quarta-feira, 19 de maio de 2010

Daniel, O Forte.

Já falei que descobrimos que Beá estava grávida no casamento do meu primo Genarinho. Desmaiou na igreja e quase me matou quando tive que carregá-la nos braços por mais de uma quadra e na chuva. Mas as surpresas e emoções dessa gravidez estavam apenas começando.
Com a gravidez em estado avançado, isso concluído pelo tamanho da barriga já que não sabíamos o tempo exato, "nosso" ginecologista resolveu lançar mão de uma técnica avançadíssima, só tinha um lugar em São Paulo que possuía esse aparelho, e encaminhou Beá para um exame de ultrassonografia. Após o exame, veio o relatório: feto único, perímetro cefálico, acho que era esse o nome, tantos centímetros e tempo aproximado de gestação, tantos meses. Tudo com precisão de uma casa decimal. Quando perguntei a Beá se ela tinha visto algum coisa, se tinha dado para ver se era homem ou mulher, ela respondeu:
- Porra nenhuma, absolutamente nada.
Aguardamos mais dois meses e como a barriga estava enorme, o médico resolveu induzir o parto. Todo mundo preocupado pois tinha algo esquisito que ninguém conseguia saber o que era. Meus sogros chegaram um dia antes do parto. Seria cesariana como os dois primeiros. Todos na pro mater paulista, meu sogro vendo eu super tenso resolveu brincar comigo e disse:
- Vamos apostar? Falo que é uma menina.
- Fechado. Um jantar no Almanara, vou de guri.
Ele acompanhava os partos todos. Eu só ficava fumando, um atrás do outro até a notícia de que tudo estava bem. Dessa vez demorou demais. Já estava agoniado, quando ele chegou e estendendo a mão para me cumprimentar, falou:
- Parabéns, é homem!
Eu o abracei e todo feliz percebi que ele estava, de novo com a mão estendida para mim e voltei a cumprimentá-lo e ele falou:
-Parabéns, é homem!
Eu o abracei de novo sem entender muito quando ele me perguntou;
- Sabe porque te cumprimentei duas vezes?
- Uma pelo nascimento e outra porque ganhei a aposta?
- Não, nada disso. É porque são dois homens. Vocês tiveram gêmeos.
Comecei a rir, entrei numa crise nervosa e não conseguia parar. Não aqueles risos de gargalhar, mas aquele que você fica com a cara toda arreganhada, começa a doer todos os músculos da face e você não consegue parar. Não podia existir felicidade maior. Quando perguntei se estava tudo bem, a resposta não foi muito tranqüilizadora. Era muito cedo para dizer pois os pesos eram baixos. O primeiro com 2.550 e o segundo com 2.250. Quando encontrei Beá, falei que tínhamos que dar nome para o outro. O primeiro tinha sido escolhido por Márcia, a madrinha dele. Resolvemos homenagear o medico que trouxe todos os nossos filhos e o chamamos de Guilherme. Bela dupla, Daniel e Guilherme. Depois daquela alegria enorme começou os dias mais sofridos da minha vida.
Logo veio a notícia que o Guilherme estava bem, mas o Daniel estava com uma tal de membrana ialina, acho que era esse o nome. Não tinha jeito, era uma imaturidade do pulmão e não teria mais que 72 horas de vida. Não conseguia me consolar. Fui falar com o médico e ele disse que o outro estava bem, que eu tinha que ser forte para ajudar minha esposa. Mas não tinha jeito. Não conseguia aceitar aquilo. Eles estavam na isolete, uma incubadeira, aliás os dois estavam, mas enquanto o Guilherme respirava tranqüilo, o Daniel fazia um esforço sobre humano para encher os pulmões. Era como se tivesse um saco plástico na cabeça. Dai entendi o nome de membrana. Era uma membrana que envolvia o pulmão e impedia o ar de entrar.
Na manhã que se completaram as 72 horas, como o médico tinha dito que esse era o prazo máximo, fui para a maternidade já esperando o pior. Fui direto para a CTI, mas a enfermeira disse que estava tudo igual. Nessa hora me desesperei. Como fui acreditar naquele médico? Por que não chamei o Jamal? Para completar eu vi que era um sábado. Não consegui falar com o Jamal. Tinha ido pra praia. Devia ser proibido pediatra ir a praia fim de semana. Devia ser que nem bombeiro. Plantão 24 horas por dia. O único médico que tinha ao meu alcance, e bom, era meu sogro, Dr. Pedrinho. Fui até o quarto e ele estava lá. Tinha ido cedo comigo. Falei do estado do Daniel e pedi que ele o examinasse. Ele falou:
-Tadeu, você esta num dos melhores lugares do Brasil. O médico é um neologista, especializado em recém nascidos. Já abandonei a medicina tem mais de dez anos.
-Vamos lá sogrão, não temos outra alternativa e nem o que perder.
