quinta-feira, 8 de abril de 2010

Memória

Papai sempre teve uma memória muito boa mas quando estava completando 90 anos ela começou a ratear. Os fatos recentes ele já não conseguia lembrar depois de algumas horas. Falava de acontecimentos de 70 anos atrás mas não conseguia decorar o nome de nenhum bisneto. Mas fora isso víamos que ele estava vivendo bem e era feliz ali com mamãe. Íamos sempre visitá-lo e já no fim ele reclamava sempre que tinha meses que não íamos lá. Às vezes ficava ali com ele lendo algum artigo que ele tinha escrito, levantava para tomar água e quando voltava ele falava:

- Porra meu, até que enfim você resolveu me visitar!

Era com tristeza que íamos acompanhando essa perda de memória, mas às vezes isso levava a situações engraçadas como na vez em que os pais da Ana, esposa do meu filho Guilherme, resolveram ir visitá-lo.

Antes da visita fui até ele e falei:

- Pai, os pais da Ana virão visitá-lo hoje. Vão vir com os avós, então não fica perguntando quem é quem, porque vai ficar parecendo que você está fazendo pouco caso. É tudo parente da Ana.

Ele me olhou e falou:

- Mas não posso perguntar nem pra você?

- Não pai, na hora é melhor você não perguntar para ninguém.

Eu já tinha passado apertado antes, com ele falando alto pra caramba e achando que ninguém estava escutando.

Aí ele retrucou:

- Mas nem agora, só nós dois, eu não posso perguntar nada?

- Claro papai, pode perguntar o que quiser. To falando pra não perguntar na frente dos parentes da Ana.

- Certo filho pode ficar tranquilo, mas agora me fale: quem é a Ana?

Não preciso dizer que no dia da visita ele perguntou pra cada um umas 6 vezes quem eram, inclusive para a Ana.

Mas acharam ele o máximo.

Um comentário:

  1. Achamos mesmo, Tadeu. Tivemos pouco tempo de conhecê-lo, mas deu p/ perceber tudo isso que voce vem descrevendo e "falando" dele. Fico com a impressão que os mais novos tem uma vaga ideia da importancia que tiveram (e tem)nossos "queridos velhos". Quando vamos ficando de cabelo branco (quem tem cabelo né!) vamos dando maior relevancia p/as coisas que aprendemos e continuamos aprendendo com eles, por mais que estejamos vivendo a tal modernidade seus ensinamentos não sofrem desatualização, estão vivos em nossa memória e nosso dia a dia.
    um grande abraço,
    CAClemente 23/04/2010

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