quarta-feira, 27 de outubro de 2010

João Celpa

Quando saí da Mecânica Pesada e vim para Corumbá, passei pela maior mudança de vida que alguém pode imaginar. Lá eu era um executivo em uma empresa em que as normas tinham mais de mil folhas. Tinha o procedimento do chefe e para com o chefe, deveres e obrigações detalhadas e separadas. Eu era o chefe de departamento de engenharia e tinha mais ou menos 40 pessoas trabalhando sob meu comando, todos de um bom nível, sendo os desenhistas os mais baixos e os engenheiros os mais altos.

Quando comecei a trabalhar com fazendas o nível mudou drasticamente. Eu não era mais só o chefe e me via em cada situação incrível. A mais estranha foi quando o nosso praieiro da fazenda Canaã me fez o pedido mais estranho de todos. Queria que eu pedisse a mão da Dona Dunga, nossa cozinheira, em casamento. Ele estava apaixonado. João Celpa devia estar na casa dos 70 e Dona Dunga na dos 60. Para não rir daquela situação já foi um sacrifício e ele só me deixou depois de prometer que iria conseguir que a velha aceitasse se casar com ele.

Fui na Dunga e quando falei do pedido quase que ela enfartou. Não usou nenhum palavrão porque me respeitava muito, caso contrário teria me batido. Ela tinha horror ao João. Só o chamava de velho tarado. Sondava ela no banho e por duas vezes quis forçar a porta de seu quarto. Aceitei a recusa e fui tomar satisfação com o Celpa. Que merda era essa de velho tarado. Ele começou a se explicar que ela tirou isso só porque ele tinha uma verga de quati seco que tomava ralado junto com o guaraná. Como não entendi nada ele explicou.

- Seu Tadeu, a gente pega um quati mundéu, que é um desses velhos que já está excluído do grupo, mata e tira a verga (pênis) dele. Deixa dar uma secada e rala todo dia um pouquinho e toma junto com o guaraná. Se só o guaraná já é bom pro trem com a pica do quati fica um foguete.

Respondi na mesma simplicidade:

- A Dunga não quer entrar no seu foguete, seu João

Aí fui devidamente esclarecido

- Ela já entrou no foguete, seu Tadeu. As duas vezes que eu tentei arrombar a porta eu consegui.

- Então seu João, o que aconteceu que a velha revoltou com o senhor?

- Pra falar a verdade seu Tadeu acho que o foguete explodiu muito cedo mas já melhorei a dosagem do quati e ela não quer experimentar de novo. Então pensei em casar logo que já to muito velho para ficar arrombando porta.

Já não me agüentava não só de vontade de rir, como também de ver de perto essa mistura explosiva de guaraná com verga de quati. Voltei na Dunga de novo e falei que as intenções dele eram sérias e como ela não sabia que eu estava por dentro da história do foguete, para provocar falei que era só para ajuntar os trapinhos, um cuidar do outro na velhice, que nem devia rolar mais nada de sério com ele. Foi só eu tocar no assunto que a velha desembuchou tudo e me contou que foi violentada por ele. Na primeira arrombada da porta, foram três vezes e na segunda quatro e que ela nunca tinha visto velho mais tarado. Comecei a ficar seriamente interessado na mistura do João Celpa. Como eu sabia que a velha era dinheirista, falei com meus botões mas num tom que ela podia escutar.

- Bom, vou dar outro jeito na geladeira.

Geladeira em fazenda era artigo de alto luxo. Nunca teve pois não tinha energia elétrica. Quando fizemos a rede, como já não tinha o costume, a prioridade para a geladeira era baixa. Tinha freezer para conservar a carne e no trabalho de gado as vacinas, mas geladeira não.

Dona Dunga quando ouviu a palavra GELADEIRA, quis que eu esclarecesse o pensamento, foi quando falei:

- Não é D. Dunga, mas eu tinha tanta certeza que a senhora ia aceitar o pedido e eu ia ser o padrinho que até já tinha encomendado o presente. Aquelas de porta dupla com congelador separado. Mas não tem problemas que eu dou outro jeito.

Na maior cara de pau ela perguntou:

- Brastemp?

- Lógico - respondi.

- Bom, mas o senhor não me falou que as coisas estavam tão adiantadas assim. Marque a data.

Com isso eu comprovei as palavras de meu genro, que tudo nesta vida vai ou na porrada ou no dinheiro, e quando não vai, é porque faltou ou porrada ou dinheiro. A porra da velha ia se casar por uma brastemp. Mas o destino aprontou com seu João Celpa e depois de tudo, com data marcada, ela largou dele para ficar com um rapazinho de 40 anos, o Odilon.

Quando fui conversar com o João, ele estava inconsolável, coisa de dar pena. Falei que ele arrumava outra, que ela não era a única no mundo, quando ele me surpreendeu mais uma vez.

- Não é por isso não seu Tadeu, é pela minha burrice que estou triste. Eu que ensinei a mistura da pica do quati com guaraná para o filho da puta. O senhor me desculpe o palavrão mas não tenho outra definição para ele.

Hoje eu sei que a D.Dunga já morreu há uns 5 anos atrás, do seu João eu não tenho notícias. Quando ele fez 78 anos eu o trouxe para ficar de guarda no meu escritório. Tem um apartamento nos fundos da empresa. Tive que demiti-lo quando, num domingo, encontrei o portão aberto e dentro de seu apartamento estava uma paraguaia de uns 70 anos pelada e embriagada e o João Celpa descornado na cama, devidamente pelado também. Quase que tive que aloitar com a mulher para colocá-la para fora. A mistura do foguete devia ainda estar funcionando e eu recomendo a todos. Haja quati.

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