sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O Periquito

Meus filhos são super unidos e isso desde que nasceram. Fico muito contente e orgulhoso com isso. Eu e meu irmão somos assim também, mas teve uma época em que ele não gostava de andar comigo. Ele é 3 anos e pouco mais velho do que eu e em certas idades que essa diferença é muito grande. Apesar de eu ter começado muito cedo em tudo, Elizabeth e Pura com onze anos, tirando "isso", tinha idéias de crianças, enquanto ele com 14 para 15 já era rapazinho. Já os meus filhos tinham todos quase a mesma idade. Os homens então mais ainda. Beto tem 18 meses mais que Daniel e Guilherme, que são gêmeos.
Foram sempre os melhores amigos um do outro. Se tinha disputa era interna, entre eles. Brigavam e se beijavam em seguida. Confirmavam sempre um a mentira do outro. Um contava uma estória cabeluda, daquelas duras de acreditar, como quando o Guilherme pegou a bola na defesa, driblou o time inteiro, deu dois chapéus e quando o goleiro saiu ele só colocou pelo vão das pernas, coisa que nem Pelé fazia, você olhava para o outro e ele repetia tudo igualzinho e completava com um "o senhor precisava ter visto". Às vezes invertia e o mentiroso retribuía a ajuda do outro. Descobri com o tempo que não eram mentiras, mas grandes exageros.
A única vez que vi ódio de um pelo outro foi quando aconteceu a do Periquito. Foi em 1987, Beto com 12 e os gêmeos com 10 anos, encheram o saco do Airton, capataz da fazenda Santa Anatália do avô, para arrumar um periquito para eles. O Airton pegou um bem novinho, nem penas tinha ainda, e o deu a eles. Super recomendado de como e com que deveria ser alimentado. Tinha que fazer um mingau e dar na boca com colherzinha. No começo era a coisa mais horrível aquele bicho. Tinha um corpo pequeno e um cabeção enorme. Parece que todas as aves já nascem com a cabeça que terão adultas e o que cresce e só o resto. Mas depois de alguns dias o bichinho começou a emplumar e já estava até bonitinho. Foi quando tudo aconteceu.
Ia cedo para fazenda e eles quiseram ir comigo. Como nossa casa estava em reforma morávamos na de meus sogros. Quando acordei os três deviam ser 4:30 da manhã e já levantaram correndo pois tinham que fazer a comida do periquito antes de irem. O mesmo ficava numa caixa de sapato e dentro do quarto deles. Desceram e foram para a cozinha fazer o mingau. Na realidade o Beto com o Guilherme pois o Daniel ainda estava meio sonado. Os dois dando a papa pro bichinho e o Daniel, meio dormindo ainda, só olhando. Quando acabaram o café da manhã deixaram ele no chão um pouco para fazer um exercício antes de voltar para a caixa. Como o Daniel não tinha ajudado em nada pediram que ele fosse pegar a caixa para colocar o bichinho e irmos para a fazenda. O gurizinho meio dormindo se levantou, não viu o periquito, e pisou nele. Quebrou seu pescoço e vi na hora que não tinha mais jeito. A cara de ódio e decepção dos dois foram impressionantes e pedi ao Daniel que ele trouxesse água correndo que ele ia ficar bom. Quando ele saiu eu falei a Beto e Guilherme que não tinha mais jeito mas que não poderíamos zangar com Daniel ou ele ficaria traumatizado pelo resto da vida, que agora era a hora de mostrarmos união e o que era realmente importante para a gente. Afinal de contas era só um periquito. Encerrei o discurso e fiquei aguardando.
Quando ele chegou com a água os dois o abraçaram e disseram que tinha sido um acidente e que ele não ficasse chateado que iam arrumar outro. No fim quem acabou quase chorando fui eu. Assimilaram a lição bem até demais, pois um cacetezinho o Daniel bem que merecia.
 Alguns meses depois ganharam um outro, já maiorzinho e emplumado. Esse escapou do Daniel mas não do gato do vizinho. Quando Beá chegou em casa e viu a sala não entendeu o que tinha acontecido. Chacinaram alguém nela. Chamou os dois e foi esclarecida. Pegaram o gato que comeu o periquito de estimação deles e não foi sem querer como com o Daniel. Acho que existia uma raiva reprimida ali, pois abateram o gato a tiros. Com espingarda de chumbinhos de ar comprimido e com mais de cem tiros. Brinca com eles, brinca!

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Viagem a Europa

Muitas das viagens de férias que fiz foram meio na marra. Começavam a programar e eu não participava muito da organização e com isso perdia uma parte gostosa que é a preparação. Da última eu participei ativamente. Resolvemos ir para Portugal, Espanha e França. Não queríamos passar apertados com a língua e Português e Espanhol nós dominávamos bem, assim achávamos, e para o francês tinha a Elena, filha do Cauto com Mena e companheiros na empreitada, que morava em Paris e nos daria o suporte necessário.
Embarcamos para Paris onde faríamos um transbordo para Portugal. A passagem era São Paulo - Paris ida e volta. Como se já não fosse suficientemente longe conseguimos um preço melhor comprando assim mas o programa era começar em Lisboa e terminar em Paris. No aeroporto de Lisboa alugamos uma Renault e já fizemos a primeira besteira. Para definir se seria a gasolina ou a diesel, nós dois engenheiros, erramos nos cálculos e pegamos o a diesel que só seria mais econômico a partir de 3000 km rodados, enquanto íamos rodar só 450 km. Erramos em uma casa decimal.
Eu ia de o motorista e Cauto de navegador. A segunda besteira foi quando regulamos o GPS e não vimos que existia uma opção para tipo de veículo e não sei porque cargas d'agua o nosso estava definido como bicicleta. O Cauto, de olho no GPS ia dando as diretrizes e quando entrávamos nas rotatórias o diálogo era mais ou menos assim:
- Vai pegando a direita que tem que sair na próxima.
- Certo - eu falava
- Já passou - ele respondia. E a porra do aparelho completava:
- Recalculando a rota.
Aí quebrávamos o pau, ele dizendo que eu ia muito rápido e eu reclamando que ele não sabia ler a porra de um mapinha nem com a ajuda de uma mulher, o GPS falava, assoprando pra ele. Isso foi até o dia que fomos a um restaurante e o bichinho nos colocou em uma rua que ia afunilando, afunilando até chegar em um trecho que ela tinha 1.5 m da largura total e a vozinha do aparelho mandando eu seguir em frente... Aí que caiu a ficha que a merda não sabia que estávamos de carro. Daí pra frente as cagadas foram só por conta do Cauto, que ainda foram inúmeras.
A Mena, depois da primeira furada de sinal que dei, também o mesmo estava no meio de umas árvores, assumiu como co-piloto. Não tinha um farol que ela não irradiasse, e dependendo da cor era o tom da voz. Verde era em dó menor e vermelho em si maior. Não sei o que era pior, furar o sinal ou os sustos que ela me dava. Na realidade, em todo o tempo de viagem, ela só salvou duas motocicletas, dois pedestres e um grupo de turistas japoneses. As outras inúmeras vezes eu estava atento e ela exagerou.
As coisas iam bem até pararmos para abastecer o carro pela primeira vez. Comecei a procurar a alavanca que abria a tampa do combustível. Nada no painel. Desci do carro e procurei no piso. Nada. Devia ser na chave. Fui até o local e nada. Comecei a ficar nervoso pois os postos lá eram todos tipo self service e não tinha bombeiros. Esgotada todas as possibilidades resolvemos pedir ajuda a um português que estava abastecendo ao lado. Cheguei nele e falei:
- O senhor nos desculpe nas não consigo abrir a tampa do tanque do meu carro. Somos brasileiros e quando alugamos a agência não nos mostrou como é. O português, muito solicito, foi até o carro, colocou o dedo na reentrância que tinha na tampa e a puxou, falando:
- Assim
A porra não tinha trava, e ficou eu e Cauto com a maior cara de bundão olhando para ele. Nem agradeci, pois ele devia conhecer o Brasil e devia estar pensando "e os portugueses é que são burros"!
Na viagem de Porto para Salamanca, esse era o maior trecho, bateu aquela vontade irresistível em Beá de ir ao banheiro e foi nossa primeira incursão na língua espanhola. Paramos em um posto e fomos até a loja de conveniência. As duas já chegaram perguntando pelo banho e a atendente respondeu que existia algo com "el banõ". Acharam que ela não queria dar as chaves pois não tínhamos consumido nada e resolveram explicar que iam fazer as necessidades e depois consumiriam o que a mulher quisesse e isso com a vontade aumentando. Foi quando a espanhola explicou, batendo com dois dedos na mesa, que " el banho está ES – TRO – PI – A – DO". Isso foi o mesmo que fazer cócegas nas duas e naquela situação... Beá urinou nas calças. A atendente quando viu que a coisa era séria, apontou para o restaurante que ficava em outro prédio, a uns 50 metros de distância, e as duas, uma já vazando, correram para lá. Eu e Cauto acompanhamos de passito e quando chegamos só tinha uma mesa ocupada por um casal. Quando eles nos viram, falaram que "las duas mujeres entraram corriendo em el banho y no tiveran tiempo de avisar que era el banho de los hombres." Ficamos de guarda na porta e quando as duas saíram que vieram as explicações.
A Beá entrou direto no único compartimento com vaso, deixando Mena do lado de fora esperando e aí, pela presença dos mictórios, percebeu que estavam em banheiro errado. Queria tirar Beá de qualquer jeito da casinha e não conseguindo resolveu ir para fora e montar guarda junto com a gente. Quando quisemos dizer que eram loucas, as explicações continuaram, que a marcação na porta era coisa de português, não de espanhol. O fraque do homem parecia um vestido, a cartola um leque e aí veio a pérola, a bengala uma sombrinha fechada. Isso tudo com o banheiro das mulheres ao lado e com uma lady muito bem desenhada na porta.
As inúmeras outras ficam para a próxima.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

