sexta-feira, 30 de abril de 2010

Maria Tereza


Maria Tereza era a secretária executiva do Choulian. Conhecia-o tão bem quanto sua esposa. Ela ficava na ante sala dele. Como já falei o Choulian era muito estabanado. Escrevia correntemente com as duas mãos. A escolha era em função da posição que você estava. Se estava a sua esquerda ele escrevia com a direita para a pessoa ao lado poder acompanhar. Sentado a direita ele mudava de mão. Às vezes ele usava o lápis numa mão e a borracha na outra e escrevia numa linha e apagava na de cima. Era uma loucura acompanhar a cabeça do homem. Às vezes ele virava todo o café e pelo susto que ele levava ela já chegava com o pano para enxugar a bagunça que ele tinha feito. Ela era mais do que secretária dele pois comandava as secretárias de todos os departamentos. Tudo que saía da gerência passava pelo crivo dela. E às vezes dava algumas brigas. Ela tinha mania de corrigir os nossos rascunhos com caneta vermelha e ficava aquela rabisqueira, no começo eu reclamava com ela:

- Pô meu, você quer me deixar com vergonha? - e ela respondia:

- Também você não conhece til, cedilha, assento nenhum. S e Z pra você é a mesma coisa. Fica em vermelho para você aprender e para as secretárias não passarem por cima.

Foi uma maneira traumática mas depois de alguns meses, talvez anos, melhorei bastante. Eu e o Choulian. Mas não foi tão tranquilo assim sempre. Às vezes a briga era pior, como quando ele escreveu numa ata prévia, numa descrição de uma comporta os INGREDIENTES que a compunham. Quando ela quis mudar para componentes ele não deixou de jeito nenhum. Na hora da leitura da ata, na sua sala com ela do lado, quando chegou nesse trecho e quiseram gozar ele que aquilo era linguagem de culinária, ele não vacilou em dizer que ela que mudou o rascunho dele e que realmente estava fazendo um curso de culinária. E o melhor é que ela ouviu tudo mas agüentou firme.

Acho que desse dia em diante não discutimos mais com ela. Ou melhor tive uma única discussão e ganhei. Ela mudou "permaneceu" para "ficou" e eu questionei que não era a mesma coisa. Ela veio com dicionários me provando que era igual. No fim consegui convencê-la que permanecer implicava em continuar do jeito que estava e ficar implicava em mudança de situação. Por incrível que pareça foi a única vez que ganhei dela no Português. Dia inesquecível.

Mas a Tereza foi uma das melhores amigas que tive. Minha tese de mestrado foi feito em uma época que não existia Word, e o que existia de melhor eram umas máquinas de escrever IBM em esferas, que você podia fazer todas as fórmulas com símbolos do tipo sigma, tal, fi, omega, etc. Mas era um saco pois tinha que escrever com a esfera normal, deixando o espaço livre, trocar a esfera e vir preenchendo aquilo tudo que ficou para traz. Ela escreveu minha tese inteirinha. São coisas que a gente não vai esquecer nunca. Isso tudo foi a 28 anos atrás e parece que foi ano passado.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

O Regime

Choulian vivia de regime e era daqueles que na frente da sua esposa, D. Virginia, não saía de jeito nenhum. Agora, quando ela não estava perto, ninguém segurava ele. A noite assaltava geladeira, comia as coisas escondido, era violento.

Numa das viagens para reunião em São Paulo, fomos no meu carro e estava com Beá e Laura. Na volta sempre parávamos em um posto de estrada que tinha uma sorveteria cujo nome era Sem Nome. A Laura resolveu propor uma aposta para o Choulian: quem conseguiria comer mais sorvete, o que foi prontamente aceito com a condição de que D. Virgínia não ficasse sabendo. Entrei na aposta também e fiquei em terceiro lugar. O pódium foi o Choulian seguido de perto pela Laurinha. Beá, a única normal em assuntos de sorvete, ficou em quarto. Quando chegamos em Taubaté e fomos deixá-lo em casa, d. Virgínia na porta, nos fez entrar. Apesar de cansados resolvemos dar uma entradinha. Na recepção ela olhou para ele e disse:

- Não podia ter comido uma bola só? Tinha que tomar de chocolate, morango, flocos, creme e a medida que ia enumerando os sabores batia nas manchas de sua camisa, na altura da barriga. Ele mostrou toda a sua espiritualidade saindo com esta pérola. Virou para nós e disse:

- Isso é para vocês verem que o CREME não compensa.

