Estava em minha sala na Mecânica Pesada, quando fui chamado pelo meu gerente Choulian que estava em uma reunião de diretoria. Fiquei meio apreensivo pois não era uma coisa usual e quando cheguei o assunto eram as Pontes Rolantes de Paulo Affonso IV. Tínhamos que reduzir alguns custos, pois estávamos em segundo lugar. Como o primeiro não tinha preenchido todos os quesitos do edital, ia ser feito um confronto entre os dois primeiros, e a Chesf ia aceitar algumas diferenças na especificação.
Com isso teríamos oportunidade de baixar os preços. Quando falei que, provavelmente ficaria mais caro se fizéssemos como eles, o diretor propôs cortarmos o que pagaríamos a França para eles mandarem alguém para acompanhar os cálculos e projetos mas para isso precisava da opinião da Engenharia. Ficamos naquela posição de concordar ou confessar nossa burrice. O Choulian falou para mim que "achava" que eu tinha capacidade de fazer sozinho mas que a última palavra seria minha. Como todo rapaz de 25 anos é louco, topei. Ia construir as maiores pontes do mundo e não teria assistência nenhuma do pessoal da matriz e eu me lembrava que eles estavam com medo da responsabilidade, apesar de toda experiência.
O cálculo foi feito da maneira mais detalhada possível. Não tinha um parafusos que não tivesse sido verificado. O cliente era a Chesf, Companhia Hidroelétrica do São Francisco, e o engenheiro responsável pela compra e verificação do equipamento chamava-se Fernando Samico. Acabamos por ficar muito amigos pois éramos da mesma idade e tínhamos esse equipamento como nosso grande desafio. Eu fazia e ele verificava todos os cálculos e projetos e era quem aprovava os mesmos antes do início da fabricação. Isso durou 6 meses quando, com o projeto aprovado, iniciamos a construção. As pontes ficaram prontas e era algo assustador. As vigas, que normalmente tinham 70 cm de altura, em Paulo Affonso tinham 2,80 m. Todos os equipamentos elétricos ficavam dentro delas. Tinha um sistema de pressurização que não deixava poeira entrar dentro e era um grande armário elétrico. Era a coisa mais linda. No dia do teste de carga, iam colocar 650 ton em teste dinâmico e 810 ton em teste estático. Não pude acompanhar, se bem que não fiz muita questão. Nunca tive coragem de entrar na sala de parto para ver meus filhos nascerem e também estava meio acovardado no dia do teste. Mas me lembro do telefonema do Fernando. Estava na minha sala quando a secretária falou:
- Dr. Fernando na linha. Vai atender?
Com o telefone em uma mão, o cú na outra e o coração na boca, falei:
- Passa.
Ele todo eufórico me falou:
- Cara, vivi a maior emoção da minha vida. O pessoal estava todo preocupado e para demonstrar confiança no equipamento eu fui junto com o operador. Estava preocupado com os comandos e quando perguntei pro operador se já tinham liberado os macacos hidráulicos para o carregamento estático, ele mandou eu olhar para baixo. Aí eu vi aquela carga de blocos de concreto de 810 toneladas balançando. Fiquei com os olhos marejados de lágrimas. O teste dinâmico foi um espetáculo também. Todo mundo batia palmas para o equipamento e nessa hora eu lembrei muito de você. Quando desliguei o telefone, senti aquela sensação de sucesso pela primeira vez na vida, além daquele alívio de quase surpresa do: "Não deu merda?".
Depois me acostumei e construímos os equipamentos das maiores hidroelétricas desse país, como Porto Primavera, Nova Avanhandava, Rosana, Taquarucu, São Simão e a maior delas, Itaipu. Foram comportas, pontes rolantes, pórticos em um sem número. Tínhamos uma equipe espetacular, acho que não existiu outra igual nunca mais. Participávamos de concorrências internacionais e ganhávamos até de nossa licenciadora. As pontes de Paulo Affonso VI serviram não só para adquirirmos auto confiança, mas confiança dos demais departamentos da empresa.
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