quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O Beijo

Eu não gostava de filosofia, apesar de admirar quem conhecia o assunto, até começar a conversar com o Dr. Ubirajara e ver as teorias filosóficas dele cheias de lógica. Foi a pessoa que me fez ver que existe lógica em tudo e que direito é lógica direto e você só tem que aceitar os princípios, exatamente como os postulados da matemática, e a partir daí é lógica pura. Às vezes ficávamos horas conversando sobre direito romano, como, quando e porque começou. Podia ficar ouvindo-o por horas e ele sabia disso. Me arrependo hoje de não ter conversado mais com ele. Tinha o melhor professor particular de direito e não sabia disso. Existiram muitos lances engraçados patrocinados pelo Bira. Tivemos uma audiência trabalhista, onde um gerente nosso que não era registrado, queria provar que ele não era gerente coisa nenhuma e que eu não quis registrá-lo, enquanto a verdade era que ele era o responsável pelos registros de todos empregados da fazenda. O juiz do qual não me lembro mais o nome estava escutando o depoimento de uma testemunha e ditando para o escrivão quando a testemunha falou:

- Eu já vi o Sr Tadeu quando ele estava de visita na fazenda e dava as ordens diretamente para a gente.

O juiz mandou transcrever que a testemunha confirmou que recebia ordens diretamente do Sr. Tadeu. Quando ele falou isso eu achei que seríamos todos presos por desacato. O Bira deu uma porrada na mesa e falou que o meritíssimo estava deturpando as palavras da testemunha. Que ele queria esclarecer o "já tinha visto" e a "visita". Como um empregado vê o seu chefe diário em visita e declara que já o tinha visto? Na hora que ele argüiu a testemunha ela confirmou que tinha me visto nos fins de semana e que nos outros dias quem ditava as ordens era o gerente. Ganhamos a questão.

Em outras vezes, ele já não enxergava muito bem e eu sentava ao seu lado nas audiências. Como eu não podia falar, às vezes cochichávamos e para isso eu me inclinava para o lado dele e inúmeras vezes ele errava o cálculo de distância e quando ia falar no meu ouvido acabava por bater o nariz nas minhas bochechas, o que era motivo de risos de todos na mesa. Às vezes, para quebrar o gelo, eu brincava que mais um beijo daqueles eu apaixonava e todos rachavam de dar risadas, mas ele tinha o respeito de todos desde o advogado da outra parte até o juiz.

Nunca comprei nada que não passasse pela sua análise e aprovação e esse procedimento já afastava os pilantras. Enquanto o Bira era vivo nunca entramos em fria, de qualquer espécie, entretanto depois que ele se foi... Hoje tenho certeza que advogado bom é aquele que resolve seus problemas e advogado ótimo é aquele que não deixa você entrar em nenhum. Esse era o Ubirajara Sebastião de Castro. Você, às vezes, tinha que tomar uns beijos dele mas valia a pena.

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