quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

O Apelido

Se você quiser que um apelido pegue, basta ficar zangado quando for chamado por ele. Eu já tive muitos e variavam com o local e idade e nenhum pegou. Até os 10-12 anos, era o Tadeu Pneu. Acho que era por causa da rima, pois meu primo também era Dirceu Pneu. Até hoje nos tratamos por Pneu. Passei algum tempo como Tadeu Bostinha, por causa do cavalo Baio Bosta que me jogou de cara no chão. Fui estudar em São Paulo, tinha gente que me chamava de Marinho, Indio, mas sempre fui Tadeu para a maioria. Agora para os netos sou o vovô Tatá. Nunca me importei com nenhum deles. Mas conheço gente que joga pedras, corre atrás, xinga a mãe quando é tratado pelo apelido e outros que não sei nem o nome, só o apelido. Da turma dos que não gostam, o pior foi o Arildo. Ele tinha uma Farmácia e andava com os pés para fora, tipo papagaio. Botaram um "Dez pras Duas" nele. O homem ficava uma fera e queria comer o fígado quando alguém se dirigia com esse nome a ele. Fiquei sabendo isso da pior maneira possível pois, eu com 10 anos, me mandaram na Farmácia dele procurar pelo "Dez pras Duas", e pegar uma encomenda e não falaram que ele detestava o apelido. Inocentemente, cheguei nele e falei:
-Dez pras Duas?
Ele respondeu um "Não" meio seco e, com os olhos, procurou alguém.
-Sabe quem é? Insisti, pois achei que ele estava procurando pelo sujeito
-Sei, ele respondeu e completou já não agüentando - a puta que o pariu, seu filho da puta.
Como era criança fiquei sem reação e olhei para o outro lado da rua, onde estava o João Vitor, amigo de meu pai e que me aprontou essa. Ele estava rachando de dar risadas.
Mas as historias do Arildo são inúmeras e cada uma mais engraçada que a outra. Saiu uma propaganda dos relógios Seiko, e era uma folhinha grande onde tinha um relógio desenhado marcando 10 para as duas. Um dia chega uma dessas pelo correio para ele. Vinha com uma espécie de AR para ele assinar e o "Filho da Puta" sobrou para o carteiro.
Na farmácia dele, atrás do balcão, tinha um relógio elétrico de parede. O Antonio de Arruda, o dentista de todos da cidade, seu vizinho e muito gozador, sincronizou seu relógio com o da Farmácia. Ligou para ele e ficou de papo até dez pras duas em ponto, e aí perguntou as horas. O Arildo respondeu com o FDP dele e bateu o telefone. Quando isso aconteceu, ficaram sem se falar por dias, até o Antonio pedir desculpas, mentir que foi coincidência e o escambau. Fizeram as pazes mas o Antonio não agüentou e aprontou de novo. Na comemoração dos 50 anos do Arildo, o Antonio entra em seu quarto e, usando o telefone da cabeceira, chama o serviço de despertador recém inaugurado em Corumbá, e pede para ser chamado às 10 pras 2 da madrugada. Completa, ainda, dizendo que quando ele estava com sono tinha a mania de xingar, mas que a telefonista, já antecipadamente, o perdoasse mas que enquanto não tivesse certeza que ele estivesse acordado não deixasse de ligar, e sempre dizendo que já eram 10 pras 2, já passava de 10 pras 2, sempre martelando nesse horário, pois ele tinha que ir para Campo Grande para a reunião mais importante da vida dele, blá blá blá... O serviço era que nem de hotel, tudo manual. A pessoa passava o tempo todo ligando e quando tinha mudança de turno, deixava tudo escrito, inclusive as observações que os clientes faziam. Você pagava por cada ligação e tinha adicional se fosse repetido, pois era tido como serviço despertador. Depois de dado o recado a pessoa retornava para o número que tinha que chamar e confirmava tudo. Depois de certificado que a armadilha estava bem armada, o doutor foi para casa dormir. Chegou no dia seguinte prestando a maior atenção em todos os movimentos em volta do seu consultório e estava tudo muito quieto para 8:00 hs da manhã. Estacionou seu carro e foi abrir a porta de blindex de seu consultório.
A chave de sempre não entrava de jeito nenhum e ele começou experimentar outras de seu chaveiro. Nesse ínterim aparece o Arildo e diz:
-Bom dia, doutor. Problemas?