Esse é o Choulian.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Bernadete

A Bernadete era a nossa bibliotecária na Mecânica. Todos os livros ficavam sob sua responsabilidade. Quem o retirasse tinha que preencher uma ficha e deixar seu nome para que se outro precisasse pudesse encontrá-lo. Fui a biblioteca e não achei o livro que queria e tampouco a ficha do mesmo. Depois de horas procurando e sem conseguir motivar a Bernadete a sair atrás vasculhando as gavetas de todo mundo, resolvi reclamar para o Choulian. Quando estávamos sozinho eu o tratava como amigo, sem nenhuma formalidade. Na frente de qualquer outro era Eng. Choulian. Como estávamos sozinhos eu disse a ele:

- Choulian, não acho a porra do Timoshenko e estou atrasado com os cálculos de Itaipu. Se não encontrar essa merda logo estou fudido e a Bernadete não está me ajudando.

Tinha me esquecido que ele não falava palavrão e não entendia muito de gíria. Falava e escrevia português corretamente e mais 4 ou 5 línguas: inglês, francês, búlgaro, russo, mas gíria em nenhuma língua. Chamou a Bernadete imediatamente, pediu que ela se sentasse e disse:

- Bernadete, preste muito atenção no que vou te falar. Se você não achar a porra do livro do Timoshenko que o Eng. Tadeu esta procurando você esta fudida, entendeu?

Eu quase cai da cadeira. A Bernadete estava uma cera. Não conseguia nem rir. Como ela não respondia, ele reforçou:

- Você entendeu Bernadete ou preciso soletrar. F u d i d a. Vá achar a porra do livro!

Quando ela saiu da sala, criei coragem e falei:

- Choulian, você não podia falar desse jeito com ela. Você sabe o que é fudida? Ele olhou pra mim e disse:

- Encrencada?

- Pior, Choulian, muito mais forte. Mais ou menos como estuprada. E porra é o sêmen do homem. São gírias e só se pode falar entre homens!

Ele, agora corretamente, falou:

- Tô fudido!

Corri e fui falar com a Bernadete. Quis aplicar o golpe de que ela não tinha entendido direito, quando ela retrucou:

- Que parte? Da porra ou do tá fudida?

A Tereza, secretária do Choulian desde que ele chegou no Brasil, que consertou tudo, com explicações de intenção versus palavras, e achamos a porra do livro.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Taubaté

Eu me formei em 1972 na Escola de Engenharia Mauá. Em abril de 73 eu me casei com Beá e fui procurar emprego. Comecei na Bardella como engenheiro de orçamentos de máquinas de transporte e levantamento. Era a matéria que eu mais gostava na faculdade e quando apareceu esse emprego eu peguei firme. Fiquei na Bardella por um ano. Quando saí de férias em julho de 1974 e fui para Corumbá, surgiu uma epidemia de meningite em São Paulo e o Dr. Jamal, pediatra da minha filha, não deixou que voltássemos com ela para lá. Tivemos que voltar sem Laura e isso nos fez pensar em mudar para o interior. Como gostava do que fazia, fui para a Mecânica Pesada, uma multinacional francesa, que trabalhava na mesma área que a Bardella.

