sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Viagem a Belo Horizonte

Todas às vezes que pego uma estrada eu me lembro daquela viagem. Teve momentos muito bons e outros terríveis, mas todos inesquecíveis. Era julho de 1974, em plena copa do mundo, era uma sexta feira e o Brasil enfrentava a Argentina no dia seguinte. Minha filha estava com alguns meses e Tontonio tinha levado Lenir para São Paulo para tratamento, pois ela tinha perdido o primeiro filho logo que nasceu. Minha irmã caçula Maria Lucia, então com 14 anos, estava em uma excursão com as coleguinhas do colégio e Mena minha cunhada, fazia cursinho em São Paulo e morava comigo. Esse era o panorama do momento. Para nos distrairmos fomos ao Play Center, parque de diversões recém inaugurado, e quando voltamos para casa, por volta da uma da madrugada, na porta de meu quarto tinha um bilhete da Mena, que ficou cuidando da Laura, dizendo para acordá-la que tinha recado importante para nós. Assim o fizemos e ficamos sabendo que mamãe tinha ligado avisando que Maria Lucia tinha empacado em Belo Horizonte com saudades de casa e era para nós irmos pega-lá. Eu tinha um Maveric e resolvemos sair direto. Não estávamos com sono e se deitássemos naquela hora perderíamos o jogo, e Brasil e Argentina em copa do mundo era impensável.
Estava um frio absurdo e o carro com o sistema de aquecimento ou quebrado ou nunca existiu mesmo, deixava a temperatura interna aparente abaixo de zero e me lembro da neblina congelar no para brisa e termos que parar várias vezes para abastecer o reservatório de água. Se ligasse o limpador depois de congelado podia estragar a borracha. Dirigia com uma mão e sentado sobre a outra e ia revezando. No começo até que estava bom e fomos conversando. Quando chegou o sono é que foi tora. Veio para os dois ao mesmo tempo e não tinha onde parar. Eu dirigindo, dormia de olhos abertos e me sentia no Play Center no trompa trompa e queria encontrar alguém para bater de frente e ver a cara do motorista. Quando acordava com o barulho de caminhão cruzando com a gente que via o perigo pelo qual tínhamos passados. Acordava Tontonio e passava o volante para ele. Deitava e dormia profundamente quando sentia o nariz escorrendo e o ranho congelando. Acordava e achava que estava com hipotermia. Esfregava as mãos, limpava o nariz e desmaiava de novo até que o Tontonio parava e pedia para pegar um pouco, pois ele não agüentava mais. Achava que tinha passado horas e eu já estava recuperado e quando olhava o relógio tinha passado 20, 30 minutos. Pegamos um guarda rodoviário no acostamento e pensamos em entregar o carro para ele dirigir. O puto não tinha carteira. Devia ser o único guarda rodoviário sem carteira do país. Perguntamos se ele não sabia dirigir sem carteira mesmo e desistimos com a resposta de "esse tipo de carro não e eu sou guarda rodoviário, como vou dirigir sem carteira" . Pensei em perguntar que tipo de carro ele sabia mas desisti. Devia ter perguntado pois ia servir para espantar o sono. Com ele conversando com Tontonio consegui dormir mais cumprido e quando peguei fui até BH.
Fomos direto para o hotel, ia começar o jogo, ligamos para Maria Lucia dizendo que já estávamos lá e mentimos que íamos dormir um pouco. A mentira virou verdade e desmaiamos enquanto o Brasil ganhava da Argentina em plena copa do mundo. Acordamos já na hora da janta e resolvemos levar Maria Lucia para comer conosco. No fim foi todo pessoal que cuidou dela depois que a excursão continuou a viagem. Gente muito fina e nos levaram para conhecer a ladeira do amendoim, onde os carros subiam sozinhos. Eu já era engenheiro e conhecia a lei de Newton, e percebi que era ilusão de ótica mas Tontonio começou a acreditar no que nossos anfitriões estavam falando. Você parava o carro e ele ia subindo e diziam que eram forças magnéticas, igual a um imã gigantesco que puxava o carro para cima. Começou uma discussão e o Tontonio começou a me chamar de sabichão, que eu não acreditava nos fatos, estava ali o carro subindo, estava ali o cara explicando do imã e eu cabeça dura discutindo, pior que São Tomé, pois esse bastava ver para crer e eu nem isso. Fui ficando nervoso até que mandei os elementos femininos se afastarem e irem para o carro. Ficou o Tontonio, o mineiro mentiroso e eu. Por sorte eu estava com muita vontade de urinar e assim o fiz. Quando a urina começou a subir eu perguntei a ele se o efeito do imã também atuava em urinas o que o deixou sem resposta. O Tontonio ainda me criticou dizendo que era falta de educação não acreditar nas mentiras do anfitrião e isso na frente dele. Na viagem discutimos para definir o que foi pior, urinar na frente do homem, desmenti-lo ou chamá-lo de mentiroso. No dia seguinte voltamos os três para São Paulo. Acho que foi a única vez que viajamos juntos e sozinhos. O Maveric tinha aquele banco inteiriço na frente e viemos todos neles. A caçulinha no meio de nós dois. Bem dormidos viemos tranqüilos e pensando que se o sono apertasse entregaríamos o carro para ela que já dirigia super bem, apesar de mulher.

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