João Celpa

Quando saí da Mecânica Pesada e vim para Corumbá, passei pela maior mudança de vida que alguém pode imaginar. Lá eu era um executivo em uma empresa em que as normas tinham mais de mil folhas. Tinha o procedimento do chefe e para com o chefe, deveres e obrigações detalhadas e separadas. Eu era o chefe de departamento de engenharia e tinha mais ou menos 40 pessoas trabalhando sob meu comando, todos de um bom nível, sendo os desenhistas os mais baixos e os engenheiros os mais altos.

Quando comecei a trabalhar com fazendas o nível mudou drasticamente. Eu não era mais só o chefe e me via em cada situação incrível. A mais estranha foi quando o nosso praieiro da fazenda Canaã me fez o pedido mais estranho de todos. Queria que eu pedisse a mão da Dona Dunga, nossa cozinheira, em casamento. Ele estava apaixonado. João Celpa devia estar na casa dos 70 e Dona Dunga na dos 60. Para não rir daquela situação já foi um sacrifício e ele só me deixou depois de prometer que iria conseguir que a velha aceitasse se casar com ele.

Fui na Dunga e quando falei do pedido quase que ela enfartou. Não usou nenhum palavrão porque me respeitava muito, caso contrário teria me batido. Ela tinha horror ao João. Só o chamava de velho tarado. Sondava ela no banho e por duas vezes quis forçar a porta de seu quarto. Aceitei a recusa e fui tomar satisfação com o Celpa. Que merda era essa de velho tarado. Ele começou a se explicar que ela tirou isso só porque ele tinha uma verga de quati seco que tomava ralado junto com o guaraná. Como não entendi nada ele explicou.

- Seu Tadeu, a gente pega um quati mundéu, que é um desses velhos que já está excluído do grupo, mata e tira a verga (pênis) dele. Deixa dar uma secada e rala todo dia um pouquinho e toma junto com o guaraná. Se só o guaraná já é bom pro trem com a pica do quati fica um foguete.

Respondi na mesma simplicidade:

- A Dunga não quer entrar no seu foguete, seu João

Aí fui devidamente esclarecido

- Ela já entrou no foguete, seu Tadeu. As duas vezes que eu tentei arrombar a porta eu consegui.

- Então seu João, o que aconteceu que a velha revoltou com o senhor?

- Pra falar a verdade seu Tadeu acho que o foguete explodiu muito cedo mas já melhorei a dosagem do quati e ela não quer experimentar de novo. Então pensei em casar logo que já to muito velho para ficar arrombando porta.

Já não me agüentava não só de vontade de rir, como também de ver de perto essa mistura explosiva de guaraná com verga de quati. Voltei na Dunga de novo e falei que as intenções dele eram sérias e como ela não sabia que eu estava por dentro da história do foguete, para provocar falei que era só para ajuntar os trapinhos, um cuidar do outro na velhice, que nem devia rolar mais nada de sério com ele. Foi só eu tocar no assunto que a velha desembuchou tudo e me contou que foi violentada por ele. Na primeira arrombada da porta, foram três vezes e na segunda quatro e que ela nunca tinha visto velho mais tarado. Comecei a ficar seriamente interessado na mistura do João Celpa. Como eu sabia que a velha era dinheirista, falei com meus botões mas num tom que ela podia escutar.

- Bom, vou dar outro jeito na geladeira.

Geladeira em fazenda era artigo de alto luxo. Nunca teve pois não tinha energia elétrica. Quando fizemos a rede, como já não tinha o costume, a prioridade para a geladeira era baixa. Tinha freezer para conservar a carne e no trabalho de gado as vacinas, mas geladeira não.

Dona Dunga quando ouviu a palavra GELADEIRA, quis que eu esclarecesse o pensamento, foi quando falei:

- Não é D. Dunga, mas eu tinha tanta certeza que a senhora ia aceitar o pedido e eu ia ser o padrinho que até já tinha encomendado o presente. Aquelas de porta dupla com congelador separado. Mas não tem problemas que eu dou outro jeito.

Na maior cara de pau ela perguntou:

- Brastemp?

- Lógico - respondi.

- Bom, mas o senhor não me falou que as coisas estavam tão adiantadas assim. Marque a data.

Com isso eu comprovei as palavras de meu genro, que tudo nesta vida vai ou na porrada ou no dinheiro, e quando não vai, é porque faltou ou porrada ou dinheiro. A porra da velha ia se casar por uma brastemp. Mas o destino aprontou com seu João Celpa e depois de tudo, com data marcada, ela largou dele para ficar com um rapazinho de 40 anos, o Odilon.

Quando fui conversar com o João, ele estava inconsolável, coisa de dar pena. Falei que ele arrumava outra, que ela não era a única no mundo, quando ele me surpreendeu mais uma vez.

- Não é por isso não seu Tadeu, é pela minha burrice que estou triste. Eu que ensinei a mistura da pica do quati com guaraná para o filho da puta. O senhor me desculpe o palavrão mas não tenho outra definição para ele.

Hoje eu sei que a D.Dunga já morreu há uns 5 anos atrás, do seu João eu não tenho notícias. Quando ele fez 78 anos eu o trouxe para ficar de guarda no meu escritório. Tem um apartamento nos fundos da empresa. Tive que demiti-lo quando, num domingo, encontrei o portão aberto e dentro de seu apartamento estava uma paraguaia de uns 70 anos pelada e embriagada e o João Celpa descornado na cama, devidamente pelado também. Quase que tive que aloitar com a mulher para colocá-la para fora. A mistura do foguete devia ainda estar funcionando e eu recomendo a todos. Haja quati.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O cara de pau

Quando você convive com muita gente por muito tempo, e 5 anos para quem tem 17 é bastante, você faz muitas amizades e depois de passado realmente muito tempo é que você vai ver a importância que cada uma teve na sua vida. Com esse negócio de escrever sobre o passado para poder registrá-lo, comecei a pensar no meu período de Mauá, que foi de 1968 a 1972, e das pessoas que o marcaram.
Edgar Pereira dos Santos foi uma e não tem como esquecê-lo. Ele era muito engraçado e muito escrachado. Tinha um karmanguia quando todo mundo andava de fusca ou no máximo de corcel. Era bom aluno, mas o mais bagunceiro da turma. Vivia aprontando:
Eu estava usando um retroprojetor nas aulas de Resistência dos Materiais do professor titular Gaspar Ricardo, o auxiliando na projeção e toda vez que ele ficava de frente para os alunos e de costa para a tela de projeção, o Edgar colocava uma revistinha de sacanagem, daquelas do Carlos Zefiro, por cima do livro que estava sendo projetado e ficava aquela situação. Uma trepada na tela com todo mundo segurando o riso e com o mestre explicando os detalhes da resistência dos materiais. Ele ia folheando a revistinha e só a retirava na hora H.
Outras vezes ele começava a abanar o colega do lado e chamar o cara de porco, como se o infeliz tivesse peidado.
Tinha uns professores que eram super metódicos e o mais deles era o Samuel Karlik, de física. Você não podia espirrar na aula que ele mostrava aquela cara de aborrecido. Ele chegava 5 minutos antes da hora e ficava aguardando os alunos. Na hora que tocava a campainha, toda sala tinha uma para avisar do início das aulas, ele trancava a porta e quem estivesse para fora dançava. Numa dessas, ele em cima do tablado aguardando o sinal, com toda a turma se arrumando para o início da aula, me entra correndo o Edgar. A porta da sala era daquelas de ferro e vidro e devia ter quase três metros de altura. Na velocidade que ele entrou ele puxou a porta para fechá-la como se tivesse um cachorro atrás querendo pega-lo, lembrei-me do Tek na hora, tropeçou no tablado e caiu de joelho aos pés do Karlic. Ele se levantou arrumando os óculos escuros, daqueles redondos, que tinha soltado a haste de uma orelha. O Samuel perguntou indignado a ele:
- O senhor pode me explicar o que esta acontecendo aqui?
Ele respondeu de pronto:
- De que jeito professor se estou chegando agora.
Nem o Samuel agüentou sem rir.
Seu grande amigo era o Henri, um alemão e o único casado da turma. Ele vivia pegando no pé do Henri, e uma das vezes, foi meio que literal. Ele tinha confessado ao amigo que estava em uma fase de ter tara por pés. Teve a época dos seios, depois veio a das bundas seguido por cinturinhas de pilão e no momento estava que não podia ver um pezinho bem feito que ficava com vontade de chupar o dedão. Confessado isso ao amigo foi estudar com ele em sua casa. Estavam vendo o jornal na televisão quando a esposa do Henri veio servir um cafezinho aos dois. Isso contado pelo Henri com o Edgar escutando com a maior cara de sacana do mundo. Veio do jeito que estava, tinha acabado de tomar banho e estava de shorts, uma blusinha sem soutien mostrando a barriga e sandálias havaianas. Quando o Henri viu a esposa começou a gritar para ela voltar imediatamente e calçar um sapato fechado. Depois de repetir três vezes pois a mulher não conseguia entender o que ele falava e achava a coisa mais sem nexo, ela perguntou ao Edgar o que estava acontecendo, o que ele respondeu, para gozar o Henri.
- Não é nada não. Sente aqui perto da gente e ponha os pés em cima da mesa.
Quase acabou a amizade ali.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Ivan Chu