Meu primeiro chefe lá foi o Ivan Chu, pai chinês e mãe francesa. Depois de 6 meses, ele saiu da empresa e fui trabalhar com Onik Diram Choulian, armênio de nascimento, brasileiro por opção, como ele dizia. Foram as duas pessoas mais inteligentes com quem tive o prazer de conviver e trabalhar e que são meus grandes amigos até hoje. Fiquei 10 anos em Taubaté, e posso dizer que foi uma das melhores fases da minha vida. Nesse período, comecei como engenheiro de projetos, aí fui para o cálculo e passei a chefe do CEM - Cálculos e Estudos Mecânicos. Com a verticalização da empresa fui a chefe de departamento de engenharia hidromecânica - HEM, e depois engenharia de métodos e processos. Gostava muito do que fazia e participei da construção das maiores usinas hidroelétricas desse pais. Tinha um chefe genial e que me incentivava muito. Fiz engenharia civil em Taubaté e depois mestrado em estruturas no ITA, em São José dos Campos.

Trabalhávamos a semana toda e nos fins de semana íamos, eu e Beá, na casa do Choulian para jantar uns folheados deliciosos que a Mama Angel fazia. As conversas acabavam sendo muito sobre trabalho e existia uma situação muito particular, pois a esposa do Choulian, D. Virgínia, também era calculista e trabalhava comigo. Era um problema pois ela era a melhor calculista que eu tinha e cada vez que tinha que dar aumento de salário a ela, tinha que brigar com meu chefe e às vezes passavam-se dias para convencê-lo de que existiam comparações salariais e segurar o dela implicava segurar o de outros que também mereciam. Era um parto. Apesar de super inteligente era cabeça dura. Nessas visitas, quando a conversa ia para serviço, a D. Virgínia falava que lá era ela a chefe e ninguém podia falar de serviço. Nós não dávamos muita atenção e íamos para o escritório dele onde podíamos continuar a falar da única coisa que gostávamos: cálculos e computação. Quando tinha mais gente, sempre ia a Tereza, sua secretária e minha professora de português, o Willian, chefe do departamento elétrico e de planejamento, não se falava em trabalho mesmo.

Mas o Choulian é o cara mais sério e engraçado que conheço. Suas histórias, algumas contadas por ele, outras presenciadas por mim, são muito engraçadas. Como o dia em que fomos para o Rio com seu carro, um passat novinho. Como ele era muito nervoso, e meio barbeiro, ou meio nervoso e muito barbeiro, ficava toda hora colocando o cambio do seu passat em ponto morto e aí jogava a quarta marcha de novo. O carro tinha só quatro marchas. Ia ele no volante, eu do lado, e um engenheiro mais novo do meu departamento, o Rubinho, no banco de trás. O Rubinho, muito gozador, pergunta:

- Choulian, quantas marchas tem esse carro?

- Quatro, responde o chefão,

- A ta, pensei que tivesse dezesseis.

E isso sem dar nem um sorriso, e eu que tinha que me aguentar sem rir, porque ele nem tinha percebido a gozação. Minutos depois ele pergunta se o carro é "ponto 30", eu sabendo que ele estava se referindo ao calibre de uma das armas mais poderosas que existe. O Choulian responde inocentemente que é um 2.0

Bons tempos aqueles.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Noivado de Pedro

Tem coisas que você faz e depois de alguns anos não consegue entender o que o levou a fazer aquilo ou, pelo menos, como conseguiram te convencer a fazer determinada coisa.

O meu irmão Zé António estava de visita em São Paulo. Devia ser por volta de 1976. Já tínhamos Laura e Beto e ele Mercedes. Ele estava em uma época de muito medo, verdadeiro pavor de qualquer meio de transporte. Para chegar em São Paulo já tinha sido um parto. Morávamos em Taubaté e ele tinha ido a São Paulo para o casamento de Genarinho, um primo nosso. Esse casamento foi inesquecível e um dia vou escrever sobre ele.

Mas, voltando a nossa viagem, o meu cunhado Pedro Henrique, irmão de Beá, iria ficar noivo no Rio, nos convidou, e eu queria levar o Zé. Veio a condição: eu topo se formos de trem. Tentei convencê-lo mas não tinha jeito: avião não servia porque voar era feito para passarinhos, ônibus no Brasil com motoristas dirigindo 20 horas seguidas, não sei de onde ele tirou esses dados, era suicídio. Conclusão? Pegamos uma litorina em São Paulo às 7 da manhã de uma sexta feira e fomos, com três crianças sendo uma de colo, por 10 horas para o Rio de Janeiro. A viagem de ida foi muito boa pois viemos despreocupados com o motorista sair da estrada, bater em outro trem na contramão e outras vantagens que ele veio enumerando de São Paulo até o Rio. O pesadelo foi a volta.