-Não, tudo bem. Acho que a Mari pegou a minha chave e essa parecida aqui não quer entrar.
-Nem essa, nem nenhuma outra vai entrar ai nesse seu buraco. Ele esta cheia de super bonder.
-Mas quem foi o filho da puta que fez isso? - foi uma pergunta que sai do automático do nego emputecido.
-Não sei não, mas deve ser o mesmo filho da puta que ligou pro serviço despertador da minha casa ontem.
-E agora, como vou fazer? Estão chegando meus clientes?
-Experimenta quebrar a porta. Seu prejuízo vai ser menor que o meu, que terei o telefone cortado e provavelmente uma ação por dano moral da telefônica.
Ele sabia que não poderia ser outro e o Antonio ficou tão sem ação que já se denunciou. Acho que depois dessa nunca mais se falaram.
Outro apelido que pegou foi de um peão meu, o Pé de Pano. Ele catracava a filha do capataz e como este era muito ciumento, varria bem a areia em frente da janela do quarto da menina e no dia seguinte ia procurar os rastros por lá. Nunca encontrava nada, pois o Ricardão amarrava um pano em cada pé e não deixava rastros. O apelido só pegou pois os companheiros de quarto descobriram e o chamavam assim, e na frente do homem. Não tinha como ele gostar.
Outra história parecida e que confirma a minha teoria foi de outro peão. Era solteiro e pegava as mulheres dos companheiros todos e vivia de gabando disso. Quando o apelidaram de Ricardão ele gostou e ficou cheio de si. Quando o viram pelado no banheiro e o calibre de sua arma, mudaram para Ricardinho e aí ele já ficou ofendido e na ânsia de se defender, caiu na besteira de dizer que ele duro ficava muito maior. Mudaram para "Picadura de Mosquito" e esse o acompanha até os dias de hoje.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Virginia Kevork Choulian

Dona Virginia faz parte daquele seleto grupo de pessoas que não queremos esquecer jamais, nem eu nem Beá. É a esposa do Choulian e uma das pessoas mais educadas que já conheci. Quando trabalhava na Mecânica Pesada e era o chefe de departamento de Engenharia, ela era a minha calculista número 1. Eu era seu chefe e o marido, o Choulian, era o meu chefe. Era uma situação muito peculiar, com muitos lances engraçados, como todas às vezes que eu queria dar um aumento salarial para ela e ele não autorizava, apesar de saber ser merecido. Era um parto e às vezes até ela falava que não queria. Devia ser ele perturbando. Mas aprendi muito com ela pois quando comecei a calcular equipamentos hidromecânicos, ela foi a minha professora. Quando tinha algum cálculo mais complicado, fazíamos juntos e me lembro, que nessas horas fumávamos demais, eu no Minister e ela no LS, foi a única pessoa que conheci que fumava essa marca, acho que era fabricado sob encomenda.
Ela era engenheira civil, tinha terminado o curso na Bulgária, mas não conseguiu pegar seu diploma. Foi na época que o comunismo tomou conta de seu país e vieram de qualquer jeito para o Brasil. Um dos meus primeiros projetos na área foi de uma comporta e por ocasião da fabricação descobriram que se construíssem como eu tinha projetado, teriam que prender um soldador dentro de cada elemento. Tinha um compartimento estanque e todas as soldas eram internas. Era ainda inexperiente e fui motivo de gozação da fábrica toda. Ela me consolou dizendo que só errava quem fazia e eu tinha que me acostumar a isso pois era novo e ainda faria muitas coisas e, conseqüentemente, várias besteiras. Arrumou o projeto para mim fazendo uma boca de visitas no compartimento estanque e resolveu tudo. Quando fui promovido para chefe, foi uma das pessoas que mais me incentivou.