Peguei meu Ford Corcel e fui para Taubaté fazer a entrevista com o chefe de departamento de engenharia. Trabalhava na Bardella em São Paulo e queria trocar de empresa e de cidade, mas não de ramo pois gostava de máquinas de transporte e levantamento, que era o que eu fazia na Bardella. Trabalhava na área de engenharia de orçamentos e queria ir para a área de projetos, e de preferência para cálculos, que para mim era o coração da coisera toda. Queríamos, eu e Beá, mudar para o interior e depois de analisar todas as opções concluímos que Taubaté com a Mecânica Pesada era a melhor. Precisava agora convencer meu entrevistador que eu seria a melhor opção para a empresa. Tinha pouca experiência para apresentar pois tinha só um ano de formado, mas eram as cadeiras que mais me dediquei na faculdade e sentia que dominava a matéria. Tinha que dar tudo certo. Quando me apresentei ao chefe do departamento de engenharia, o engenheiro Ivan Marcel Madeleine Chu, eu estava muito nervoso. Ele era filho de pai chinês com mãe francesa, a empresa era uma multinacional francesa e de francês eu só conhecia a Brigite Bardot. Começamos a conversar e vi que ele estava precisando contratar dois calculistas, e um para a área de transporte e levantamentos. A empresa trabalhava também com máquinas hidráulicas, comportas e turbinas, ficando completa no ramo de hidroelétricas, e fabricava ainda equipamentos de siderurgia e motores marítimos, uns monstros de 15.000 cavalos. Ficamos duas horas conversando e o teste foi demorado e quando acabou ele pegou meu telefone e disse que entrava em contato. Dancei, pensei, senti que eles queriam alguém com mais experiência, pois tinham perdido os dois calculistas ao mesmo tempo, o Paulo Coelho e o Pablo Posterla, e na entrevista fiquei sabendo que eram duas feras com mestrado, o primeiro no ITA e o segundo, um argentino, em Stanford, EUA. Não ia ser fácil, mas como estavam sem nenhum e pedi salário de engenheiro com um ano de formado, talvez pegasse a vaga do segundo. Depois de uma semana o Chu me telefonou perguntando quanto tempo eu precisava para começar. Tinha sido contratado, não sabia para que lugar, mas estava dentro. Falei que o aviso prévio era de um mês e gostaria de cumpri-lo e que pediria a demissão no dia seguinte.
Tudo acertado por telefone, no primeiro fim de semana fui conhecer Taubaté com Beá. Fomos nas imobiliárias para procurar uma casa para alugar e aí tivemos a primeira surpresa. Eu ia com um salário de 4.900.000 e a casa mais barata que achamos valia 3.000.000. Íamos passar fome ou recorrer aos nossos papais. Em São Paulo tínhamos casa própria e ganhava exatamente igual. Fomos nos afastando para a periferia procurando algo mais barato e acabamos saindo da cidade e indo parar em Tremembé. Era uma cidadezinha de 5000 habitantes e a 6 km de Taubaté. Não daria para ir almoçar em casa todo dia pois a Mecânica Pesada também ficava fora da cidade mas no sentido oposto e daria uns 10 Km de casa até o serviço, o que não era tão longe também e por 1.500.000 conseguimos uma merda de casa mas que tinha dois quartos e laje. O que aparecia em Taubaté nesse preço eram umas palhoças. Aí que ficamos sabendo que a cidade vivia um momento de hiper crescimento. Não havia casas suficiente para acomodar todos que estavam indo para lá e que todas as indústrias de São Paulo estavam se interiorizando e com uma grande parte escolhendo Taubaté. O Chu trabalhou 6 meses como meu chefe, brigou com o gerente da fábrica e acabou saindo da Mecânica. Para seu lugar foi promovido o Onik Choulian, mas esses seis meses que passei com o Chu foram muito proveitosos e aprendi muito com ele. Depois de alguns anos ele voltou ao grupo e como coordenador de um consórcio que a Mecânica Pesada era a líder e eu o chefe do departamento de engenharia, cargo que era dele quando me contratou. Estávamos com um problema sério pois eu não conseguia aprovar o projeto de um componente importante das comportas de um setor de Porto Primavera. O engenheiro da empresa consultora não entendia muito de protensão, que é uma especialidade da engenharia civil, e queria que eu mudasse uma coisa certa. Não entrávamos em um acordo e aquilo estava ameaçando atrasar o projeto de toda usina. O Chu, como coordenador, estava preocupado e também já sendo responsabilizado por aquilo. Resolveu marcar uma reunião com todos os envolvidos para sair dela com o impasse resolvido e teve uma prévia comigo antes.
- Tadeu, você esta levando este caso para o lado pessoal e vai prejudicar todo o projeto.
- Chu, se for assim, ele também. Você só está me apertando para ceder porque tem mais liberdade comigo. Quem tem que ceder é quem está errado e o cara não entende porta nenhuma de protensão e não quer aprender.
Ele era bom de argumentos e respondeu:
- Quem tem que ceder é quem tem mais a perder com esse atraso e somos nós. Marquei essa reunião e é sua última chance. Se não sair com a solução de lá vou ter que ir a diretoria da MEP e reclamar de você.
Curto e grosso.
Fomos para a reunião composta de um monte de engenheiros, sendo três da Cesp, que era a cliente, três da Themag, que era a empresa contratada para aprovar nosso projeto e a criadora de toda confusão, eu da MEP, criador da confusão na opinião deles e o Chu o coordenador de todos. Armaram um circo para mim e me deram uma aula de protensão com direito a aqueles cavaletes onde o carinha com canetas hidrográficas de várias cores ia demonstrando as teorias dele e deixando tudo registrado. Quando tentei interrompe-lo, me pediram asperamente que o aguardasse terminar e aí eu teria a palavra e todos me escutariam também e julgariam. Me senti réu e advogado de defesa em um julgamento sumário e com o Chu já me olhando feio na primeira tentativa de abortar aquela discussão inútil. Fiquei quieto e pela primeira vez resolvi prestar atenção no que o engenheiro falava para poder detectar onde ele estava errando e tentar mostrar a todos o problema. Memorizei até as folhas onde estavam os erros. Quando ele acabou a exposição estava muito satisfeito e me estendendo a caneta hidrográfica, jocosamente me chamou de doutor. Não nos tratávamos assim. Peguei a caneta dele e fui direto nos pontos errados circundando os mesmos com caneta de outra cor, que eram todos devido a um problema conceitual da engenharia. O colega não conhecia o principio da superposição de efeitos e que forças internas não se transmitem para os apoios. Peguei a caneta e fui colocando as coisas em ordem e quando percebi que ele não estava prestando atenção não me agüentei e falei:
- Fulano (vou poupar seu nome aqui) se você estiver certo com a sua teoria, você abre essa janela aí (estávamos no vigésimo andar) e pule por ela sentado em sua cadeira. Quando for cair, você com seus braços segurando no assento, pressione o mesmo em sua bunda e a força da cadeira no seu rabo vai fazer você subir. Isso que você demonstrou aqui.
Aí ele prestou atenção. Quando olhei para o Chu ele estava com os braços sobre a mesa e a testa apoiada neles, não sei se para não dar risadas, ou de vergonha do "sua bunda".
Quando vi que já tinha extrapolado completei:
- Prove agora praticando.
Acho que aí que caiu a ficha do companheiro e todos concordaram na hora comigo. Na saída o Chu ainda me falou que eu tinha jogado muito alto e arrumado um inimigo pro resto da vida. Como ainda estava meio nervoso falei que essa parte não tinha entrado no acordo e o importante era que tínhamos aprovado a porra do projeto. Mas ele se enganou e acho que comigo foi a única vez na vida. O cara ficou super amigo e nunca mais reprovou nada meu. Quando tinha dúvidas me telefonava e resolvíamos tudo antecipadamente. Acho que esse é o princípio do desfibrilador. Choque que mata e choque que salva.
Mas do Chu tem muitas e fica para a parte 2.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O avalista