Passamos o fim de semana no Rio, o noivado foi no sábado a noite, e eu tinha que estar em Taubaté na segunda. As mulheres, cansadas ainda da viagem, resolveram passar a semana no Rio e voltaríamos no outro fim de semana para buscá-las. O Zé resolveu voltar comigo pois tinha negócios a tratar em São Paulo. Quando ele falou isso eu já imaginei 10 horas de trem, sentado a noite toda. Ele me tranquilizou dizendo que já tinha providenciado tudo. Tinha um trem noturno que saía às 7 da noite e passava por Taubaté às 3 da manhã. Íamos dormindo tranquilamente sem se preocupar com veiculo na contra mão, etc e tal. O Cauto, cunhado de Beá, aderiu a ideia. Ia deixar Mena com as crianças por uma semana no Rio e ia voltar com a gente. Ele morava em São José dos campos, 40 km para frente de Taubaté. Ficamos todos animados em viajar de noite de trem e o primeiro problema apareceu antes de embarcar. Só tinha uma cabine. Cauto, já sem opção, resolveu embarcar clandestino. Subornamos o camareiro, que arrumou um colchão extra para colocarmos no chão da cabine. Foi o Zé na cama de baixo, eu na de cima e Cauto no colchão extra. O segundo problema apareceu quando perguntamos a que horas o trem chegava em Taubaté. Não chegava, respondeu o cabineiro, passava e correndo! Oh meu, e agora? O Cauto perguntou:

- Em São José ele para ? O cara respondeu:

- Parar, assim bem parado não, mas dá uma meia trava e vocês conseguem pular.

Quando perguntamos pro Zé que porra era essa, ele começou a dizer que isso era um absurdo, por isso que aquela merda de ferrovia ia quebrar, e acabamos embarcando mesmo assim. Desceríamos em São José e Cauto me levaria de carro, de volta pra Taubaté, que estava a 40km.

Só tiramos o sapato para dormir, para poder descer rápido do trem andando, e o Zé ficou 10 minutos falando com o cabineiro que precisávamos descer em São José, que ele tinha sono pesado, pro cara bater duro na hora que tivéssemos que descer do trem andando. Fomos dormir e acordei com o Zé me chacoalhando e na descida já pisei no Cauto. Naquela escuridão não se achava nada e quando assustamos já estávamos fora do trem, com o Zé jogando as nossas maletas pela janela. Achei muito escura a estação de São José dos Campos e a primeira impressão foi que, na pressa, descemos do lado errado do trem. Ficamos parados esperando o trem passar para ir para a plataforma. Só percebemos que o trem tinha passado porque parou de fazer barulho. Do outro lado não tinha nada. Ficamos, eu e o Cauto, sem entender o que estava acontecendo até a vista se acostumar com o escuro e percebermos que tinha um homem sentado numa cadeira à nossa frente, que quase enfartou quando nos viu e disse:

- Tenho 20 anos aqui e é a primeira vez que vejo passageiro descer aqui. Normalmente o trem só para para entregar o malote. Cauto perguntou:

- Mas que porra é essa? Aqui não é São José dos Campos?

O carinha respondeu:

- Próxima estação.

Aí caiu ficha, o camareiro com tanta recomendação do Zé resolveu avisar uma estação antes para dar tempo de nos prepararmos para o salto, o Zé no desespero, literalmente nos jogou do trem que estava parando para entregar o malote. Aí escutei já o cara respondendo meio na gozação:

- É fácil, só seguir o trilho e andar 10 km. Eu não tinha escutado a pergunta do Cauto, só a resposta do carinha e a replica do Cauto:

- Zé filho da puta!

