

Karmazim

Existem pessoas que passam por sua vida e deixam lembranças que não se apagam mais, ou pelo menos você gostaria que isso acontecesse, mas como estou cismado com a minha memória, toda vez que me lembro de alguém que não quero esquecer, coloco seu nome na lista do meu blog. O Karmazim foi um deles. Era um francês muito boa gente e que tinha como principal característica o seu bom humor. Ficávamos horas conversando sem perceber o tempo passar. Ele era uma pessoa com histórias muito interessantes, pois tinha lutado na segunda guerra na Resistência Francesa. Eu o conheci em 1974 quando entrei na Mecânica Pesada e ele foi um dos seus fundadores, junto com o Chu, Chouilan, Pavilak e outros importados diretamente da França, assim que a empresa foi inaugurada aqui no Brasil.

Não me lembro de tê-lo visto aborrecido a não ser no dia do leilão do Novo Horizonte. Na primeira vez que veio a Corumbá, veio junto com a filha Kiki e a Vicky, irmã de D.Virginia, tão ou mais simpática que ela, e um dos programas foi ir a um leilão de gado de corte que ficava no início do pantanal. Na hora de dividirmos o pessoal, pois não cabiam todos em um só carro, ele foi com o Chu em uma pickup pampa e o resto do pessoal comigo. O Karmazim não chegava a ser gordo, estava assim para o "forte", mas perto do Chu que era muito magro podíamos considerá-lo "bem forte". Na saída eu me lembro que ele já mostrou uma pequena preocupação pelo almoço, se não precisava levar alguma coisa para comer no caminho. Tranqüilizamos o "gordinho" explicando que era uma viagem de umas duas horas e o almoço seria no próprio leilão. O Chu, que é louco por pescaria, na saída resolveu pegar seus apetrechos de pesca e nos mandou sair na frente. Eram 8:00 hs da manhã. Chegamos ao leilão às 10 e fomos ver o gado. Andamos por cima de todas as baias, tinha umas passarelas próprias para isso e quando estava chegando a hora do almoço fomos para o tatersal e nos acomodamos, guardando lugar para os dois. Deviam estar chegando. Serviram o almoço, e nada dos homens. Retiraram os pratos e veio a sobremesa. Avisei o organizador que estava com visitas atrasadas e ele me tranquilizou que tinha todo o pessoal dele para almoçar ainda. Eles comeriam junto com os empregados, mas fome não passariam. Começou o leilão e nada ainda. Fiquei na espera, um olho no gado e outro em quem chegava. Lá pelas quatro da tarde, já no fim do leilão, chegam os dois. Quando fui cumprimentá-los o Karmazim, meio bravo de fome, me explicou o motivo do atraso. "Esse Chu é um tarado por pesca. Parou em todas as poças de água da estrada dizendo que ali tinha peixes. Não pegamos nada e perdemos o almoço. Por isso queria trazer algo para comer". A estrada que ia de Corumbá ao leilão foi transformada hoje em estrada parque pois atravessa uns 50 corichos, ou riachos como gostam os paulistas. O Chu respondeu que só queria garantir o almoço, como se alguém fosse fritar os peixes para ele no leilão.

Numa segunda vez, veio com o Chu, que já não trabalhava mais com a gente, para irmos para Piratininga. Chegaram de avião em Campo Grande e de lá para cá em uma van alugada. Era uma turma e muito animada, pois estavam com eles a Maria Tereza com o marido Carlão e a filha Diana, a Michelle, filha do Karmazim com o marido Nônô e a filha Giselle. Fiquei sabendo das discussões da Maria Tereza com sua filha logo na chegada. Na frente do aeroporto tem umas esculturas gigantes de pássaros do pantanal e a Maria Tereza quando viu quis chamar a todos para ver "que linda e bem feita aquelas garças" e fez isso aos gritos. A filha chamou a atenção dela e em sua euforia respondeu:
- Larga de ser chata e deixe eu externar meu contentamento, Diana.
- Pode externar Mamãe, também estou contente e mais ainda de ver sua alegria. A vergonha não é disso, mas de ver que você não diferencia uma garça de um tuiuiú.
É mole?
Quando chegaram, estávamos com tudo preparado, uma garrafa de 5 litros de pinga da minha reserva especial que recebo do pessoal de Piracicaba e que é envelhecida em meu tonel de carvalho que ganhei do sogro do meu filho Guilherme e duas garrafas de wisky Johnny Walker, rótulo azul. Queria agradar aos meus amigos. Passamos uns cinco dias muito agradáveis, secamos a pinga e praticamente só experimentamos o rótulo azul, eles eram profundos conhecedores de cachaça.

Quando eles foram embora o Karmazim me emocionou. Meu filho caçula, o Guilherme, tem uma coleção de facas e ele ficou sabendo disso. No último dia que passamos juntos na fazenda, ele contou uma de suas passagens na segunda guerra. Com um canivete teve que silenciar um alemão para invadirem um depósito de munição. Acabando o relato ele mostrou o canivete usado, a coisa mais linda, cabo de osso, coisa muito fina mesmo e disse que tinha tornado o seu amuleto e o acompanhado a vida toda. Como ele estava velho queria que aquilo continuasse nas mãos de algum amigo, mas que desse valor a esse tipo de arma e que conhecesse sua história. Quando completou que tinha encontrado essa pessoa no meu filho ficamos todos muito emocionados. É a principal peça da coleção do Guilherme e ele, como eu, temos muito orgulho dela. Foi a ultima vez que vi o Karmazim, ele veio a falecer alguns anos depois.

Um comentário:

  1. Querido Tadeu, tantas lembranças....fiquei
    emocionada com o relato. Essa viagem com o papai e a Vick está gravada na minha memória...voltarei um dia ao pantanal que tanto amei, mas infelizmente sem eles...Beijosss kiki

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