O casal, além dessa relação de chefia cruzada, era nossos melhores amigos. Éramos estrangeiros de Corumbá, naquela cidade de Taubaté. A dona Angel, mãe do Choulian era uma excelente cozinheira e sempre que fazia alguma coisa especial, nos convidavam para comer com eles. Tinha uma massa folheada inesquecível. Foi em um desses jantares que tive meu controle emocional testado, eu e mais o resto do povo. Tínhamos um amigo em comum, solteiro aos 35 anos e arrumou uma namoradinha nova e a levou para nos apresentar, em um dos jantares da dona Angel. Sua principal característica era a seriedade. Ele era, antes de tudo, um cara sério. Nunca o vi, ou ouvi, dar uma gargalhada. Ele sorria. Era muito simpático, mas sério. A namorada, era compatível com sua seriedade, trintona e séria também, mas tinha uma mania muito engraçada, ela gostava de coçar a orelha dele. Era uma coçadinha carinhosa. Começava com uma esfregadinha no lóbulo, colocando-o entre o polegar e o indicador, assim como se estivesse contando dinheiro, e alternava para a parte de cima, quando com os outros três dedos ela fazia o contorno da parte superior da orelha, aquela onde a cartilagem era durinha. Ia se alternando e não parava. Bebia com uma mão e a outra na orelha do homem. Ele falava meio sem mexer a cabeça para não atrapalhar a coçada. Com o tempo aquilo foi avermelhando e o pessoal começou a perceber e já não podia um olhar para a cara do outro sem querer sorrir. Já tinha gente querendo sugerir que se alternasse as orelhas, pelos menos ficariam as duas da mesma cor. E a preocupação com a necrose? Será que se fosse o dia todo assim, não poderia vir a gangrenar? Com essas idéias passando pela cabeça de todos e àquela vontade de dar risadas sem ter motivos que justificassem pois a conversa era de coisa séria, foi ficando uma coisa acumulada e começaram as idas no banheiro. Acho que o nego ia para rir tudo que podia e voltava de olho inchado e torcendo para que o martírio tivesse acabado, mas chegando na sala via que estava tudo igual e nada havia mudado, nem mesmo o lado da orelha, talvez só a sua cor, mais vermelha.
Até hoje, quando vemos um casal, com um acarinhando a orelha do outro, já lembramos daquele jantar inesquecível e começamos a dar risadas.
Mas éramos una equipe e tanto. Se comparado a seleção brasileira, éramos a de 70.
Bons tempos.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O pouso

Quando morávamos em Taubaté, todas as férias eu trazia a família para Corumbá. Normalmente eu dividia a minha em quatro partes. Trazia no início de julho, passava uma semana e voltava, vinha no final do mês para buscar e no final de ano repetia a dose. Por economia e para não ficar muito puxado, a perna sozinho de Corumbá - Taubaté, ida e volta, eu fazia de avião. Foi numa dessas que eu vi o homem da foice de perto. Fui até Campo Grande de caravan, uma perua opala da Chevrolet, e peguei o trem para Corumbá, com Beá e os 4 filhos. O carro, como sempre, ficou na casa de meu tio Jamil. Passada a semana embarquei na VASP para São Paulo com escala em Campo Grande e toda a família foi me levar ao aeroporto. Despedimos-nos e por pouco não foi pela última vez.
Era um boing 727 e sentei na poltrona sobre a asa do lado esquerdo e na janela. Decolamos e adormeci em seguida, só acordei com a aeromoça me avisando que estávamos chegando em Campo Grande e que devia afivelar os cintos. Nesse momento percebi que tinha algo errado. O avião vinha totalmente inclinado para a esquerda, do meu lado, e caranguejando, andando meio de lado. Já muito próximo da pista e como o comandante não corrigia, um piloto de monomotor fajuto na poltrona de trás começou a gritar que a asa ia bater na pista. Foi então que percebi que estávamos com um vento de través muito forte e que para manter o avião alinhado com a pista o piloto tinha que baixar a asa para o vento. Alguns segundos antes do toque na pista, o comandante corrigiu a inclinação, mas nesse momento o vento fez ele inclinar para o outro lado e ele quicou no solo com roda direita e muito forte. O avião saiu completamente do eixo da pista e subiu mais de 10 metros e o cara resolveu arremeter. Eu sabia que o jato tem uma reação retardada e que depois que toca a pista você não arremete mais, então quando senti as turbinas acelerando e vi que o avião não pegava velocidade e, conseqüentemente sustentação, achei que minha hora tinha chegado. A altura a que ele chegou foi apenas suficiente para o comandante corrigir a direção e voltar a tocar a pista, tocar não, dar uma tremenda porrada. Isso aconteceu mais uma vez ainda e a cada toque a sensação era de que as asas iriam se partir e isso não deixava ele ganhar velocidade. Na terceira vez eu percebi que a pista tinha acabado e o próximo ia ser em cima de alguma casa ou carro, e...babau. Mas ele começou a se estabilizar e foi voando bem baixo e ganhando velocidade e depois altura.
