Peguei meu Ford Corcel e fui para Taubaté fazer a entrevista com o chefe de departamento de engenharia. Trabalhava na Bardella em São Paulo e queria trocar de empresa e de cidade, mas não de ramo pois gostava de máquinas de transporte e levantamento, que era o que eu fazia na Bardella. Trabalhava na área de engenharia de orçamentos e queria ir para a área de projetos, e de preferência para cálculos, que para mim era o coração da coisera toda. Queríamos, eu e Beá, mudar para o interior e depois de analisar todas as opções concluímos que Taubaté com a Mecânica Pesada era a melhor. Precisava agora convencer meu entrevistador que eu seria a melhor opção para a empresa. Tinha pouca experiência para apresentar pois tinha só um ano de formado, mas eram as cadeiras que mais me dediquei na faculdade e sentia que dominava a matéria. Tinha que dar tudo certo. Quando me apresentei ao chefe do departamento de engenharia, o engenheiro Ivan Marcel Madeleine Chu, eu estava muito nervoso. Ele era filho de pai chinês com mãe francesa, a empresa era uma multinacional francesa e de francês eu só conhecia a Brigite Bardot. Começamos a conversar e vi que ele estava precisando contratar dois calculistas, e um para a área de transporte e levantamentos. A empresa trabalhava também com máquinas hidráulicas, comportas e turbinas, ficando completa no ramo de hidroelétricas, e fabricava ainda equipamentos de siderurgia e motores marítimos, uns monstros de 15.000 cavalos. Ficamos duas horas conversando e o teste foi demorado e quando acabou ele pegou meu telefone e disse que entrava em contato. Dancei, pensei, senti que eles queriam alguém com mais experiência, pois tinham perdido os dois calculistas ao mesmo tempo, o Paulo Coelho e o Pablo Posterla, e na entrevista fiquei sabendo que eram duas feras com mestrado, o primeiro no ITA e o segundo, um argentino, em Stanford, EUA. Não ia ser fácil, mas como estavam sem nenhum e pedi salário de engenheiro com um ano de formado, talvez pegasse a vaga do segundo. Depois de uma semana o Chu me telefonou perguntando quanto tempo eu precisava para começar. Tinha sido contratado, não sabia para que lugar, mas estava dentro. Falei que o aviso prévio era de um mês e gostaria de cumpri-lo e que pediria a demissão no dia seguinte.
Tudo acertado por telefone, no primeiro fim de semana fui conhecer Taubaté com Beá. Fomos nas imobiliárias para procurar uma casa para alugar e aí tivemos a primeira surpresa. Eu ia com um salário de 4.900.000 e a casa mais barata que achamos valia 3.000.000. Íamos passar fome ou recorrer aos nossos papais. Em São Paulo tínhamos casa própria e ganhava exatamente igual. Fomos nos afastando para a periferia procurando algo mais barato e acabamos saindo da cidade e indo parar em Tremembé. Era uma cidadezinha de 5000 habitantes e a 6 km de Taubaté. Não daria para ir almoçar em casa todo dia pois a Mecânica Pesada também ficava fora da cidade mas no sentido oposto e daria uns 10 Km de casa até o serviço, o que não era tão longe também e por 1.500.000 conseguimos uma merda de casa mas que tinha dois quartos e laje. O que aparecia em Taubaté nesse preço eram umas palhoças. Aí que ficamos sabendo que a cidade vivia um momento de hiper crescimento. Não havia casas suficiente para acomodar todos que estavam indo para lá e que todas as indústrias de São Paulo estavam se interiorizando e com uma grande parte escolhendo Taubaté. O Chu trabalhou 6 meses como meu chefe, brigou com o gerente da fábrica e acabou saindo da Mecânica. Para seu lugar foi promovido o Onik Choulian, mas esses seis meses que passei com o Chu foram muito proveitosos e aprendi muito com ele. Depois de alguns anos ele voltou ao grupo e como coordenador de um consórcio que a Mecânica Pesada era a líder e eu o chefe do departamento de engenharia, cargo que era dele quando me contratou. Estávamos com um problema sério pois eu não conseguia aprovar o projeto de um componente importante das comportas de um setor de Porto Primavera. O engenheiro da empresa consultora não entendia muito de protensão, que é uma especialidade da engenharia civil, e queria que eu mudasse uma coisa certa. Não entrávamos em um acordo e aquilo estava ameaçando atrasar o projeto de toda usina. O Chu, como coordenador, estava preocupado e também já sendo responsabilizado por aquilo. Resolveu marcar uma reunião com todos os envolvidos para sair dela com o impasse resolvido e teve uma prévia comigo antes.
- Tadeu, você esta levando este caso para o lado pessoal e vai prejudicar todo o projeto.
- Chu, se for assim, ele também. Você só está me apertando para ceder porque tem mais liberdade comigo. Quem tem que ceder é quem está errado e o cara não entende porta nenhuma de protensão e não quer aprender.
