sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O avalista

Corumbá de 40 anos atrás era muito pequena e papai era comerciante e banqueiro e conhecia todo mundo. Mamãe chegava ao absurdo de fazer vale em papel de pão e o cara ir ao banco e sacar o dinheiro com aquilo. Depois o gerente ia até a casa Marinho e levava um talão de cheques para papai entregar a Mamãe e trocar o vale por seu cheque. Como todo mundo conhecia todo mundo você tinha que ter alguns princípios e aprendi alguns com papai de uma maneira muito engraçada.
Uma aconteceu quando resolvi comprar o meu primeiro carro. Depois de muita conta cheguei a conclusão que com a minha mesada de estudante e meu salário de estagiário conseguiria pagar as prestações de um opala 72 amarelo, quatro cilindros, 2,5 litros e todo incrementado. Tinha um opala quatro portas mas era muito social e queria aquele super esportivo para a época. Ia entregar o velho por 14.000.0000 de não sei o que e completaria o outro com 10.000.000 que financiaria em 24 vezes. Com a papelada toda em ordem fui a papai para ele avalizar para mim. Ele pegou aquele calhamaço leu, releu, leu de novo e falou:
- Vou te dar os 10.000.000 de não sei o que.
- Não pai, eu quero comprar com meu dinheiro e só quero que o senhor avalize os títulos para mim.
- Larga disso, eu pago a diferença e não se fala mais disso.
- Pô pai, eu que quero pagar, você não tá entendendo?
- Você que não tá entendendo, eu não quero avalizar.
- Mas pai, você acha que vou deixar de pagar?
- Lógico que não, mas não quero passar por mentiroso. Se eu der aval para você não vou poder falar mais que não avalizo nem pra filho.
E não avalizou. Tive que pedir para Tontônio.
Uma outra vez ele vinha de Lins para Campo Grande com Tontônio em seu fusca. Pararam para abastecer e quando foram dar partida o bichinho não pegou, estava de bateria arriada. Andando em estrada, arriar bateria podia jogar fora que não tinha jeito. Por sorte existia uma auto peças no próprio posto e foram comprar a bateria. Quando papai foi assinar o cheque o vendedor recusou o mesmo o que deixou meu velho indignado. Mostrou todos os documentos, falou que era de Corumbá e comerciante, que vendia baterias também e mais um monte, mas não sensibilizou o vendedor, que era também o dono da loja. Como último argumento pegou o seu cartão de visitas do Banco Financial de Mato Grosso onde aparecia seu título de Diretor Presidente. Na hora o cara aceitou o cheque. Assim que a bateria estava instalada papai virou para ele e falou:
- Mal julgador que você é. Eu aqui na sua presença, olho no olho, e você não acreditou em mim e sim num pedaço de papelão que se pode fazer em qualquer gráfica e escrever o que quiser embaixo do seu nome. Vou te dizer a verdade. Eu não sou diretor presidente porra nenhuma desse banco.
- Ah, é. Falou o careta já meio branco vendo o dinheiro da bateria ir pro saco.
Aí papai completou:
- É, sou o dono dessa merda aí.
E foi-se todo contente.
Dessa vez ele saiu por cima mas teve a vez que ele foi a Taubaté. Estava sem dinheiro e pediu que Bea o levasse ao Bradesco para trocar um cheque. Chegando no caixa e este vendo que o cheque era de outra praça falou que tinha que esperar a compensação e demorava 48 horas. Papai já indignou e pediu para falar com o gerente, quando explicou que ele era de Corumbá e que o gerente deveria consultar o cheque por telefone. Ele, sem ser grosso, respondeu que não faria outra coisa se fosse sempre proceder assim. Quando Bea, com 21 anos de idade, viu que a coisa ia encravar, falou:
- Seu Alberto, não de preocupe que tenho dinheiro e desconto o cheque para o senhor.
Foi aí que o gerente viu que eles estavam juntos e conhecia Bea, pois meu salário era depositado em conta corrente, e disse a ele:
- Porque o senhor não falou que estava com ela, evitava essa conversa toda. Faça o cheque nominal a ela e ela endossando eu libero o dinheiro na hora, a quantia que o senhor quiser. Ele ficou meio relutante, acho que lembrando do dia em que não quis avalizar para mim, mas acabou topando. Afinal de contas ele falava que não dava aval para ninguém e agora podia completar que nem pra filho e nem pra quem avalizava para ele.
Esse sim era metódico.

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