Só nesse momento que percebi que todos estavam gritando e alguns pedindo calma. Em alguns segundos todos estavam quietos e só uma senhora sentada ao meu lado continuava gritando meio fora de si. Tive que chacoalhá-la umas três vezes e já estava para fazer que nem no cinema e meter-lhe um tapão na cara quando ela percebeu que não tínhamos caído. Quando ele começou a fazer a volta e percebemos que estava voltando para tentar o pouso novamente, recomeçou a gritaria. Nisso o navalha, através do comunicador interno dirigiu-se aos passageiros dizendo que o vento estava muito forte, 60 nós, mas que ele iria fazer um sobrevôo e só aterrissar quando melhorasse.
Nessas horas a sensação é a pior possível, pois é a de impotência total. Não tem nada que você possa fazer a não ser esperar e isso depois de passar pela sensação de que tudo ia explodir. Me lembro que na poltrona da frente e do lado direito ia o presidente da Companhia de Navegação Bacia do Prata, o Joylce Araújo. Ele estava de terno e com uma camisa azul clara. Eu percebia que seu colarinho ir mudando de cor e ficando num azul escuro pelo suor que escorria de toda sua cabeça e ia molhando a camisa ali. O piloto fajuto que estava atrás de mim era o que mais protestava, que era para largar mão de Campo Grande e ir direto para São Paulo, isso com o destino dele sendo Campo Grande. Por isso que falo que era fajuto. Mas o bicho veio de novo e foi para o pouso. Eu já prometendo que se saísse dessa iria entrar para o time de meu irmão Tontonio, e acreditar que voar é para passarinhos, e nunca mais entraria numa lata daquelas.
Mas pousamos bem e assim que o avião desligou as turbinas, eu me levantei pegando minha maleta no bagageiro e fui falar com a aeromoça. Os passageiros em trânsito deveriam ficar a bordo, mas eu queria saber como iria tirar minha mala dali. Pegaria meu carro e seguiria com ele para São Paulo, pois naquela porra eu não viajava mais. Estava nessa conversa quando ela falou que chamaria o comandante. Não podia fazer nada, precisava das malas, mas estava disposto até a deixá-la a bordo e pega-lá em congonhas.
Com tudo isso esquematizado, chega o comandante Queimado, esse era o sobrenome dele, imaginem se isso é nome de comandante, mas seria pior se ele fosse bombeiro. Falou que isso às vezes acontece, mas que eu poderia ficar tranqüilo que o tempo em São Paulo estava bom e eu poderia voltar para meu lugar com o meu companheiro que ele iria fazer uma gentileza especial e mandar servir um vinho da reserva dele particular. Quando ele falou companheiro que percebi que tinha um baixinho atrás de mim. Olhei para ele para saber sua opinião e ele respondeu com um "Você quem sabe" que achei graça. Nunca tinha visto o tipo na minha vida. Mais por vergonha da situação do comandante, de estar ali me pedindo, por favor, que confiasse nele do que por qualquer outra coisa, voltei para o meu lugar e desta vez o baixinho sentou ao meu lado. Veio o vinho e secamos a garrafa no solo, e meu novo companheiro falava mais que o homem da cobra. Disse que na hora que eu levantei reclamando que não viajava mais naquela merda, ele que estava na mesma dúvida, mas sem carro em Campo Grande, pensou: “vou atrás desse grandão aí e o que ele fizer eu faço".
Decolamos e fiz a viagem mais tensa da minha vida, apesar do vinho, e quando o avião pousou em São Paulo, senti aquela sensação de soldado voltando vivo da frente de batalha, uma mistura de alegria e alívio que nunca senti antes.