E começamos a andar. No caminho começamos a pensar no que aconteceria com o Zé, o que fiquei sabendo horas depois pelo próprio. Ele contou que depois que descemos que ele relaxou já que ia poder dormir até São Paulo. Até o momento ele não tinha pregado os olhos com medo do trem passar direto e ele ser o culpado de não chegarmos na hora no trabalho. Ele se sentia responsável, pois a viagem de trem tinha sido ideia dele, tanto a ida como a volta. Antes de dormir resolveu fumar um cigarro sentado na cadeira que ficava na janela da cabine. Estava terminando o cigarro quando o camareiro bateu na cabine, com o trem diminuindo a velocidade. Antes de atender a porta, ele viu aquela puta estação toda iluminada com mais de 100m de plataforma e escrito em uma placa luminosa "São José dos Campos". Quase enfartou! Correu, abriu a porta já perguntando pro camareiro:

- Onde que você desceu os homens? O camareiro respondeu mais assustado do que ele:

- Hein?!?! Como assim. Eu bati para avisar que era a próxima parada.

Bom o Zé passou o resto da viagem sem dormir.

Já nós, andamos até o sol nascer, tropicando nos dormente e xingando Dona Julieta, minha senhora mãe e também do Zé, de tudo quanto era nome. Quando clareou vimos a caixa d'água de Vista Verde, que era um bairro que a empresa que o Cauto trabalhava estava construindo. Quando falei que já estávamos perto ele respondeu:

- Ilusão de ótica. Aquela caixa é grande pra cacete e daqui tá parecendo pequenininha. Vamos cortar caminho. Descemos essa pirambeira, cortamos esse campo gramado e com sorte, em meia hora chegamos na Dutra.

Nisso vi a Dutra, uma estrada de duas mãos com duas pistas de cada lado parecendo uma estradinha. Aí vi que estávamos muito longe. Fomos cortar o gramado e no meio do caminho descobrimos que era um brejo, o maior que já vi na vida, mas não tinha retorno. Tinha pontos em que a água chegava nos joelhos. Depois de duas horas atingimos a Dutra e por sorte, por incrível que pareça, na hora estava passando um ônibus para Taubaté que parou para eu embarcar. Cauto ainda tinha uma hora de caminhada pela frente e resolvi largar dele.

Cheguei às 11 da manhã na Mecânica Pesada do jeito que estava. Fui direto para sala do meu chefe pensando: ele vai acreditar nessa história vendo o estado das minhas roupas. Quando entrei na sala dele vi sua alegria e alívio quando me viu e já foi dizendo:

- Liga logo pro seu irmão que ele já ligou umas 10 vezes para cá. Já estamos sabendo da besteira que você e seu cunhado fizeram descendo na estação errada. Quando ele acordou em São José percebeu o que tinha acontecido e desde que chegou em São Paulo não faz outra coisa que não ligar para cá de dez em dez minutos. Estava todo mundo preocupado com vocês.

Não falei nada e fui ligar pro filho da puta do meu irmão.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Pacu duro de comer

Essa papai me contava com uma certa vergonha. Mas ele achava engraçado mesmo tendo ficado por baixo.

Ele chegou no café São Paulo e estava o tio Patrão contando uma história para um grupo de amigos de um pacu que ele tinha comprado e passava 5 minutos descrevendo a beleza do pacu. Quando ele falou que não tinha conseguido comer o pacu, todos ficaram quietos e só papai, que tinha chegado por último, perguntou o porque dele não ter conseguido comer o pacu. O Patrão respondeu porque ele tinha o fiofó muito apertado. Foi aquela gozação em cima do meu velho. Quando estava todo mundo tirando sarro dele, vem chegando o Baiano, o poeta dos jogos florais. Papai pediu que todos ficassem quietos que ia passar a sacanagem para o Baiano. E resolveu florear mais ainda a estória e começou:

- Baiano, você não sabe o que me aconteceu. Comprei um pacu por 100 contos e não consegui come-lo.

- Conta outra Alberto, você vai lá pagar 100 contos num pacu.

- Oh Baiano, você não viu o tamanho do pacu.

- Alberto, você não paga 100 contos num pacu de jeito nenhum.

