sexta-feira, 14 de maio de 2010

Traumas

Eu fui uma criança bem criada, com todas as atenções de meus pais. Mamãe era daquelas que verificava minha tarefa, arrumava a lancheira e até a maçã para minha professora D. Constancinha ela colocava. Papai me acordava, preparava meu café da manhã e me levava pra escola. Mas tive meus traumas de infância.

Um dos que não consigo me livrar foi quando papai perdeu sua carteira com dinheiro e todos os documentos. Ele tinha certeza que perdeu dentro de casa. Aí fez uma proposta: quem achasse a carteira ficaria com todo o dinheiro que estivesse nela. Eu e meu irmão mais velho saímos na busca pelo prêmio. Nossa casa era um sobrado enorme e não ia ser fácil, então me programei para vasculhar a casa de maneira organizada. Ia começar pelo andar de cima, começando pelo quarto dele, que era o de frente pra rua e ia até os fundos, aí passaria para o andar de baixo e vasculharia sala por sala. Cheguei no quarto dele, abri a gaveta na cabeceira da cama e lá estava a bicha. Não acreditei. Na primeira gaveta, puta sorte. Desci correndo, entreguei todo feliz e fiquei esperando o tutu. Ele me olhou sério e falou que nunca esperara aquilo de mim. No começo não entendi, não devia ter mais do que 10 anos. Quando caiu a ficha, revoltei. Fiquei muito bravo, mas não consegui convencê-lo de que não tinha pego a carteira. Ele era matemático e não acreditava em coincidências e depois ele dizia que tinha olhado naquela gaveta e aquela carteira não estava lá. Por mais que jurasse por tudo quanto é santo ficaria com aquele julgamento errado para o resto da vida. O pior de tudo é que passado uns 4 ou 5 anos, eu já rapazinho, estou na mesa almoçando com os dois e perguntei se eles se lembravam da história, pois ia jurar agora que não tinha sido eu e com isso limpar meu nome. Para minha surpresa não teve jeito deles se lembrarem do caso, e apesar de não ter mais essa mancha no passado deles, ela continuava no meu, e pior, não pude me vingar deixando os dois com remorsos por terem pensado mal de mim.

Na realidade esse foi o segundo trauma. O primeiro foi por causa de uma injeção. Papai queria me levar para tomar e eu já tinha jurado que não tomaria de jeito nenhum. Papai usando de sua psicologia barata falou:

- Você pode me dar um cascudo bem duro se a injeção doer, e com esse argumento ele me convenceu.

Fomos para a Farmácia Santa Maria, eu devia ser muito pequeno pois estava em seu colo quando o Angelino Bertazzo baixou um pouco a minha calça curta e socou a bichona na minha popa. O trem doeu demais e junto com a dor mandei o cacete em papai. Acertei um cascudo bem dado nele. Não sei se ele sentiu dor pois, como já disse, eu era muito pequeno, mas em mim o fato de ter batido no meu pai dói até hoje.

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