Até hoje, todas as vezes que pouso em Campo Grande, da janelinha fico procurando os coqueiros para ver se estão muito penteados, o que mostraria que a velocidade do vento está alta. Mas não foi a única vez que quase me caguei todo dentro de um avião, tiveram outras. Fica para uma próxima.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Euromaumec II

Na Euromaumec I eu contei sobre a aposta do grupo de quem cataria a primeira européia. Tirando a rua das vitrines em Amsterdam, ninguém tinha conseguido nada e estávamos em Cortina d'Ampezzo, uma das últimas etapas da viagem. Tinha gente já entregando os pontos, como o André, que era considerado o franco favorito. Não que ele fosse o mais galã da turma mas sim por ser o menos exigente. Aqui no Brasil ele ia para a escola de Kombi, era a única, e dele mesmo, não era emprestada de pai ou coisa assim. Na lateral tinha um navio desenhado e isso junto com o tipo das meninas que ele carregava, valeu o apelido de Navio Negreiro. A fama era que bastava mexer e ter três dimensões para ser suficiente para ele comer. Dispensava só sombra, duas dimensões, e mortas, que não mexiam, assim mesmo tinha gente que falava que nesses casos havia controvérsias e dependia do tempo do óbito. O cara era terrível mesmo. É o que tentou usar a mesma camisinha na rua das Vitrines.
Chegamos a Cortina e ficamos em um hotel muito charmoso e perto de uma boate, tida como a coqueluche do local, e que se chamava Sunny ou Sugar, não me lembro bem. A noite fomos todos para lá e na entrada vi a minha Deusa, ou melhor dizendo, a nossa Deusa, pois a excursão inteira se apaixonou por ela. Dançava sozinha na boate e com um parceiro imaginário. Era a italiana mais linda que vi na minha vida, talvez perdesse para a Nena, mas naquela secura e há tanto tempo longe do Brasil, quase dois meses, aquilo era um anjo descendo no inferno, ou uma cerveja bem gelada pra quem passou o dia todo andando a cavalo no pantanal tomando água quente de cantil, ou ainda, uma mulher de carne e osso para quem estava a dois meses só na covardia e a última vez que pegou uma mulher, a única coisa que entendia do que ela falava era "no more time" em Amsterdam. Esperei a música acabar e ela abrir os olhos e me posicionei de modo que ela me visse. Quando nossos olhares se cruzaram e ela demorou aquela fração a mais para desviar o olhar, eu percebi que ganharia a aposta. Tive que correr, pois percebi que o André estava a caminho e não tinha tempo a perder.
Encostei e disse o meu "piachere", no meu melhor italiano, e ela respondeu: "Hein!??!". Aquilo foi um balde de água fria e vi que não conseguiria falar uma única palavra com a minha Deusa, quando apareceu o meu Salvador, Ricardo Ravioli. Ele tinha percebido a troca de olhares, segundo ele, e veio a meu socorro e dei uma cantada na mina com um tradutor, ele era filho de italianos e falava correntemente a língua. A coisa começou a uma da madrugada e foi até as 5 quando fechou a boate e a levei para o hotel. Tive que usar do Ricardo de novo pra convencer o porteiro que ela sairia antes das 7 quando acabava seu turno. Chegamos ao nosso quarto, era um triplo, e não consegui botar o Gerson para fora, que estava num porre só. Para completar a gentileza, o Rivardo como presidente da comissão de viagem tinha a lista de todos os quartos e descobrimos que o Gato Felix, esse era o apelido de um japonês que já esqueci seu nome, era o único que estava sozinho em um quarto. Acordamos o japa e na hora que ele viu o monumento de mulher, cedeu o quarto para mim. A noite transcorreu muito bem. Não vou dar detalhes porque este não é um porno-blog e também não quero apanhar, depois de velho, de dona Bea. Mas o despertar é que foi o mais engraçado. Acordei com o Gato Felix batendo na porta e quando a abri encontro-o de pijamas. Precisava pegar as roupas. Deixei-o entrar em seu quarto e quanto viu a mulher na cama quase enfartou. Depois dele, a excursão inteira foi até o quarto e cada um com a desculpa mais esfarrapada, "o Gato esqueceu as meias", "ele pediu para trocar essa camisa" e isso foi até que acordaram a deusa. Deixei-a no quarto se aprontando e desci para chamar o Ravioli. Antes que eu falasse qualquer coisa ele já começou a se gabar, que ele que teve todo o ônus da conquista e eu só o bônus, que se não fosse ele eu não teria conseguido nada, e por ai afora. Quando ele terminou eu só disse a ele:
- Já que foi você que colocou, agora você tira.
Naquela época as normas dos hotéis " de família" eram muito rígidas e você assinava um termo de compromisso de não recolher mulher em seus aposentos e isso era levado muito a sério. O Ricardo queria me bater, mas no fim concordou em falar com o porteiro. Disse que ela tinha entrado cedo para trazer uma encomenda e era sua prima. Isso com a mulher com uma mini saia e um decote que quase emendava o norte com o sul.
