sexta-feira, 30 de abril de 2010

Maria Tereza


Maria Tereza era a secretária executiva do Choulian. Conhecia-o tão bem quanto sua esposa. Ela ficava na ante sala dele. Como já falei o Choulian era muito estabanado. Escrevia correntemente com as duas mãos. A escolha era em função da posição que você estava. Se estava a sua esquerda ele escrevia com a direita para a pessoa ao lado poder acompanhar. Sentado a direita ele mudava de mão. Às vezes ele usava o lápis numa mão e a borracha na outra e escrevia numa linha e apagava na de cima. Era uma loucura acompanhar a cabeça do homem. Às vezes ele virava todo o café e pelo susto que ele levava ela já chegava com o pano para enxugar a bagunça que ele tinha feito. Ela era mais do que secretária dele pois comandava as secretárias de todos os departamentos. Tudo que saía da gerência passava pelo crivo dela. E às vezes dava algumas brigas. Ela tinha mania de corrigir os nossos rascunhos com caneta vermelha e ficava aquela rabisqueira, no começo eu reclamava com ela:

- Pô meu, você quer me deixar com vergonha? - e ela respondia:

- Também você não conhece til, cedilha, assento nenhum. S e Z pra você é a mesma coisa. Fica em vermelho para você aprender e para as secretárias não passarem por cima.

Foi uma maneira traumática mas depois de alguns meses, talvez anos, melhorei bastante. Eu e o Choulian. Mas não foi tão tranquilo assim sempre. Às vezes a briga era pior, como quando ele escreveu numa ata prévia, numa descrição de uma comporta os INGREDIENTES que a compunham. Quando ela quis mudar para componentes ele não deixou de jeito nenhum. Na hora da leitura da ata, na sua sala com ela do lado, quando chegou nesse trecho e quiseram gozar ele que aquilo era linguagem de culinária, ele não vacilou em dizer que ela que mudou o rascunho dele e que realmente estava fazendo um curso de culinária. E o melhor é que ela ouviu tudo mas agüentou firme.

Acho que desse dia em diante não discutimos mais com ela. Ou melhor tive uma única discussão e ganhei. Ela mudou "permaneceu" para "ficou" e eu questionei que não era a mesma coisa. Ela veio com dicionários me provando que era igual. No fim consegui convencê-la que permanecer implicava em continuar do jeito que estava e ficar implicava em mudança de situação. Por incrível que pareça foi a única vez que ganhei dela no Português. Dia inesquecível.

Mas a Tereza foi uma das melhores amigas que tive. Minha tese de mestrado foi feito em uma época que não existia Word, e o que existia de melhor eram umas máquinas de escrever IBM em esferas, que você podia fazer todas as fórmulas com símbolos do tipo sigma, tal, fi, omega, etc. Mas era um saco pois tinha que escrever com a esfera normal, deixando o espaço livre, trocar a esfera e vir preenchendo aquilo tudo que ficou para traz. Ela escreveu minha tese inteirinha. São coisas que a gente não vai esquecer nunca. Isso tudo foi a 28 anos atrás e parece que foi ano passado.

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