quinta-feira, 20 de maio de 2010

Sufoco

Acho que foi um dos maiores sufocos que passei na vida. Só não foi o maior porque estava muito bem acompanhado, mas foi uma situação incrível. Estávamos na fazenda Piratininga e testando o equipamento de internet via satélite. Já estava escuro, quando veio a notícia de que o filho do capataz de Santa Cristina, um retiro da fazenda, estava passando mal. Assuntado pelo rádio de qual eram os sintomas, veio a informação de que estava com pelamonia, não tem erro ortográfico. Esse pessoal de fazenda só tem problema de dor no figo (fígado), pelamonia (pneumonia) e nó nas tripas, que não sei o que é. São todas as doenças que eles conhecem.
Como tinha um empreiteiro, o Koko, que estava de carro, pedimos a ele que trouxesse o doente para a sede. Estávamos achando que era alguma dor de barriga besta. Como Daniel, meu filho, e o José Francisco, gerente das fazendas do Paiaguás, são veterinários achamos que os dois conseguiriam dar a volta no problema. Quando o rapaz chegou, era um garoto de 14 anos, e já estava desacordado. Depois de tentarem reanimá-lo, sem mais nem menos o guri teve a primeira parada respiratória. A situação era a seguinte: estávamos na sala de almoço, eu sentado na mesa com o note book em rede e a única pessoa que estava on line no msn era a Lívia, esposa do Daniel. O doente no chão, com os dois veterinários imundos, tinham passado a tarde toda no mangueiro e ainda não tinham tomado banho para jantar, sobre ele. Os pais do doente do lado de fora, na porta da sala.
Daniel percebeu a parada e quando falou o Zé Francisco diagnosticou que era intoxicação. Perguntaram aos pais o que ele estava fazendo e veio a confirmação. Estava mexendo com um veneno para mosca. A situação era grave. Pelo msn pedi que a Lívia contatasse por telefone a Flavia, médica de gente e casada com um sobrinho. Com massagens e soprando a boca do guri, tiraram ele da parada respiratória, mas em dois minutos veio outra. O Daniel começou a ficar nervoso e a coisa foi se repetindo a intervalos de tempo cada vez menores. A cada parada, a barriga encostava nas costas e começava a roxear os lábios. O Daniel que estava monitorando ele com um estetoscópio começou a apavorar todo mundo dizendo que o coração estava batendo muito fraco. Tudo isso foi passado para a médica que, concordando com o diagnóstico dos veterinários, mandou tirar a roupa do guri e lavá-lo com água e sabão para tirar todo o veneno do corpo. Deixaram o guri de cueca e entraram com mangueira e sabão em pó, e esfregaram ele com vassoura. O Zé Mauro que tinha acabado de chegar e não sabia da gravidade da situação veio com a piadinha de "aproveita e lava a sala" pois isso acontecia ainda dentro da sala de jantar.
O José Francisco, que tem uma memória incrível, começou a passar todos os remédios que tínhamos disponível para a Flávia. Foi quando o guri resolveu fazer uma parada cardíaca. Aí Daniel foi a loucura. Um fazia respiração boca a boca e o outro massagem cardíaca. Isso com o pai e a mãe assistindo tudo. Lembro dos gritos do Daniel:
- Parou Zé, a porra parou!! Caralho, vamos perder ele!!
Eu transcrevia no msn tudo que estava vendo e ouvindo ipisis litiris. Depois me confirmaram que a Lívia, que recebia as mensagens, repetia do mesmo jeito para a Flávia. Então uma merda dita lá, chegava integralmente aos ouvidos da médica. Veio a primeira informação assustadora da Flávia:
- Se não der atropina, acho que esse era o nome, ele não vai aguentar.
Gritei pro Zé:
- Tem atropina , Zé?
- Veterinária.
Digitei rapidamente o veterinária e ela:
- Qual a concentração?
A porra do Zé tinha tudo na cabeça e dado a dosagem ele saiu correndo para pegar o medicamento. Chegou esbaforido e disse:
- Tá vencido!
Digitei a informação e a resposta foi:
- Mas que porra!
Ele teve a segunda parada e nesse momento a Flávia deu a ordem:
- Soquem atropina vencida mesmo. Põe no soro e aplica. Muito cuidado que o batimento cardíaco vai aumentar e não pode passar de 160 de jeito nenhum.
Para achar a veia do guri com agulha de vaca foi um parto. Furaram o bicho inteiro. O nervosismo era muito grande e quando eu via aquelas mãos com as unhas todas pretas de sujeira eu pensava: - se sair dessa esse cara vai morrer é de tétano. O Zé Mauro chegou com uma corda de armar rede, deu pros veterinários e falou:
- Façam um garrote no braço.
Finalmente acharam a veia e socaram a atropina nele. No começo, como ele tinha tido a terceira parada, deixaram o soro correr aberto, direto. O batimento que estava baixo e irregular começou a firmar quando eu lembrei que a médica disse para monitorar o batimento. Quando chegou em 90, começaram a diminuir a dosagem mas o negócio foi aumentando muito rapidamente. Quando chegou em 120, ela mandou interromper a aplicação mas o trem foi a 220. O Daniel só falava:
- Fodeu, agora fodeu!
Mas não era o dia do menino. O batimento foi normalizando e depois de algum tempo ele estava tranqüilo. Dormiu no chão, no colo de Daniel, com Zé Francisco ao lado. No dia seguinte tivemos que mandar o avião levá-lo para tomar soro antitetânico. Na hora do embarque, o Zé Mauro, nosso piloto que é uma peça rara, que na noite, após a sugestão de embalar na limpeza e lavar a sala, deu a idéia do garrote e sumiu, tirou uma caneta bic do bolso, sem a carga, e disse:
- Ó, já estava no jeito ontem. Se vocês não tirassem ele daquela parada respiratória, eu ia fazer uma "trasqueotomia" nele. É só encostar essa caneta aqui, bem embaixo do pomo e dar uma cacetada firme. Ele respira pelo tubinho.
Falou isso com a cara mais séria o mundo, mas como conheço bem ele, só podia ser gozação. Não entendi a bic sem carga no bolso. Quando fui falar com a mãe do menino, perguntar se ela estava bem, fiquei abestalhado com a resposta. Ela disse:
- Óia seu Tadeu, quando vi o senhor no computador dando todas aquelas informações, o Daniel naquela preocupação e nervosismo todo e seu Zé, que salva tudo quanto é "animar" da fazenda, tinha certeza que ia dar tudo certo.
E graças a Deus, deu "memo".

2 comentários:

  1. Ainda bem que tinha o zé porque se dependesse de mim para lembrar a dose de atropina tava pestiada a lebre.

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  2. Olha, eu não sei se rio ou choro dessa situação, mas confesso que to rindo até agora,

    Ana Cristina

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