Corumbá de 40 anos atrás era muito pequena e papai era comerciante e banqueiro e conhecia todo mundo. Mamãe chegava ao absurdo de fazer vale em papel de pão e o cara ir ao banco e sacar o dinheiro com aquilo. Depois o gerente ia até a casa Marinho e levava um talão de cheques para papai entregar a Mamãe e trocar o vale por seu cheque. Como todo mundo conhecia todo mundo você tinha que ter alguns princípios e aprendi alguns com papai de uma maneira muito engraçada.
Uma aconteceu quando resolvi comprar o meu primeiro carro. Depois de muita conta cheguei a conclusão que com a minha mesada de estudante e meu salário de estagiário conseguiria pagar as prestações de um opala 72 amarelo, quatro cilindros, 2,5 litros e todo incrementado. Tinha um opala quatro portas mas era muito social e queria aquele super esportivo para a época. Ia entregar o velho por 14.000.0000 de não sei o que e completaria o outro com 10.000.000 que financiaria em 24 vezes. Com a papelada toda em ordem fui a papai para ele avalizar para mim. Ele pegou aquele calhamaço leu, releu, leu de novo e falou:
- Vou te dar os 10.000.000 de não sei o que.
- Não pai, eu quero comprar com meu dinheiro e só quero que o senhor avalize os títulos para mim.
- Larga disso, eu pago a diferença e não se fala mais disso.
- Pô pai, eu que quero pagar, você não tá entendendo?
- Você que não tá entendendo, eu não quero avalizar.
- Mas pai, você acha que vou deixar de pagar?
- Lógico que não, mas não quero passar por mentiroso. Se eu der aval para você não vou poder falar mais que não avalizo nem pra filho.
E não avalizou. Tive que pedir para Tontônio.
Uma outra vez ele vinha de Lins para Campo Grande com Tontônio em seu fusca. Pararam para abastecer e quando foram dar partida o bichinho não pegou, estava de bateria arriada. Andando em estrada, arriar bateria podia jogar fora que não tinha jeito. Por sorte existia uma auto peças no próprio posto e foram comprar a bateria. Quando papai foi assinar o cheque o vendedor recusou o mesmo o que deixou meu velho indignado. Mostrou todos os documentos, falou que era de Corumbá e comerciante, que vendia baterias também e mais um monte, mas não sensibilizou o vendedor, que era também o dono da loja. Como último argumento pegou o seu cartão de visitas do Banco Financial de Mato Grosso onde aparecia seu título de Diretor Presidente. Na hora o cara aceitou o cheque. Assim que a bateria estava instalada papai virou para ele e falou:
- Mal julgador que você é. Eu aqui na sua presença, olho no olho, e você não acreditou em mim e sim num pedaço de papelão que se pode fazer em qualquer gráfica e escrever o que quiser embaixo do seu nome. Vou te dizer a verdade. Eu não sou diretor presidente porra nenhuma desse banco.
- Ah, é. Falou o careta já meio branco vendo o dinheiro da bateria ir pro saco.
Aí papai completou:
- É, sou o dono dessa merda aí.
E foi-se todo contente.
Dessa vez ele saiu por cima mas teve a vez que ele foi a Taubaté. Estava sem dinheiro e pediu que Bea o levasse ao Bradesco para trocar um cheque. Chegando no caixa e este vendo que o cheque era de outra praça falou que tinha que esperar a compensação e demorava 48 horas. Papai já indignou e pediu para falar com o gerente, quando explicou que ele era de Corumbá e que o gerente deveria consultar o cheque por telefone. Ele, sem ser grosso, respondeu que não faria outra coisa se fosse sempre proceder assim. Quando Bea, com 21 anos de idade, viu que a coisa ia encravar, falou:
- Seu Alberto, não de preocupe que tenho dinheiro e desconto o cheque para o senhor.
Foi aí que o gerente viu que eles estavam juntos e conhecia Bea, pois meu salário era depositado em conta corrente, e disse a ele:
- Porque o senhor não falou que estava com ela, evitava essa conversa toda. Faça o cheque nominal a ela e ela endossando eu libero o dinheiro na hora, a quantia que o senhor quiser. Ele ficou meio relutante, acho que lembrando do dia em que não quis avalizar para mim, mas acabou topando. Afinal de contas ele falava que não dava aval para ninguém e agora podia completar que nem pra filho e nem pra quem avalizava para ele.
Esse sim era metódico.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O Beijo

Eu não gostava de filosofia, apesar de admirar quem conhecia o assunto, até começar a conversar com o Dr. Ubirajara e ver as teorias filosóficas dele cheias de lógica. Foi a pessoa que me fez ver que existe lógica em tudo e que direito é lógica direto e você só tem que aceitar os princípios, exatamente como os postulados da matemática, e a partir daí é lógica pura. Às vezes ficávamos horas conversando sobre direito romano, como, quando e porque começou. Podia ficar ouvindo-o por horas e ele sabia disso. Me arrependo hoje de não ter conversado mais com ele. Tinha o melhor professor particular de direito e não sabia disso. Existiram muitos lances engraçados patrocinados pelo Bira. Tivemos uma audiência trabalhista, onde um gerente nosso que não era registrado, queria provar que ele não era gerente coisa nenhuma e que eu não quis registrá-lo, enquanto a verdade era que ele era o responsável pelos registros de todos empregados da fazenda. O juiz do qual não me lembro mais o nome estava escutando o depoimento de uma testemunha e ditando para o escrivão quando a testemunha falou:

- Eu já vi o Sr Tadeu quando ele estava de visita na fazenda e dava as ordens diretamente para a gente.

O juiz mandou transcrever que a testemunha confirmou que recebia ordens diretamente do Sr. Tadeu. Quando ele falou isso eu achei que seríamos todos presos por desacato. O Bira deu uma porrada na mesa e falou que o meritíssimo estava deturpando as palavras da testemunha. Que ele queria esclarecer o "já tinha visto" e a "visita". Como um empregado vê o seu chefe diário em visita e declara que já o tinha visto? Na hora que ele argüiu a testemunha ela confirmou que tinha me visto nos fins de semana e que nos outros dias quem ditava as ordens era o gerente. Ganhamos a questão.

Em outras vezes, ele já não enxergava muito bem e eu sentava ao seu lado nas audiências. Como eu não podia falar, às vezes cochichávamos e para isso eu me inclinava para o lado dele e inúmeras vezes ele errava o cálculo de distância e quando ia falar no meu ouvido acabava por bater o nariz nas minhas bochechas, o que era motivo de risos de todos na mesa. Às vezes, para quebrar o gelo, eu brincava que mais um beijo daqueles eu apaixonava e todos rachavam de dar risadas, mas ele tinha o respeito de todos desde o advogado da outra parte até o juiz.

Nunca comprei nada que não passasse pela sua análise e aprovação e esse procedimento já afastava os pilantras. Enquanto o Bira era vivo nunca entramos em fria, de qualquer espécie, entretanto depois que ele se foi... Hoje tenho certeza que advogado bom é aquele que resolve seus problemas e advogado ótimo é aquele que não deixa você entrar em nenhum. Esse era o Ubirajara Sebastião de Castro. Você, às vezes, tinha que tomar uns beijos dele mas valia a pena.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Metrô de paris

