quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Isídio

Isídio está na família há mais de 20 anos. Começou quando abrimos um matadouro e ele carneava as reses. O negócio não durou muito tempo e quando fechamos ele veio trabalhar na minha casa como guarda noturno. Com o tempo ele aprendeu a fazer churrasco e ficamos chiques, passamos a ter um churrasqueiro particular, igual aquele do Lula, e o melhor da cidade. Já como guarda não podemos falar a mesma coisa. Tem duas características que não combinam com a profissão: dorminhoco e medroso. Mas é de toda confiança nossa e gosta muito de todos. Viu meus filhos crescerem e protegeu a todos, se não com sua coragem, com certeza com sua dedicação e carinho.
Isídio, o carinhoso...
Lembro-me do dia que cheguei em casa e fiquei preocupado pois eram umas 7 horas da noite e estava tudo escuro e com uma velas acesas pelo chão na entrada. Antes que pudesse pensar e entender o que estava acontecendo, de repente, não mais que de repente, aparece um vulto todo de preto, com uma capa de cetim, e com o braço segurando a capa e escondendo o rosto. Quando já ia sair correndo, ele tira a capa do rosto, e sorrindo com uns dentes falsos de vampiro, faz um comprimento se curvando a minha frente e me diz:
- Milordi, bem vindo a festa dos vampiros.
Eu já quase todo cagado, reconhecendo a peça, falei:
- Isídio, que porra é essa? Quase me borrei todo de susto.
- Seus filhos Doutor. Parece que tem uma festa aqui, um negócio de Alo in e me fizeram colocar esta capa com esses dentes e me treinaram para receber todo mundo assim. Na verdade eles mandaram eu esconder e pular em cima, mas quando vi que era o senhor fiquei com medo de levar um cacete e engolir esses dentes.
Isídio, o corajoso...
Devia ser uma três horas da manhã quando sou acordado com alguém dando porrada na janela de meu quarto. Acordei num pulo, coração a 200 e escuto a voz dele:
- Seu Tadeu, tem ladrão na sala de dona Beá.
Passo a mão no meu 38 e vou abrir a porta da cozinha para ele entrar. O escritório da fazenda era conjugado com minha casa. Compramos o vizinho e abri uma porta fazendo uma ligação direta. Tinha um hall de iluminação interna de 1,5 x 1,5 metros, onde estavam as janelas do banheiro e da sala de Beá, uma de frente para outra. Ele na frente, que só lembrou de sacar seu revólver depois que viu o meu, entrou agachado no banheiro e ficou embaixo da janela. Falou para mim que por ali dava para ver o movimento na sala de Beá. Fomos levantando juntos e antes que eu pudesse ver alguma coisa ele me puxou para baixo e fez sinal que eram dois. Resolvi levantar sozinho e já colocando o revólver engatilhado pela janela e pronto para disparar. Quando firmo o olhar eu me vejo no reflexo da janela de Beá. Ele levanta quando eu começo a dar tchau para o ladrão, primeiro um e quando ele mete a cabeça, agora dois.
Aí que ele viu que o ladrão era ele mesmo. Era o banheiro que ele usava e a janela ficava acima do vaso e na direita de quem esta urinando. Percebi então que estava tudo mijado para fora e quando ele viu que eu tinha percebido ele falou:
- Fica tranqüilo que vou limpar tudo, mas eu já estava mijando quando vi o reflexo. Não vai pensar que me mijei de medo.
Eu já puto de estar acordado naquela hora, escutando uma observação desta, não agüentei e falei:
- Nem me passou isso pela cabeça, pois você é o cara mais corajoso que já conheci. Vai tomar no cú.
Isídio, o dorminhoco...
Fui dormir preocupado com a hora pois já passava das 11 da noite e tinha que acordar às 5 para ir para a fazenda. Devia ser por volta das 3 da madrugada quando acordei com o telefonema de minha sobrinha Mercedes querendo saber o que estava acontecendo em casa pois estava cheio de polícia na porta. Como não tinha nenhum barulho falei que devia ser no vizinho. Ela insistiu que tinha alguma coisa errada e eu, já de saco cheio, peguei o 38 e fui ver o que estava acontecendo. Quando sai na porta já vi o banzé, tinha dois carros de policia, motocicleta com as luzes de advertência ligadas e uns 8 homens fardados. Voltei e guardei o 38. Eles falavam que alguém tinha pulado o muro e entrado em casa. Procurei o guarda e não achei o Isídio. Já tinha gente achando que os assaltantes podiam tê-lo matado. Comecei a chamar por ele, primeiro em um tom normal e com o tempo, aos berros. Depois de uns 3 minutos gritando ele sai de um quartinho onde guardamos as ferramentas a 2 metros de onde estávamos com a cara mais amassada do mundo. Devia estar no quinto sono, aquele mais profundo. Quando falei que viram alguém entrar em casa ele me fala, na maior cara de pau:
- Não é possível pois eu não vi nem ouvi nada.
Me seguraram para não bater nele. Como a confusão não desenrolava, um dos policiais pediu a autorização para subir no telhado, pois tudo indicava que o cara estava escondido nele. Voltei a pegar o treisoitao. Em dois minutos ele volta com o gatuno. Era ladrão de fiação e já tinha cortado o que alimentava a casa. Só não estávamos todos no escuro porque tenho duas entradas de energia. Com o ladrão ainda algemado esperando o camburão, chega um carro da enersul e restaura a ligação. Em menos de uma hora o ladrão estava preso e o dano sanado. Coisa de europeu, tirando o Isídio, é claro.

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