Fiquei contente outro dia ao ter notícias de seu Dutra. Estava bem e morando em Campo Grande. Ele foi o primeiro capataz de Campo Novo e era um senhor de quase 60 anos na época, muito prático. Ele tinha duas filhas muito bonitas, daquelas de fecharem comércio. Sua esposa, se não me falhe a memória, se chamava D. Brasília, e vivia protegendo a filha menor da brabeza e ciúmes do velho Dutra. A mais velha já era casada. Um dia eu chego na fazenda, seu Dutra estava no campo e tinha deixado o meu cavalo encilhado para ir encontrar com ele. Fui tomar um cafezinho antes e a D. Brasília me procurou dizendo que tinha um assunto particular muito importante para falar comigo. Precisava de minha ajuda. Quando quis dizer que conversávamos na minha volta, ela me assustou dizendo que preferia que seu Dutra não estivesse junto. Pensei, "ai meu Deus o que vem por aí". Apesar da pressa a curiosidade era maior e me sentei com a velha. Ela, muito nervosa, começou dizendo que o Dutra era muito ciumento, que a filha já estava com 19 anos e estava apaixonada. Minha vontade era dizer "e dai, onde entro nisso?" mas fiquei só na vontade. Ela enxugou as lágrimas e continuou. O Dutra não gostava do namorado porque ele era japonês. Mas aí tinha acontecido e ela não sabia como contar para o velho. Eu ainda inocente perguntei:
- Acontecido o que, D. Brasília?
- Ele embuchou ela, meu filho. E agora não sei o que faço. O Dutra ou vai me matar ou vai matar ela ou o Japonês.
- Mas e o japa, D. Brasília, fugiu?
- Nada meu filho, é gente séria e quer casar com ela. Como ele respeita muito o senhor, fale com ele para mim.
Pronto, sobrou - pensei. Japa desgraçado, fez o melhor e deixou o pior comigo. Quando quis dizer que não tinha como fazer isso, a mulher juntou as mãos e pediu encarecidamente. Não tinha outra pessoa melhor. E o rapaz era bom e o único defeito eram os zoinhos puxados. Pois bem, aceitei o serviço. Depois de pensar como meu mano me ensinou, "o que pode acontecer de pior?", montei no meu cavalo e fui encontrar com a fera. Se tinha que fazer que fosse rápido. Encontrei com o velho sentado em baixo de uma arvore me esperando. Já tinha rodado a invernada, estava boa de pasto e com o açude cheio, tudo em ordem. Perguntou se eu queria ver pessoalmente. Respondi que não e aproveitei a ocasião. Sentei numa arvore caída perto dele e comecei com o papo mais furado da minha vida falando da segunda guerra e a coisa foi mais ou menos assim:
- Seu Dutra, acho que vou começar a procurar só peão japonês para trabalhar comigo.
- É Seu Tadeu, comece pelo capataz então, pois se tem uma turma que não gosto são esses olhinhos puxados.
Ai, ai, ai, ai. Comecei mal.
- Porque seu Dutra, o senhor não conhece a história do Japão? Esses caras são determinados e trabalhadores. Na segunda guerra os aliados destruíram seu pais todo e em quarenta anos eles o reergueram e hoje são a segunda maior potência do mundo. Isso com uma área do tamanho do estado de São Paulo e com a metade de terra árida.
Como ele ficou quieto, eu achei que estava indo bem e comecei a inventar.
- Depois o meu melhor amigo é um japonês e eles são capazes de dar a vida por um amigo. Estava em uma briga com mais de 10 pessoas e ele entrou para me defender. Era descendente dos samurais e faixa preta em Kung Fu e Karate. Se não fosse ele eu não estaria aqui hoje conversando com o senhor.
Achei que já estava conseguindo quando cometi o erro:
- A coisa que eu mais queria é que minha filha casasse com um japonês.
Ele virou e ficou me olhando com os olhos parados e depois de alguns segundos, que me pareceram horas, ele falou:
- Ela tá prenhe, não tá?
Fiquei meio sem jeito e ainda consegui dizer, meio indignado.
- Seu Dutra, minha filha só tem treze anos.
- Estamos falando da minha filha e do seu japonês, né seu Tadeu?
- Japonês dela, né seu Dutra?
- Eu sabia que aquele zoinho puxado ia fazer isso. E agora?
- Bom seu Dutra, tudo que eu falei antes é a pura verdade. Agora o senhor tem que deixar ele casar e torcer pro gurizinho vir de olhinho redondo. A gente como pai ensina e torce. Não podemos obrigar ninguém a nada e nem impedir que essas coisas aconteçam.
- É verdade, mas a minha vontade era torcer o pescoço do japa, pois eu avisei que esse cara, com aquele risinho na cara o tempo todo, ia dar nisso. Agora não sei o que é pior, ser filho de um japonês ou não ter pai.
- Seu Dutra, filho de japonês ele vai ser sempre e não depende de você mais. Agora não ter pai é tora e não é a gente que escolhe marido para filha. Se você não entender isso, quem vai ficar sem filha é o senhor.
Voltamos para a sede da fazenda e a D. Brasília estava nos esperando com o almoço. Ele virou para ela e disse:
- Num falei que de sonso ele só tinha a cara. Mas o que vamos fazer né mulher, mas não vão querer que de repente eu comece a gostar de japonês que nem seu Tadeu.
Não agüentei e falei:
- Comece devagarzinho seu Dutra, comece com um meio japonês que vai ser seu neto. Com o tempo você aprende a gostar de um inteiro.
Ele me olhou sério e fomos almoçar.
ÓTIMO, MTO BOM. ADOREI!!!!
ResponderExcluir