Quando estávamos em Paris nas ultimas férias, a família Pion nos convidou para comer pato em um restaurante no centro da cidade. Queriam nos pegar no hotel mas sabíamos que a casa do Irmão da Chantal sua esposa, onde eles estavam hospedados, era perto do restaurante e falamos que não era necessário. Ele, achamos na hora que por excesso de gentileza, nos deu os dois bilhetes de metro. Achamos super simpático da parte dele e pegamos o endereço do restaurante, a estação que teríamos que descer, isso tudo em um mapa muito bem desenhado. Marcamos a hora do encontro no restaurante e fomos para o hotel nos aprontar. Saímos muito tranqüilos já nos sentindo parisienses e perfeitamente aptos a andar sozinhos pelas ruas de Paris. Quando chegamos na estação, pedi os tickets para Beá que depois de revirar a bolsa umas três vezes concluiu que os tinha esquecido no hotel, mas não tinha problemas, era irmos até a máquina e comprar os mesmos. Encostamos na mesma e vimos a tela com as varias opções, só ida, ida e volta, ticket com 10 passadas na catraca e por aí a fora. Optamos por pegar dois duplos para ida e volta. Bastava colocar o cursor, que era uma parte iluminada sobre a opção, colocar o dinheiro no local marcado e apertar o botão de emitir o bilhete, só que não encontrávamos o mouse. Como mudar aquela luzinha de lugar? Achamos que a tela era do tipo touch screen e começamos a passar o dedão sobe o vidro. Depois de deixá-lo totalmente ensebado, resolvemos tomar informações no balcão próprio para isso, mas com um detalhe, a informante só falava francês. Depois de tentar explicar de tudo quanto é maneira que não conseguíamos movimentar o cursor e a informante não entendendo porra nenhuma, entendi porque o Pion tinha comprado os bilhetes para nós. Como bom calculista ele previu isso. Voltamos a máquina e eu de saco cheio resolvi dar um tranco nela. Tinha uma alça que ficava de frente para a tela e parecia um porta toalha. Pensei que fosse para facilitar o transporte da mesma. Quando dei a porrada nela o cursou fez aquele barulhinho de mudança de posição. Aquela alça era o mouse e você rodava a mesma em torno de seu eixo fazendo o cursor ir para frente e para trás. Nunca vi coisa mas bem disfarçada que aquela porra de mouse. 
Compramos o ticket e fomos para o restaurante. Estávamos atrasados e nervosos e com isso descemos na estação errada. Preocupados com a hora tivemos que correr pelas ruas e estávamos a umas 10 quadras do restaurante. Chegamos e estava o Jean Batiste com a Benedicte, os filhos, nos esperando. Os Pions tinham saídos para nos resgatar pois já imaginavam que estávamos perdidos. Vimos depois que o mapa dele é que estava errado. Mandou a gente pegar a linha verde e descer numa estação da linha azul. Como estava justificado o nosso atraso resolvemos não falar nada da máquina bilheteira. Não ficava bem para um casal quase parisiense o acontecido. Comemos um pato delicioso, se bem que para mim estava meio cru. Aqui no Brasil quando a carne vem muito mal passada a gente fala que o boi estava berrando. Esse pato tive que segura-lo duro para não sair voando do meu prato, mas estava muito gostoso, talvez sem penas... Foi uma noite inesquecível.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

George Pion

Devia ser por volta de fins 1979, inicio de 1980. Consigo precisar a data pois lembro que estava fazendo meu mestrado e ia começar o quinto semestre. Ia fazer a cadeira de Elementos Finitos com o professor Bismark e nessa história que me lembrei dele e não o citei nos "meus mestres". O Choliuan me falou que estava vindo um francês, especialista em computação e em Elementos Finitos para nos ajudar nos cálculos estruturais. Era o início da informatização do cálculo estrutural. Me formei em 1972 com régua de cálculos e então, 8 anos depois, tínhamos um computador monstruoso a nossa disposição. Minha sala ficava interligada por um cabo telefônico a IBM de São Paulo, onde podíamos rodar todos os nossos programas. Precisávamos de um especialista em programação pois não era como hoje onde os programas são todos umas caixas pretas em que você introduz os dados de um lado e sai o resultado de outro. Você que tinha que parametrizar tudo e desenvolver todo o programa em linguagem fortran, entrar com uma análise matricial monstruosa e depois ficar 10 dias analisando os resultados. Mas era preciso e você conseguia diminuir o peso das estruturas e fazer equipamentos cada vez mais leves e baratos.
Quando me falaram que vinha um francês para ser o nosso analista de sistemas fiquei um pouco preocupado pois a fama era que eles se julgavam os bons e nos consideravam uns índios que não sabiam nada. Outro problema era a língua. Os franceses tinham a fama de considerar sua língua universal e de se recusar a falar qualquer outra. Teríamos um problema sério de comunicação, pois para mim, língua universal era o Português, que vinha do latim. Quando chegou o Pion, o Choulian reuniu toda a equipe da engenharia para apresentá-lo. Ele começou bem falando em um português arrastado e pedindo desculpas por isso. Me simpatizei de imediato com ele e senti que ele estava ali com o propósito de realmente ajudar e era um cientista do cálculo. Quando falei a ele do meu mestrado e que estava começando a fazer a cadeira de Elementos Finitos ele se inscreveu e fez junto comigo como aluno ouvinte, deixando todos impressionados com sua modéstia. Podia estar ensinando e fez questão de começar aprendendo. Ficamos grandes amigos e o somos até hoje.
Desenvolvemos muitos projetos juntos. Ele era realmente uma fera em computação. Fazia programas enormes escrevendo-os direto sem nenhuma diagramação prévia e deixava todos impressionados. Nossas famílias acabaram ficando amigas também. Ele tinha só um filho quando chegou, o Jean Batiste e aprendeu o português aqui no Brasil. Brincava com meus filhos, nós já tínhamos todos, e não conseguia falar Guilherme para o caçula e só o chamava de "outro Daniel", seu irmão gêmeo. Sua segunda filha nasceu aqui no Brasil, a Benedicte, e eu e Beá fomos seus padrinhos de batismos e isso estreitou ainda mais a nossa amizade. Não tinha perigo de fazermos feijoada e não convidá-los para almoçar juntos. Na primeira vez, quando fomos apresentar o prato a eles cheguei a ficar preocupado. Nunca tinha visto ninguém comer tanto. Ele já tinha detonado uns 4 pratos bem cheios quando Beá, por pura brincadeira, ofereceu para servi-lo mais um pouco. Quando ele passou o prato aceitando, não me agüentei e perguntei se não iria fazer mal a ele, pois feijoada era coisa meio pesada. Ele deu risadas e disse que Beá explicou que se comesse com laranjas não teria problemas. Acho que ele ficou por uns três anos aqui no Brasil e então voltou a França.
A Chantal, esse é o nome da minha comadre, teve mais um filho, o Benjamim. Depois disso eles já vieram ao Brasil para conhecer o carnaval de Corumbá e nós já fomos a França duas vezes. Na primeira eles foram até Porto Fino nos pegar e nos levaram a Vorep, onde moram, perto de Grenoble. É um lugar maravilhoso e a casa deles é uma construção de 1700, aquelas com paredes de pedra de 40 cm de largura. Eles me falaram que quando compraram estava em ruínas e reformaram tudo sozinhos, ele e a Chantal. Além de bom de cálculo o homem é pedreiro de mão cheia. Passamos dias inesquecíveis relembrando o passado. Da segunda vez, estávamos em Paris e eles foram nos encontrar lá e passamos dois dias juntos, onde revi o Jean Batiste, que já deu uma neta linda a eles e a Benedicte, minha afilhada, que está uma moça muito bonita. Só não vimos o Benjamim que esta morando na Inglaterra. Jantamos uma noite na casa do irmão da Chantal que já esteve no Brasil com a esposa há 30 anos atrás e foram com o Pion na fazenda Santa Anatalia de meu sogro, sem que pudéssemos acompanhá-los. Fizeram uma projeção de slides nos mostrando o passeio deles na fazenda e ficamos emocionados com o carinho que eles mostraram ao Brasil e para com a gente. Nunca imaginamos que tínhamos proporcionado momentos tão bons e inesquecíveis àquelas pessoas.
O Pion hoje continua trabalhando na mesma empresa e esta montando uma usina na Turquia. Ele já morou na China, na África e conhece esse mundão todo. Tem prometido que virá ao Brasil para irmos ao pantanal juntos e espero que ele seja homem de cumprir com a palavra. Não sei se ele acompanha esse meu blog, mas em caso positivo fica esse desafio semi público. Vamos ver Pion, promessa é divida e você nos fez essa.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Gilberto Nazario Rodrigues

