quinta-feira, 13 de maio de 2010

Enio e o Espírito

Esta aconteceu em 1994 e foi do além, literalmente. Tínhamos acabado de comprar a fazenda São João e estávamos refazendo cercas, ajeitando a sede, mangueiro, mas estava tudo bastante precário. A casa da sede tinha que abrigar todo mundo: o gerente Enio, a cozinheira com o marido, o piloto e eu quando pernoitávamos lá. Como era muito próximo de Piratininga, que tinha todo o conforto, até ar condicionado, normalmente ficávamos sediados lá, mas no trabalho de gado ficava muito cansativo, pois nao podíamos ir de avião, primeiro porque não tinha hora para acabar e as vezes ia até o escurecer e também porque precisávamos do carro para percorrer as invernadas e sem avião já ficava longe.

Foi no primeiro trabalho e na primeira noite, estávamos cansados do trabalho no mangueiro o dia todo e aguardávamos a janta, quando fomos chamados pelo marido da cozinheira dizendo que ela estava tomada. No começo ficamos sem entender, quando ele completou:

- Tá possuída pelo demo!

Corremos até o quarto dela e a primeira impressão era que ela estava tendo um ataque de epilepsia, mas em seguida ela começou a falar um monte de palavrão e com voz de homem. Para quebrar o clima que se formou, eu falei meio na brincadeira e meio no cagaço que precisávamos de um exorcista, quando para minha surpresa alguém falou:

- Quer que eu chame?

Quase cai pra trás. Tínhamos um exorcista na fazenda! Mas naquela situação eu respondi:

- E rápido.

Em dois minutos chega seu Antonio, nosso capataz, com a Bíblia e um vidrinho de água benta. Junto estava seu filho de uns 16 anos que também trabalhava com a gente. Ele pediu que todos ficassem de mãos dadas e fizessem uma roda, com ele, o filho e a possuída no centro da roda. Com o filho segurando a bíblia, ele começou a rezar e jogar água benta nela. Comecei a achar que aquilo não podia estar acontecendo comigo e comecei a dar palpite:

- Vi num filme que os caras bordoam o corpo tomado para tirar o espírito. Por que não experimenta chegar um rabo de tatu nela?

O seu Antonio, todo compenetrado respondeu:

- Isso em último caso.

Vi que ele não entendia nada do assunto mas não tinha o que fazer. Meia hora de sessão a mulher se acalmou, ou desmaiou, e fomos todos dormir, sem janta.

Armei minha rede ao lado da do Enio e falei pra ele:

- Vou dormir de revólver na cintura. Se esse espírito encostar na minha rede mando ele de volta pro além junto com a cozinheira. Fique atento você também.

E dormimos. No dia seguinte acordamos com a mesa do café colocada, mas a lembrança da noite anterior, a mulher toda babada e se enrolando no chão me tirou o apetite. Como estava na época de manga, chupei umas 4 e fomos para o trabalho. Na hora do almoço, enquanto aguardava o mesmo, percebi que não conseguiria encarar também. Não podia falar nada pois teria problemas com os peões. Resolvi chupar umas mangas de novo e na hora só dar uma enrolada. Só que o capataz de Piratininga, Seu Açica, que estava lá ajudando no trabalho, percebeu e disse:

- O patrão chupando manga desse jeito antes do almoço vai perder o apetite.

Antes que eu respondesse ele completou:

- Passa umas 5 aí pra mim.

A noite, novamente no mesmo horário e na mesma situação, começa tudo de novo. O espírito chegava às 19 horas e era pontual. Chama seu Antônio de novo, mão dada em roda, tudo igual a noite anterior, a única diferença foi que eu não achei o Enio. Uma hora de exorcismo e fomos de novo sem bóia pra cama. Resolvi que terminaria o trabalho no lote que estivesse no jeito e paralisaria os trabalhos se não encontrasse alguém que cozinhasse entre os peões. A coisa estava feia, ninguém aguentava mais e o meu coco já estava cheirando manga.

Quando cheguei na varanda, minha rede já estava armada e o Enio deitado na dele ao lado, dormia profundamente. Fiquei meio na bronca, eu de mão dada com macho exorcizando o demo e meu gerente dormindo. Quando acordei de manhã, encontrei ele já tomando o tereré e disse:

- Porra Enio, aconteceu tudo de novo ontem.

- Eu vi o início da coiseira.

- E foi dormir e me largou na roda, como conseguiu?

- Olha chefe, eu não ia conseguir dormir se deixasse o senhor dormir primeiro, que nem a noite retrasada. Você ronca muito alto. O Açica disse que, na hora que o senhor dormiu, queria chamar seu Antônio dizendo que o espírito tinha baixado em outro lugar. Teve gente que mudou pra baixo da mangueira. Não pude sair porque o senhor me pediu para ficar atento na cozinheira.

- Por que você não me acordou? Me deixou pagar esse puta mico?

- Chefe, não é fácil acordar homem cansado para ele parar de roncar, ainda mais meu chefe e pra completar com um tresoitão na cintura.

- E essa noite, ronquei de novo?

- Então, do jeito que eu estava não ouvi nada, mas o comentário do pessoal é que foi brabo de novo.

Trocamos a cozinheira e continuamos o trabalho. Não ronco tão alto assim. Devem ter sido as mangas.

Um comentário:

  1. Tio o pior é que o Sr. roca muito mesmo, lembro uma vez que fomos no Campo Novo trabalhar o gado no mangueiro de porta de onibus, depois do almoço fomos descansar e o Sr. começou a roncar e eu nao conseguia dormir por nada, quando comecei a pegar no sono o Sr. deu um pulo da rede e disso, Vamos!!!!!

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