Para dar seguimento no trote, papai resolveu concordar e disse:

-Tá certo Baiano, você é esperto mesmo. Paguei só 50 mas era uma beleza de pacu, e ainda assim não consegui come-lo.

- Alberto, para. Você não pagaria nem 20 contos num pacu!

Papai já meio puto, pois nessa hora o pessoal já estava rindo dele de novo, falou:

- Ta bem, Baiano. Vou falar a verdade pra você. Eu ganhei a porra do peixe, uma beleza, mas não consegui come-lo. Sabe por que?

E se preparou para o momento triunfal, quando o Baiano respondeu.

- Claro que sei. Um peixe bonito desse, de graça, devia estar estragado.

E foi-se embora, deixando todo mundo rachando de rir de papai. Só aí que o pessoal contou para papai que quem tinha passado a estória primeiro em Patrão tinha sido o próprio Baiano.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Almoço no Massimo.


Era julho de 1984 e era o nosso último ano em Taubaté. Depois de 20 anos morando fora, 10 em São Paulo e 10 em Taubaté, íamos voltar para Corumbá. Era euforia misturada com uma dose de preocupação. Estávamos dando uma guinada muito grande nas nossas vidas. Tinha trabalhado e estudado muito. Tinha um bom emprego, estável, tínhamos feito grandes amigos. Mas isso é outra história, voltemos ao Massimo. Como estávamos nos despedindo de São Paulo e papai estava em sua última visita, pois iríamos morar na mesma cidade a partir dai, resolvi levá-los no restaurante mais chique de São Paulo, o Massimo.

A primeira briga foi com mamãe pois papai queria ir de sandália. Depois de muita discussão convencemos ele de que não era apropriado, pois tinha muita gente conhecida que freqüentava ali e todos iam de terno e gravata. Por isso ele trocou a sandália pelo sapato, acho que já com medo de quererem colocar uma gravata nele. Chegamos lá, e para os manobristas acostumados a estacionar Mercedes, ele já recomendou meu opala com dois anos de uso. Sentamos perto de uma janela de vidro que nos separava de uma cascata. Até aí estava tudo indo muito bem e ele adorando. O primeiro comentário foi que ainda bem que não veio de sandália pois a coisa era chique mesmo.

O encanto acabou com a chegada do cardápio. Na hora em que ele viu os preços não se consolava, e vinha os comentários:

- Porra meu! Não podiam pescar essa truta aqui e cobrar mais barato? Tinham que trazer da Patagônia? Já veio frita?

O que é esse gulache?

- Carne com batatas papai, respondi.

- Porra meu, a carne vem da Patagônia também para custar tudo isso?

Depois de comentar todos os itens do cardápio, acabou optando pela truta. Fizemos o pedido e o garçons trouxe o couvert. Quando ele ia reclamar eu me adiantei e disse que estava incluído no preço, o que o deixou mais animado, mas foi a grande besteira. Vinha aquela cestinha com vários tipos de pães, bolo de queijo quentinho, e outras delicias mais. Comi um pouco enquanto aguardava e não percebi quando terminou tudo que estava na cesta. O garçons repôs imediatamente com eu dizendo que estava incluído no preço. Aí ele disse:

- Mas então não precisávamos pedir comida nenhuma que só isto estava ótimo.

Chegou a truta enrolada em papel de alumínio, com o tempero de ervas e nozes em uma cumbuquinha separada. Comemos muito bem ainda que eu estivesse preocupado dele não conseguir comer mais nada, pois já tinham vindo umas 3 cestinhas de couvert e ele acabou com todas sozinho.

Depois da sobremesa e do café levantamos para sair. Nesse momento percebi que o casaco dele, um cardigã de abotoar na frente, estava meio guenzo e quando fui arrumar percebi para onde tinham ido as três cestinhas de couvert. Os bolsos do casaco estava abarrotado com os bolinhos de queijo.