Gilberto Nazario Rodrigues, o Giba, foi cria de tio Alcides e eu o conheci quando fui a Cocaes há mais de 50 anos atrás. Depois disso vivíamos nos encontrando até o dia em que compramos a fazenda São Bento. Ele trabalhava lá e foi demitido pelo antigo proprietário e contratado por nós imediatamente e com ele veio o Luizão, um negão forte e muito trabalhador. Zé Mauro já tinha sido gerente de lá em épocas passadas e assumiu novamente quando comprei, de modo que não houve nenhuma dificuldade na transição de proprietários. Alguns meses depois contratamos outro velho, o seu Arlindo e fizemos uma equipe da terceira idade fora de série. Era uma turma super unida e apesar da liberdade total que existia em todos os níveis, todos se respeitavam muito. Era onde eu mais gostava de trabalhar o gado pois era só besteiras que falavam o tempo todo. O Giba não sabia trabalhar quieto e gostava de ver a reação do Zé Mauro para aquilo que ele falava, e os diálogos eram do tipo:
- E aí seu Zé, vai ter uma fria (cerveja) pra mim quando acabar aqui?
Ele já falava isso pois sabia que não podia beber na fazenda e queria gozar o Zé que era pão duro e a mim que introduzi a lei seca. O Zé respondia sempre a mesma coisa e era:
- Vou botar o meu ... na geladeira para você, pode deixar.
E todo mundo dava risadas.
Outras vezes o Giba vinha meio cansado e o Zé perguntava o que tinha acontecido. A resposta era sempre a mesma, que ele tinha dado uma agora cedo e o Zé retrucava:
- Larga disso Giba, você não dá mais no couro.
- O que seu Zé! É todo dia três.
Aí o Zé completava:
- Certo, 3 de Janeiro, 3 de fevereiro e assim por diante. Já entendi.
Todos caiam na risada e quem mais ria era o próprio Giba.
Ele era um cara fora de série. Quando tinha 68 anos apostava corrida com meus filhos e os do Zé Mauro, todos guris de 13 a 16 anos, e quando não ganhava chegava em segundo. E isso fumando dois maços de cigarro boliviano por dia. Era uma figura folclórica e todas as visitas que vinham a São Bento, algumas do exterior, se apaixonavam por ele. Chegaram a chamá-lo de crocodilo dandy e isso porque um dia saímos para passear de carro pelo campo e estávamos com uns médicos americanos em visita no pantanal pela primeira vez. Como estava tudo secando existia uma quantidade muito grande de jacarés saindo das áreas alagadas e indo para o rio. Numa dessas, acabamos por atropelar um bichão que ficou estirado no meio da estrada. Paramos para fotografá-lo e o Giba resolveu prestar os primeiros socorros ao jacaré, todos achando que ele estava morto. Quando o Giba ficou sobre ele e começou a fazer uma massagem cardíaca, os americanos foram tirando fotos e ele pegava as duas mãos do jacaré e fazia exercício aeróbico. O susto foi grande quando o jacaré saiu correndo, vivinho da silva. Foi aplaudido por todos e respondia com um "stop" incompreensível para os que o ovacionavam. Quando perguntei o que significava aquilo, ele me disse que era assim que eles o agradeciam quando ele ficava conversando com eles. Não tive coragem de dizer que estavam mandando ele parar de falar.
Em 2002, o Giba com 72 anos, fizemos a festa de fim de ano na fazenda Angico. A programação era um torneio de futebol antes do almoço que seria churrasco de chão com muita cerveja. Era o único dia que era permitido beber na fazenda. Quando acabou o jogo, o time do Giba perdeu. Ele estava sentado do meu lado no chão, eu estava de pé. Vi que ele deitou para trás e achei que era mais uma das muitas brincadeiras dele pela sua derrota e cheguei até a dar risadas. Quando prestei atenção vi que ele estava espumando e sua respiração vinha com um ronco terrível. Gritei para todo mundo e tinha um estudante de medicina que o socorreu. Avisou que ele estava enfartando e precisava ser removido para uma UTI o mais rápido possível. Saímos voando para a cidade, eu e acho que o Beto no carro da frente e o Daniel com o estudante de medicina e o Gilberto no carro de trás. Nunca corremos tanto na vida e chegamos em 30 minutos no hospital de Corumbá, apesar da fazenda estar a mais de 60 km. Quando levaram o Giba ele já estava morto. Morreu como sempre viveu, brincando. Foi a última festa de fim de ano que fizemos. Depois disso, inauguramos o ambulatório médico de São Bernardo, que leva o nome do Gilberto. Não tem ninguém que conviveu com ele e não tenha saudades. Foi um grande cara em toda sua simplicidade.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Os bugios

Essa me foi contada pelo Zé Mauro - nosso piloto. Os técnicos da Embrapa, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, estavam acabando de montar sua estação metereológica na fazenda Itumirim. Era uma parafernália enorme com tudo quanto é aparelho terminado em ometro: pluviômetro, barômetro, "cacetômetro" e por aí afora. Tudo montado e me aparece um peão da fazenda, se dirige ao técnico da instalação e pergunta se aquilo tudo pode ficar ao tempo e tomar chuva. O técnico deu risadas e explicou que aquilo era uma estação metereológica. Que podia ficar ao tempo mas mesmo que não pudesse, que não tinha problemas pois ela indicava a chuva com antecedência de dias e não existia previsão para os próximos. O peão olhou desconfiado para ele e perguntou se ele não estava escutando os bugios. Que ele podia ficar certo que ia chover e naquela noite pois bugio quando grita assim é porque vem água e é coisa grossa. O técnico não deu muita bola, completou que eles estariam amanhã cedo lá para ver quem tinha razão, se quisesse até apostava, deu risadas e se recolheu. A noite desabou o maior temporal. Chuva torrencial com raio que entrava por uma janela e saia por outra e ventos de mais de 100 km por hora. Ninguém conseguiu dormir a noite toda pois o risco de voar telhados e o barulho dos trovões era coisa de fim do mundo. No dia seguinte cedo foram ver a estação metereológica e estava toda espalhada pelo pátio, num raio de mais de 100 metros. Realmente agüentava água, já vento....

O peão olhou pra cara do técnico do dia anterior e perguntou se tinha reparo, pois o que se via era um monte de ferro inox e alumínio retorcido. Para sua surpresa o mesmo respondeu:

- E precisa? Com esse monte de bugio fazendo serviço melhor que essas merdas todas aqui.

O peão que contou isso pro Zé completou com um:

- Acho que ele desanimou pois nem se lembrou da aposta.

Esse deve estar até hoje falando que "meteorologia não é fácil".

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Marcinho

Morávamos em Taubaté e em uma das viagens nossas a São Paulo fomos visitar a Rosa com o Arnaldo. Ela, minha prima, e ele meu amigo desde quando éramos solteiros. Casei um ano ou dois depois deles e tivemos muitas coisas em comum. 4 filhos, 3 homens e uma mulher, éramos dois profissionais começando a vida, ele médico e eu engenheiro. Quando nos mudamos para Taubaté continuamos a nos ver e sempre que íamos a São Paulo, ou íamos visitá-los em casa ou saíamos para jantar juntos. Meu controle emocional foi testado e reprovado em uma dessas visitas.
O filho mais novo deles, o Marcio, com uns 5 anos, tinha pego o aparelho de barba do Arnaldo e feito a barba. Como o único lugar da face em que ele tinha pelos eram as sobrancelhas, resolveu tentar raspá-las. Acho que alguém chegou a tempo e conseguiu parar o ato pela metade evitando que ele se cortasse, mas não tão a tempo de impedi-lo que ficasse com quatro sobrancelhas, duas sobre cada olho. Quando cheguei ele correu para cima e se escondeu pois estava por demais envergonhado. Quando perguntei por ele fiquei sabendo de sua façanha e a Rosa fez a besteira de me falar que só o chamaria se prometêssemos que não daríamos risadas dele pois estava com medo dele ficar traumatizado e que já tinha sido um parto convencê-lo que nem estava tão chamando a atenção assim como ele pensava e que os amiguinhos da escola, se ninguém falasse nada, nem iam perceber.
Falei que não mostraria a menor reação e que ela poderia ficar tranqüila e que até ajudaria a convencê-lo que ninguém ia perceber nada. Acho que ela falou isso a ele, dizendo que ele poderia testar com a gente que estávamos querendo vê-lo. Ele veio até mim e ficou parado na minha frente com as quatro sobrancelhas. Percebi, naquele momento, que como elas ficam acima dos olhos, você não consegue olhar para uma pessoa e não vê-las. Eu estava preparado para agüentar firme. Todos os olhares estavam em mim e eu numa concentração filha da puta para não esboçar o mais leve sorriso. Eu precisava fazer aquilo pelos meus amigos e pelo Marcinho. Mas ele estava muito engraçado. Ficou me olhando e prestando muito atenção na minha reação. Estava quase conseguindo, com um esforço tremendo pois ele estava muito engraçado com aquelas 4 sobrancelhas de um cm de cada lado e bem simétricas. Agüentei até quando ele dar uma levantada de sobrancelhas e vi as laterais subirem e as do meio ficarem paradinhas. Impossível ficar impassível. Não agüentei e o pior, me deu um ataque de nervos e não parava de dar risadas. Olhava para Rosa com uma cara de decepcionada para mim, queria segurar o riso e ele escapava pelo nariz, trazendo uma quantidade incrível de ranho junto. O Marcinho parece que gostou do fato de levantando as sobrancelhas provocar tanta graça em alguém e toda vez que eu achava que conseguiria encará-lo ele repetia o ato e era nova descarga de risada.
Acho que provoquei o efeito contrário nele que deve ter pensado que ninguém acharia mais graça dele do que eu e uma meia hora de risadas depois tivemos a idéia. Ele colocaria dois esparadrapos nas sobrancelhas e diria que se machucou lutando boxe ou qualquer outra coisa de homem grande. Idéia aceita e apesar de reprovado no teste de controle emocional, ajudei o sobrancelhas raspadas a não perder aulas. Mas não foi fácil.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Seu Dutra