Ele era bom de argumentos e respondeu:
- Quem tem que ceder é quem tem mais a perder com esse atraso e somos nós. Marquei essa reunião e é sua última chance. Se não sair com a solução de lá vou ter que ir a diretoria da MEP e reclamar de você.
Curto e grosso.
Fomos para a reunião composta de um monte de engenheiros, sendo três da Cesp, que era a cliente, três da Themag, que era a empresa contratada para aprovar nosso projeto e a criadora de toda confusão, eu da MEP, criador da confusão na opinião deles e o Chu o coordenador de todos. Armaram um circo para mim e me deram uma aula de protensão com direito a aqueles cavaletes onde o carinha com canetas hidrográficas de várias cores ia demonstrando as teorias dele e deixando tudo registrado. Quando tentei interrompe-lo, me pediram asperamente que o aguardasse terminar e aí eu teria a palavra e todos me escutariam também e julgariam. Me senti réu e advogado de defesa em um julgamento sumário e com o Chu já me olhando feio na primeira tentativa de abortar aquela discussão inútil. Fiquei quieto e pela primeira vez resolvi prestar atenção no que o engenheiro falava para poder detectar onde ele estava errando e tentar mostrar a todos o problema. Memorizei até as folhas onde estavam os erros. Quando ele acabou a exposição estava muito satisfeito e me estendendo a caneta hidrográfica, jocosamente me chamou de doutor. Não nos tratávamos assim. Peguei a caneta dele e fui direto nos pontos errados circundando os mesmos com caneta de outra cor, que eram todos devido a um problema conceitual da engenharia. O colega não conhecia o principio da superposição de efeitos e que forças internas não se transmitem para os apoios. Peguei a caneta e fui colocando as coisas em ordem e quando percebi que ele não estava prestando atenção não me agüentei e falei:
- Fulano (vou poupar seu nome aqui) se você estiver certo com a sua teoria, você abre essa janela aí (estávamos no vigésimo andar) e pule por ela sentado em sua cadeira. Quando for cair, você com seus braços segurando no assento, pressione o mesmo em sua bunda e a força da cadeira no seu rabo vai fazer você subir. Isso que você demonstrou aqui.
Aí ele prestou atenção. Quando olhei para o Chu ele estava com os braços sobre a mesa e a testa apoiada neles, não sei se para não dar risadas, ou de vergonha do "sua bunda".
Quando vi que já tinha extrapolado completei:
- Prove agora praticando.
Acho que aí que caiu a ficha do companheiro e todos concordaram na hora comigo. Na saída o Chu ainda me falou que eu tinha jogado muito alto e arrumado um inimigo pro resto da vida. Como ainda estava meio nervoso falei que essa parte não tinha entrado no acordo e o importante era que tínhamos aprovado a porra do projeto. Mas ele se enganou e acho que comigo foi a única vez na vida. O cara ficou super amigo e nunca mais reprovou nada meu. Quando tinha dúvidas me telefonava e resolvíamos tudo antecipadamente. Acho que esse é o princípio do desfibrilador. Choque que mata e choque que salva.
Mas do Chu tem muitas e fica para a parte 2.
Olá Sr. Roberto, se preferir pelo título Engº Roberto, Boa Tarde,
ResponderExcluirMe chamo Jefferson Florindo, e moro na Divisa São Paulo-Guarulhos, próximo á Bardella.
Inclusive meus primos trabalham lá, hoje como divisão Siemens Wind Power.
Teve um pai de um amigo meu, que trabalhava na Badoni ATB, hj Belgo Mineira, em frente a Cisper (Companhia de Vidros, concorrente da Nadir Figueiredo).
Trabalhei alguns anos na DEMAG, com alguns profissionais oriundos da Bardella. Diziam que haviam trabalhado com um projetista japonês que veio de Hiroshima, sobrevivido á Segunda Guerra, e diziam que ele havia pego a bomba com a mão.
Mas, o motivo de eu estar dizendo tudo isso, que há alguns anos indo passar a minha lua de mel em Monte Verde/MG, acabei me perdendo depois de Campos de Jordão.
Indicaram no meio da noite uma pousadinha em Gonçalves (Aix Les Bains), e o dono se apresentou como Sr. Marcel, e como eu trabalhava com franceses na época, reconheci o sotaque. Muito provavelmente era o Sr. Chu.
Se possível poste mais casos profissionais, mesmo da Bardella. Nós Jovens Engenheiros (orfãos dos veteranos que ajudaram a construir esse país) temos saudades desses "causos" e de gente que sabia como fazer as coisas acontecerem.
A molecada de hoje (e pensar que tenho só 39 anos), não se interessa por nada. Querem tudo pronto, softwares de cálculo, modelagem de sólidos. Mal sabem eles que o computador é uma máquina, e que depende inteiramente do homem. E se você plantar merda, fatalmente vai colher bosta.
Abraço.