Lembro-me como se fosse hoje. Chegamos no CTI e falei ao médico que meu sogro era pediatra e queria examinar o gurizinho. Ele permitiu de imediato e nós nos paramentamos com roupas esterilizadas e entramos na CTI. Era uma coisa de cortar o coração. Se colocava o oxigênio muito perto, começava a queimar em volta da boca e nariz. Afastava um pouco e começava a azular as unhas. Era algo desesperador. Pedrinho pegou o estetoscópio e ficou escutando o pulmãozinho dele por bem uns 5 minutos. Quando terminou, o neologista falou, não sei se estou trocando os termos mas era algo assim:
- O senhor ouviu o ronco cripitante, típico de membrana ialina?
- Olha doutor, meu genro está nervoso e não me deixou te falar que estou afastado da medicina a mais de 10 anos, então você tem que considerar isso ao ouvir a minha opinião. Mas eu não concordo com o senhor. Eu acho que ele tem uma pneumonia nos dois pulmões e foi de aspiração no parto.
O neologista já começou com as explicações de que não podia ser por este ou aquele motivo e que ele não tinha dúvidas que era MI.
Resolvi participar e falei:
- Bom doutor, se o senhor estiver com a razão, vamos ficar aguardando até ele morrer, certo? Se o meu sogro estiver com a razão, tem o que fazer?
Ele quis responder que essa hipótese não existia, quando Dr. Pedrinho se antecipou e disse:
- Aplique não sei o que ciclina que amanhã já teremos resultado.
O médico, meio contrariado pegou aquela tabuleta e prescreveu o remédio. Esperei ele sair e chamei a Aurora, que era a enfermeira que estava acompanhando tudo e disse a ela:
- Esse meu sogro tem um grande defeito. Ele é muito modesto, mas foi o maior médico que teve na minha cidade. Ponha esse medicamento agora no gurizinho. Só vou sair daqui depois de você jurar que vai fazer isso.
A mulher meio emocionada, colocou o medicamento na hora e na minha frente e falou para mim:
- Agora reze para seu sogro estar certo.
Foi o que fiz. Passei pelo quarto, vi Beá e não fiquei muito tempo. Ela percebia em mim que algo não estava bem. Passei nas horas de visita na UTI e a notícia era que o remédio demorava pelo menos 12 horas para fazer efeito. Lembrava dele com aquela dificuldade para respirar e pensava: força filhão! Fui direto para a igreja da Brigadeiro e pedi a todos os santos de que lembrava. A noite foi terrível, não consegui dormir de jeito nenhum e quando amanheceu o dia eu estava de banho tomado na sala esperando o meu sogro. Nós dormíamos no apartamento porque minha sogra fazia questão de passar a noite na maternidade com Beá. Dizia que homem não servia para essas coisas.
Chegamos na pro-matre e fui direto para a CTI, apesar de não ser horário de visita. A CTI ficava no fim de um corredor largo e tinha uma porta de acesso a esse corredor. Quando entrei nele vi a Aurora na porta da UTI e diminui os passos. Minha fé começou a fraquejar. Quando cheguei mais perto, vi que ela estava chorando. Dei uma parada e pensei que viria a noticia que ele tinha morrido. Quando ela percebeu isso correu até mim e disse:
-Venha ver seu gurizinho! - Falou me imitando.
Aí percebi que tinha trocado lágrimas de emoção por de tristeza. Daniel estava respirando sem oxigênio e bem. A porra do neologista de merda estava errado e meu sogro tinha acertado na mosca. Abracei a Aurora e chorei como não fazia a muito tempo. Hoje, eu não tenho dúvidas, que esse foi o dia mais feliz de minha vida.

5 comentários:

  1. Graças a Deus que o velho estava certo!!!
    Meu pai esqueceu de contar que em vista desse acontecido eu e ele fizemos um acordo, meu primeiro filho se chamaria Antonio Pedro em homenagem ao meu avô salvador.
    Emocionante essa historia... ainda mais para mim!!!

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  2. Oh, tio, muito bonita essa história. Tb fiquei um tanto quanto emocionada. O que seria da Faísca sem a Fumaça??? Beijos para todos ai!!

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  3. Apesar de já conhecer a histótia , li várias vezes e me emocionei em todas...

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  4. Graças a Deus e a Dr. Pedrinho aí está o FORTE Daniel e muito bem homenagiado nosso Antônio Pedro!!!

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  5. Mais que testemunho fantástico! Já tinha ouvido 2 vezes, mas nunca por inteiro. É tocante ver como Deus atua. Brilhante. Brilhante!

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