Fiquei contente outro dia ao ter notícias de seu Dutra. Estava bem e morando em Campo Grande. Ele foi o primeiro capataz de Campo Novo e era um senhor de quase 60 anos na época, muito prático. Ele tinha duas filhas muito bonitas, daquelas de fecharem comércio. Sua esposa, se não me falhe a memória, se chamava D. Brasília, e vivia protegendo a filha menor da brabeza e ciúmes do velho Dutra. A mais velha já era casada. Um dia eu chego na fazenda, seu Dutra estava no campo e tinha deixado o meu cavalo encilhado para ir encontrar com ele. Fui tomar um cafezinho antes e a D. Brasília me procurou dizendo que tinha um assunto particular muito importante para falar comigo. Precisava de minha ajuda. Quando quis dizer que conversávamos na minha volta, ela me assustou dizendo que preferia que seu Dutra não estivesse junto. Pensei, "ai meu Deus o que vem por aí". Apesar da pressa a curiosidade era maior e me sentei com a velha. Ela, muito nervosa, começou dizendo que o Dutra era muito ciumento, que a filha já estava com 19 anos e estava apaixonada. Minha vontade era dizer "e dai, onde entro nisso?" mas fiquei só na vontade. Ela enxugou as lágrimas e continuou. O Dutra não gostava do namorado porque ele era japonês. Mas aí tinha acontecido e ela não sabia como contar para o velho. Eu ainda inocente perguntei:
- Acontecido o que, D. Brasília?
- Ele embuchou ela, meu filho. E agora não sei o que faço. O Dutra ou vai me matar ou vai matar ela ou o Japonês.
- Mas e o japa, D. Brasília, fugiu?
- Nada meu filho, é gente séria e quer casar com ela. Como ele respeita muito o senhor, fale com ele para mim.
Pronto, sobrou - pensei. Japa desgraçado, fez o melhor e deixou o pior comigo. Quando quis dizer que não tinha como fazer isso, a mulher juntou as mãos e pediu encarecidamente. Não tinha outra pessoa melhor. E o rapaz era bom e o único defeito eram os zoinhos puxados. Pois bem, aceitei o serviço. Depois de pensar como meu mano me ensinou, "o que pode acontecer de pior?", montei no meu cavalo e fui encontrar com a fera. Se tinha que fazer que fosse rápido. Encontrei com o velho sentado em baixo de uma arvore me esperando. Já tinha rodado a invernada, estava boa de pasto e com o açude cheio, tudo em ordem. Perguntou se eu queria ver pessoalmente. Respondi que não e aproveitei a ocasião. Sentei numa arvore caída perto dele e comecei com o papo mais furado da minha vida falando da segunda guerra e a coisa foi mais ou menos assim:
- Seu Dutra, acho que vou começar a procurar só peão japonês para trabalhar comigo.
- É Seu Tadeu, comece pelo capataz então, pois se tem uma turma que não gosto são esses olhinhos puxados.
Ai, ai, ai, ai. Comecei mal.
- Porque seu Dutra, o senhor não conhece a história do Japão? Esses caras são determinados e trabalhadores. Na segunda guerra os aliados destruíram seu pais todo e em quarenta anos eles o reergueram e hoje são a segunda maior potência do mundo. Isso com uma área do tamanho do estado de São Paulo e com a metade de terra árida.
Como ele ficou quieto, eu achei que estava indo bem e comecei a inventar.
- Depois o meu melhor amigo é um japonês e eles são capazes de dar a vida por um amigo. Estava em uma briga com mais de 10 pessoas e ele entrou para me defender. Era descendente dos samurais e faixa preta em Kung Fu e Karate. Se não fosse ele eu não estaria aqui hoje conversando com o senhor.
Achei que já estava conseguindo quando cometi o erro:
- A coisa que eu mais queria é que minha filha casasse com um japonês.
Ele virou e ficou me olhando com os olhos parados e depois de alguns segundos, que me pareceram horas, ele falou:
- Ela tá prenhe, não tá?
Fiquei meio sem jeito e ainda consegui dizer, meio indignado.
- Seu Dutra, minha filha só tem treze anos.
- Estamos falando da minha filha e do seu japonês, né seu Tadeu?
- Japonês dela, né seu Dutra?
- Eu sabia que aquele zoinho puxado ia fazer isso. E agora?
- Bom seu Dutra, tudo que eu falei antes é a pura verdade. Agora o senhor tem que deixar ele casar e torcer pro gurizinho vir de olhinho redondo. A gente como pai ensina e torce. Não podemos obrigar ninguém a nada e nem impedir que essas coisas aconteçam.
- É verdade, mas a minha vontade era torcer o pescoço do japa, pois eu avisei que esse cara, com aquele risinho na cara o tempo todo, ia dar nisso. Agora não sei o que é pior, ser filho de um japonês ou não ter pai.
O velho estava possesso e ainda tive coragem de dizer:
- Seu Dutra, filho de japonês ele vai ser sempre e não depende de você mais. Agora não ter pai é tora e não é a gente que escolhe marido para filha. Se você não entender isso, quem vai ficar sem filha é o senhor.
Voltamos para a sede da fazenda e a D. Brasília estava nos esperando com o almoço. Ele virou para ela e disse:
- Num falei que de sonso ele só tinha a cara. Mas o que vamos fazer né mulher, mas não vão querer que de repente eu comece a gostar de japonês que nem seu Tadeu.
Não agüentei e falei:
- Comece devagarzinho seu Dutra, comece com um meio japonês que vai ser seu neto. Com o tempo você aprende a gostar de um inteiro.
Ele me olhou sério e fomos almoçar.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Fernando Pala

Eu não conheci o Fernando Pala, só os seus causos. Era tido como o parceiro do Dr. Murtinho nas histórias inverossímeis que são inúmeras. Sua marca de gado era um DF, de Dalva, sua esposa, e Fernando e ele vivia se gabando do gado que realmente era muito bom. Ele tinha uma foto muito bem tirada de cem reses ou até mais e parecia que tinham pousado para a fotografia de tão organizadas e todas olhando para a câmera. Era uma nelorada bem ajeitada, todas branquinhas, com exceção de uma única novilha preta. Pois ele fazia questão de dizer que a pretinha era um entrevero e pertencia a fazenda Santana do Dr. Romeu, seu vizinho, que varou a cerca.

Outra das dele é que ele podia ficar o tempo que fosse na fazenda que ele lia o Estadão diariamente e explicava como. Conhecia o piloto da Varig que fazia a linha Rio de Janeiro - Lima e passava bem por cima da Caiçara, a fazenda dele. Pois ele dava um rasante e jogava o jornal pela janela. Não admitia que duvidassem dele.

Na enchente de 74, uma das maiores da região, perguntaram se ele não estava assustado com aquele mundaréu de água. Ele falou que enchente foi a que teve em seu pais natal, ele era Português, que foi a única vez que ele ficou realmente com medo de água. Todos curiosos e perguntando que raio de cheia foi essa quando ele simplificou a explicação dizendo:

- Para vocês terem uma idéia, pontes que navios muitos grandes, não esses barquinhos que temos aqui, passavam por baixo, na cheia passavam por cima.

O pessoal só completava:

- Cheião, hein?

Mas a melhor de todas que ele contava se deu quando ele estava de férias no Rio de Janeiro, na praia de Copacabana. Um caminhão boiadeiro sofreu um acidente e um boi escapou da gaiola e começou a correr na praia. Era um boi gordo, bom de tudo, nelore dos mais purinhos. Os cariocas que só conhecem bife e no prato e nem sabem como ele chega a isso, se esparramaram todos e ele viu que era o único que podia resolver o problema, antes daquele bicharedo machucar alguém ou a policia ter que abatê-lo a tiros. Precisava tomar uma providência. Correu até um armazém, é armazém mesmo, e comprou 20 braças de uma corda grossa e improvisou um laço. Saiu atrás do boi e quando estava a uma distância razoável boleou o laço que, ele fazia questão de salientar isso, estava com uma armada pequena e colocou bem no batoque dele, o boi era daqueles de chifrinho grosso e curto que o pantaneiro chama de batoque. Acertou no primeiro arremesso e no tranco colocou o boi no chão. Correu até ele para peá-lo e aí veio a surpresa. Na anca, bem ferrado, naquele mundo de animal, lá estava o DF. Que coincidência rapaz. Agora, vai duvidar dele.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Meus Mestres