Na noite seguinte eu não fui a boate, mas o pessoal voltou lá. Fizeram fila, mas a mulher perguntava a todos que iam falar em português com ela, "dove è Tadéo". É, com o ô fechado no final e assento no e. Ninguém conseguiu mais nada, ganhei a aposta e a italiana. Posso falar que "eu não era fácil".

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Antonio Carlos Lopes

O Dr Antonio Carlos Lopes é médico de toda nossa família há mais de 30 anos e um dos caras mais engraçados que eu conheço apesar de também ser da turma dos que não fazem graça nenhuma. Eu o conheci através do meu primo Dr. Arnaldo, quando Tontonio arrumou uma infecção intestinal aqui em Corumbá e ficou 2 meses com uma disenteria, ou como ele falava, mijando pela tóba. Assim que a coisa endureceu, ele foi para São Paulo fazer um check-up, e o Arnaldo o encaminhou para o ACLopes. Ele preocupado com a caganeira que já tinha passado e o doutor fazendo um exame geral, quando ele relatou uma dor no peito quando fazia força. Um querendo que ele tratasse de uma coisa que já tinha passado e o outro preocupado com o que estava por vir. Conclusão, a caganeira que ele achava que iria matá-lo, salvou sua vida. Se tivesse um sábio por perto quando ele falava que "onde já de viu, vou morrer de tanto fazer coco", com certeza diria o famoso "Não sei não, hein."
Com 38 anos teve um entupimento de uma das artérias principais do coração diagnosticado e teve que fazer uma ponte mamária. Era julho de 1985 e eu estava passando as férias na fazenda Santa Anatalia, quando, pelo rádio, recebi a notícia de que ele estava em São Paulo e teria que fazer a cirurgia. Deixei o povo todo no dia da festa da fazenda, 22 de julho, e despenquei para Corumbá de aviãozinho e de lá para São Paulo. Já encontrei Lenir conversando com o Antonio Carlos, ele dizendo que tinha duas opções: a ponte mamária ou uma angioplastia. Essa última seria recomendada se ele morasse em São Paulo e fosse um cara tranqüilo para poder monitorar o resultado de 6 em 6 meses. Medroso do jeito que contamos que ele era, a solução era a ponte. Há 25 anos atrás isso era uma coisa temerária mas não tínhamos opção. Ele indicou o cirurgião, Dr. Enio Buffalo e fomos para a cirurgia. Nunca vou esquecer a hora que ele entrou no elevador, já na maca, para a cirurgia. Estávamos Lenir, Fábio, cujo nome verdadeiro é Massami Takahashi e seu melhor amigo, o Antonio Carlos e eu. Quando o médico viu todos muito tensos, abriu um porta-remédio que tinha no bolso e deu um lexotan para cada um. Ia guardando a caixinha quando voltou a pega-lá e tomou um também. Não sei se fiquei contente de ver um cara super humano, sentindo o nosso drama ou um médico vendo a gravidade da situação. Com o passar dos anos vi que foi a primeira opção.
Ficamos super amigos e hoje toda a nossa família se consulta com ele, mas não pensem que ele é fácil. Ficamos muito tempo convidando-o para conhecer o pantanal e finalmente conseguimos convencê-lo. A primeira visita foi a São Bento e estava programado um carreteiro de almoço com muita cerveja que era para relaxarmos. Fomos para a fazenda no PT-OVX, bem cedinho e como teríamos a parte da manhã livre resolvi levá-lo para dar uma volta de carro pelos campos da fazenda. Estava conosco também a Dona Aida, uma grande amiga que morava no Chile e saímos os três. O carro era uma toyota Hilux, cabine simples e o ACLopes foi sentado no meio cedendo o melhor lugar, a janela, para a Dona Aida. Fomos passeando por aqueles campos de pasto nativo e eu fazendo o papel de guia turístico mostrando aquele mar de capim cercando os capões, que eram as partes mais altas onde as árvores tinham mais de 15 m de altura e 3m de diâmetro, formando verdadeiras ilhas. Era uma natureza exuberante e linda, isso para os mortais comuns. Lá pelas tantas senti o braço dele apoiando no pneuzinho da minha barriga, estava com um na época e dei uma estranhada, mas como estava apertado na cabine do carro, achei que ele estava deixando um espaço maior para a Dona Aida. Continuamos navegando naquele mar e contornando as ilhas e comecei a dar nome a todas as árvores que a Dona Aida perguntava, Piúva, Cambara, Chimbuva, não deixei de responder a nenhuma pergunta, e isso sem conhecer nenhuma árvore. Mais dez minutos senti que ele foi encostando a cabeça no meu ombro ao mesmo tempo em que a D. Aida falou:
- Seu Tadeu, seu amigo dormiu.