A explicação que ele deu foi muito lógica. Na primeira cesta, quando ele viu que sobrou e ninguém mais comia, ele resolveu guardar, uma vez que já estava pago. Quando veio a segunda, ele ficou em dúvida se era uma por pessoa e resolveu guardar a segunda. Quando veio a terceira ele confirmou que era uma por pessoa. Aí eu perguntei:

- Mas aí, se éramos quatro porque você não pediu a quarta?

- Porque acabaram os bolsos, ele respondeu.

terça-feira, 20 de abril de 2010

História para os netos


Tive que contar essa história na escola do Felipe.

Bom, antes de começar a contar esta história, eu tenho que avisar que aqueles que tiverem medo, é bom que se preparem pois ela é meio assustadora. E é a mais pura verdade. Não vou aumentar nem um tiquinho.

Foi na fazenda Piratininga. Eu estava chegando de uma viagem, e já estava no campo da fazenda mas ainda longe da sede quando o carro pifou. Estava sozinho e sem nenhuma arma, porque agora é proibido andar armado. Estava sem lanterna também, coisa que nunca ando sem, mas nesse dia, um neto, não sei se o Felipe ou o Tomás, tinha pegado ela para brincar e fiquei sem. Por sorte era um noite de lua cheia, e dava para andar na estrada sem lanterna mas não dava para consertar o carro. Pensei até em dormir dentro do carro e ir depois que o sol nascesse , mas com a lua daquele jeito, dava para chegar na fazenda e dormir na minha cama quentinha. Era julho e estava muito frio. Pensei: andando a gente esquenta e ficar parado nesse carro, na madrugada vou tiritar de frio. Depois, era só uma hora de marcha bem acelerada. Naquele tempo eu corria isso tranquilo, que nem os pais de Tomás e Felipe, que são bons de andar e correr. Peguei meu cantil, meu canivete, tranquei o carro e segui para a fazenda. Quando estava no meio do caminho, comecei a escutar um barulho atrás de mim. Achei que era o vento, pois estava começando a mudar o tempo. Já tinha tropeçado duas vezes, pois umas nuvens começaram a esconder a lua. Fiquei com um pouco de medo pois estava muito longe ainda da fazenda e já longe do carro. Acelerei ainda mais o passo, quando vi uma sombra que cortou meu caminho e ficou atrás de uma árvore. A primeira ideia que me passou pela cabeça era de uma pessoa. Mas quem estaria no meio do pantanal numa hora dessas? Fazendo o que? Não vou mentir para vocês, fiquei com muito medo. Só tinha meu canivete e ele era muito pequeno. Até trouxe ele para mostrar para vocês. Foi aí que ouvi o berro, na realidade parecia mais um arroto. Desses bem grande. Era uma onça e pelo jeito das maiores. Era pior bicho para enfrentar de noite e sem nenhuma arma pesada. Mas não tinha jeito. Se corresse ela me pegaria e por trás. Aí babau, ? Já imaginaram uma onça de 150 kg na cacunda. Derruba touro de 800 kg. Era melhor estar de frente pois meu canivete é muito afiado. Começou a cortar para só no osso. Subir em árvore, ela sobe melhor que a gente. Foi aí que pensei. Ela pode ser mais forte mas não é mais inteligente que eu. Resolvi então ver se conseguia enganar ela. A onça só ataca o homem se ele estiver sozinho e eu tinha que fingir que tinha mais gente comigo. Lembrei de meu cachorro campeão que punha qualquer onça para correr e comecei a latir que nem ele. Uou uou uou. Aí eu vi que a bicha ficou atenta tentando ver onde estava o cachorro. Fiquei contente e mais confiante. Estava dando certo e ela começou a se mostrar para mim. Antes que ela percebesse o truque, comecei a relinchar que nem o Maracho, meu cavalo inglês bonito que tenho na fazenda. Hiiinch, bruoch. Esse cavalo era tão grande que o pai do Filipe quando andava nele tinha que olhar pelo vão das orelhas, porque ele com 10 anos montado, ficava com os olhos da altura da cabeça do maracho. Mas voltemos a bicha. A onça já não estava entendendo nada quando imitei um galo. Hu hu huuuu. Aí ela endoidou. Deve ter pensado: já ta amanhecendo e esse cara aí ta cheio de gente e bicho que eu não estou vendo E saiu correndo. Só que pro lado da fazenda. Não tive outra escolha. Sai correndo atrás dela. Foi quando chegou um trator da fazenda e com a luz da lua, mais do farol viu aquela cena. Um mundo de onça correndo e eu atrás dela com um canivetinho na mão latindo que nem cachorro. O Dorival, esse é o nome do tratorista, não acreditou no que estava vendo e achou que eu tinha pirado ou era o cara mais forte do mundo. Correr atrás de uma onça, de noite e onça daquele tamanho.