Me considero uma pessoa bem sucedida e tenho que reconhecer que os meus méritos para isso foram poucos. Tive um pai espetacular que foi bom em tudo, marido, trabalhador e que sempre me serviu de exemplo. Nunca foi de dar muitos conselhos, era mais do tipo "faça como eu" sem nunca ter dito isso. Mamãe foi professora e deve ter sido muito boa. Sei disso porque no meu primário passávamos três meses por ano em São Paulo, eu sem aulas, e nunca perdi um ano. Nesse período ela era a única a me ensinar todas as matérias.
Aí vieram os "estranhos". No primário, Constancinha, já escrevi aqui sobre ela, me iniciou no be a ba. Dona Natercia, braba que só ela me colocou na linha e aprendi a prestar atenção ou entrar na palmatória. No ginásio Salesiano de Santa Tereza, Professor Rachide Bardaiul, Matemática, daqueles de letras redondas e bonitas. Comecei a desvendar a álgebra com ele e foi um dos melhores da minha vida na área. Mestre Luiz, Português, fala mansa, nunca o vi putear ninguém e todos o respeitavam. Professor Djalma Sampaio Brasil, línguas, tinha uma técnica de memorização e um procedimento em aula que tomava toda a sua atenção.
No científico, no colégio Arquidiocesano de São Paulo, peguei algumas pérolas na minha vida, e alguns casca grossa também. Irmão Constantino de matemática e que me ensinou a importância de ser exato. Sua prova era de uma única questão e tinha que ter a resposta final correta. Não tinha isso de acertar o raciocínio e ele falava: "quem sabe sabe, quem no sabe é zero", isso batendo as costas de uma mão na palma da outra. Era espanhol. Uma vez fiz tudo certo e errei nas contas. Tomei zero e fui reclamar que o raciocínio estava certo e isso contava, tinha que valer alguma coisa. Ele me falou que se eu estivesse certo, então ele que errou nas contas me dando zero, sendo assim estávamos empatados. Continuei com o zero. Pereti foi outro cobra de matemática. Teve o Irmão Nilo de química, com esse não consegui aprender nada. Ele era muito bravo e seu prazer estava em mostrar que ninguém sabia nada. Certa vez estava sentado na última fila da classe quando ele me perguntou o nome de uma fruta que tivesse muito amido. Respondi banana umas três vezes e ele fazia que não escutava. Eu já ficando nervoso resolvi mostrar uma banana para ele cruzando um braço sobre o outro. Quase fui expulso da escola e tive que levar papai lá para explicar as minhas intenções. Não gostava dele e não tenho saudades.
No Anglo peguei só nego bom, tanto de conhecimento como de didática. Gabriades, Cid Gueli, Feltri, Carlos Marmo e outras feras. Sabiam prender a atenção de um aluno como nenhum outro. Na MAUA teve o Gaspar Ricardo, Trajano, Brevis, Cavalari, Roberto de Barros Lima, Samuel Karlik, Israel M. Rosemberg, Justino Castilho e os dois, inesquecíveis, que fizeram eu me apaixonar pela área, Kalil Arbix de máquinas de transporte e levantamento e Dimer Benati de maquinas hidráulicas. Com o último teve um lance muito engraçado. Ele já estava com mais de 70 anos e tinha só a primeira falange do indicador. Estava levando todo o pessoal do quinto ano para conhecer a usina de Cubatão onde iria nos apresentar as turbinas Pelton que operavam na usina. Como íamos almoçar lá o Edgar perguntou a que horas sairia a bóia. Ele na frente do ônibus levantou os dois dedos, o polegar pela metade e o pai de todos, quando o gajo lá de trás quis confirmar se seria 1:30 ou 2:00 horas. Na hora ele recolheu o indicador deixando só o pai de todos a mostra, mandando o tipo tomar no rabo. Foi uma risada só, até que todos ficaram quietos e o Edgar voltou a carga:
- ok, anteciparam para uma da tarde.
Aí foi o Dimer quem deu risadas.
Na Unitau teve o Manara de Resistência dos Materiais, o Israel de Concreto Protendido e o professor de Pontes, que como demorei para começar escrever esse blog, imperdoavelmente já me esqueci de seu nome. Mas ele era bom e engraçado. Tinha a língua presa, não conseguia falar o R, e o mais importante, não sabia disso. Vivia dizendo que "engenheiio tem que faiar ceito". Era o próprio Hortelino, e falava isso com cara mais séria do mundo. Outra frase famosa é que "caneta é coss, e calculadoia é HP, o ésto não pesta" e eu concordo com isso até hoje.
A última fase de estudos foi o ITA e lá tive 3 professores, Paulo Rizzi, de análise matricial e otimização de estruturas, meu orientador e mestre, Wolf Altman de elasticidade e estabilidade elástica e Razim Al Quiresh de plasticidade.
Todos foram muito importantes para mim e devo muito a eles. E a partir de agora que já estão no blog, posso dizer que não vou esquecê-los mais.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A grande briga

Antigamente as brigas eram limpas. Não tinha esse negócio do cara puxar arma, nem mesmo faca. A obrigação era reagir e não levar desaforo para casa, bater ou apanhar, não fazia muita diferença.
Estava com 18 para 19 anos e ia com a namorada em um baile no Corumbaense. Naquela época, não se saía sozinho, nem de dia ou mesmo de turma com a sua garota. Tinha que levar vela, assim chamávamos a acompanhante, e tinha que ser alguém da família. Íamos com seu irmão, que era um dos meus melhores amigos e sua namorada. Ela era uma carioca e também não podia sair sozinha, mas como era mais moderninha, a vela não precisava ser parente e nós, já no caso um candelabro, servíamos. Como se não bastasse a minha ex futura sogra mandou uma filha de uma amiga de Campo Grande com a gente e ali estava o problema. A menina era um entojo, tinha namorado que não veio com ela para Corumbá, quis ir ao baile e não quis dançar com ninguém.
Antigamente era assim. A mulher ficava nas mesas sentadinhas, e os dançarinos vinham e tiravam as solteiras para dançar, com um "permita-me esta música". Dançava e quando acabava a música a levava de volta a mesa. Quem ia no baile era para dançar, e tinha que ser sutil e mostrar se tinha gostado ou não para inibir ou animar o gajo a voltar na próxima música, o que não se podia era recusar, ou dar tábua, como se dizia na época. Eu e o cunhado já estávamos putos com a pé sujo, assim chamávamos os campo-grandenses na época por causa da terra vermelha de lá, pois a cada música ficava um de castigo fazendo companhia para a chata que se recusava a dançar com quem quer que fosse. Estávamos vendo que a rapaziada estava ficando nervosa com as recusas e eram de outra turma, é, na nossa época existiam varias turmas e, normalmente rivais, que disputavam as mesmas meninas. Como nós conhecíamos todo mundo, começamos a perceber que os pretendentes dançarinos eram todos do mesmo grupo e já estavam fazendo de sacanagem com a gente e usando a nojentinha. Não tivemos mais dúvidas quando todos os recusados se colocaram em fila em frente da nossa mesa e a cada nova recusa colocavam um cruzeiro sobre a mesa, que era para pagar a tábua. Quando acabou a fila e com aquele bolo de dinheiro sobre a mesa, a menina, já meio chorando, quis ir para casa. Passei a mão sobre a mesa jogando o dinheiro no chão e disse para ela não se preocupar que eles não iriam incomodar mais.
Nesse papo o Timóteo saiu para dançar na minha vez. Agüentei firme e aí aconteceu. Um dos que levaram a primeira tábua, e devia ser o armador de toda a gracinha, voltou e insistiu com a menina, já meio que a pegando pelo braço. Quando levantei para dar uma Michelada nele, o Timóteo chegando do salão foi mais rápido e deu primeiro. Começou a briga e dizem hoje que os companheiros dele acharam que estávamos batendo nele de dois, o que não era verdade, pois ele tomou uma só e sumiu, e vieram todos de uma vez, pois estavam acompanhando a azaração do colega. Já a nossa turma, que já era bem menor, estava espalhada e nem sabia do que estava acontecendo. Eu me lembro que estava de camisa branca de gola rolê e o clube tinha a tal da luz negra. Não sei se esse troço existe ainda hoje, mas era uma luz que acendia tudo que estava de branco. Eu parecia um farol na escuridão e não tinha alvo mais fácil de acertar. Essa camisa sempre me deu azar, estava com ela quando na volta dessas férias capotei com o carro. Dei e levei tanta porrada como nunca na vida. Um dos momentos que me lembro bem foi do Timóteo com as duas mãos apoiadas na mesa dando coice com as duas pernas ao mesmo tempo para trás. Era uma coisa impressionante e a cada paulada dessas abria a roda. Não conseguiam apartar a briga e já ninguém sabia quem batia em quem. Era cacete para tudo quanto é lado, começaram a voar cadeiras no meio do rolo, mas o maior estrago foi um dedo quebrado na turma deles e alguns roxos nas minhas costas e na do Timóteo. Quando foi chegando a nossa turma e a coisa foi se equilibrando, aí eles se mandaram. Mas era tarde demais e tínhamos acabado com o baile, e os únicos identificados no rolo fomos nós. Suspensão de 30 dias do clube e tudo que fizemos foi defender a honra da porra da pé sujo.