Nunca mais vou esquecer essa noite. E acho que nem a onça.


segunda-feira, 19 de abril de 2010

Baiano - Jogos florais

Rubens de Castro, Baiano para os amigos, foi um dos maiores poetas de Corumbá e um dos amigos do peito de papai. Ele participava todo ano de um concurso de poesia que se chamava Jogos Florais. Acho que o nome vem do fato do concurso ser na Primavera. Papai era o consultor dele. Todos os dias ele chegava com uma poesia nova e declamava para papai. Isso na hora do serviço e às vezes no pico das vendas. Papai com toda paciência do mundo ia contornado as coisas.

- Pera aí Baiano. Deixa eu fechar essa nota.

O Baiano ignorava e ia declamando no meio das vendas dele, tumultuando tudo.

Numa dessas vezes, chegando o Baiano no Marinho, antes que ele começasse a declamar papai falou:

- Baiano, vamos inverter as coisas. Hoje você que vai me escutar. Fiz uma trova e para você.

O Baiano ficou todo vaidoso e disse:

- Manda aí Alberto.

Nessa hora, todo mundo que já sabia da história, foi chegando para ouvir a trova de Papai, quando ele todo prosa, ou todo verso, declamou:

" Jogos, Jogos Jogos

Florais, Florais, Florais

Baiano vai embora

Não te aguento mais"

E foi aquela risada toda. Aí papai falou:

- Essa foi para descontar a do pacu de ontem.

Mas essa é outra história.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Quem é a gostosa?


Arnildo Cesconeto foi um cara muito importante na história da Ema. Ele tinha uma empresa de desmatamento e formou grandes áreas de pastagens para nós tanto aqui na parte alta quanto no Pantanal. Era guapo de tudo. Antes de começar o trabalho, tínhamos que determinar qual a área negativa que é aquele mato ralinho que seria cobrado um preço menor do que o da mata fechada. O que fazíamos era fechar o polígono onde a derrubada seria efetuada e após isso, com o GPS ligado, íamos contornando todas as áreas limpas e determinávamos as duas áreas. Isso era feito com nós dois dentro de uma defender e começávamos às 5 da manhã e íamos até escurecer. Isso durava dias.

O Arnildo tinha um particular. Ele era casado com uma mulher bem mais jovem e muito bonita, bonita mesmo, e que às vezes em serviços rápidos o acompanhava. Quando estávamos formando Nossa Senhora da Guia, combinamos de nos encontrar lá para acertarmos alguns detalhes. Como quase sempre, convidei papai para ir comigo, que como sempre aceitou. Isso devia ser por volta de 1995. Chegando lá depois de uma viagem rápida, já vi a caminhonete do Arnildo e encostei para falar com ele. A mulher dele estava encostada no carro, muito bonita com essas roupas de jogging. Quando papai viu, nem pensando que pudesse ser a mulher do Arnildo, perguntou em voz meio alta:

- Quem é a gostosa?

Torcendo a boca para o Arnildo não perceber respondi:

- Esposa do Arnildo, pai.

Mas a voz saiu meio enrolada pois não queria que o Arnildo que estava chegando percebesse o assunto.

Com o Arnildo já debruçado na porta cumprimentando todo mundo, ele falou:

- Não entendi o que você disse. Quem é a gostosona?

Não teve jeito. Tive que responder na lata:

- Esposa dele papai.

Ele olhou de novo para ela, virou pra ele e disse:

- Parabéns.

Não falou mais nada depois disso.