Eu não acreditava que ia ter que voltar para casa com um marmanjo dormindo no meu ombro e fazendo a minha barriga de braço de cadeira, mas não tinha alternativa. Chegando à sede, para não deixar ele chateado, fiz que não tinha percebido que ele tinha dormido, e perguntei se ele tinha gostado do passeio, ao que ele respondeu:
-Não, nunca vi nada mais chato, era só capim e capão e essa sua toyota é muito dura, pior só seu ombro.
Fomos para o almoço e não tive coragem de perguntar se ele gostava de arroz carreteiro. Sentamos na varanda e ele abriu uma cerveja dizendo que não tomava uma há muito tempo. Antes do primeiro gole, escutamos um barulho de avião por cima da casa e pelo ronco reconheci o Baron. Fomos para a pista e o Luis Mario desceu dizendo que tinha vindo pegar o Doutor, pois o tio Alcides, irmão de papai e cliente dele há muito tempo tinha sido hospitalizado e estava muito mal. Ele me entregou a lata de cerveja sem tomar um único gole, subiu no avião e veio para Corumbá. No fim do dia voltamos com a Dona Aida e ficamos sabendo que ele tinha salvado a vida do tio Alcides. Quando fui ter com ele no hospital, perguntei se ele queria voltar no dia seguinte para a fazenda comigo e ele respondeu que já tinha visto todos os capões e capins da fazenda. Quis argumentar que íamos ver jacarés e ele disse que tinha uma folhinha no consultório dele e ele já conhecia o crocodilo, e não queria vê-lo pessoalmente. Desisti.
Isso há 23 anos atrás. Agora a última dele foi no meu check-up deste ano, na semana passada. Meus exames laboratoriais deram uma alteração e eu queria voltar para Corumbá e só poderia fazê-lo depois que ele visse os mesmos e me liberasse. Ele queria que eu voltasse no seu consultório na sexta feira e sua secretaria falou que eu não o fizesse pois tinha trocentas pessoas com retorno para esse dia e eu iria passar o dia todo lá. Que ela me ligaria para dar o parecer do Doutor assim que ele visse meus exames. Como isso não acontecia e eu já nervoso, passei uma mensagem para ele que transcrevo abaixo, achando que teria uma resposta:
"Doutor, não quero encher o saco mas estou nervoso. Favor responder com uma das alternativas:
1) ainda não vi seus exames;
2) esta tudo jóia, não quero te ver mais este ano;
3) vc tá ferrado e tem que vir aqui.
Abraços, Tadeu"
Ao que ele respondeu:
"ok, abraços".
Pergunto, é fácil?
Agora tem uma coisa, ele faz diagnostico por telefone, fotografia, com outra pessoa contando a ele quais são seus sintomas. O cara é um bruxo ou mágico, e todos nós gostamos muito dele, mesmo quando ele faz meu pneu de braço de poltrona e meu ombro de travesseiro e depois ainda reclama, mas não é fácil.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Ronaldo, o galinho

Nunca devemos julgar algo a luz de um único fato. Tem aquela história do rapaz que ganhou uma bicicleta no bingo e enquanto todos falavam que ele era um cara de sorte, um sábio respondia “Não sei não, hein!”. Aí o cara caiu da bicicleta e quebrou a perna, e enquanto todos falavam que ele era um cara azarado, lá vinha o sábio com o "não sei não" dele. Aí veio a guerra e todos da idade do rapaz foram convocados e o de perna quebrada não e a coisa assim vai.
Eu estava indo para a fazenda junto com um tratorista, o João Fernandes, quando vi que voou alguma coisa de um caminhão que ia na minha frente. Como estava meio longe, deu para reduzir a distância e encostei bem ao lado daquilo que tinha caído e parei o carro. Era um pintinho, o caminhão era daqueles da sadia que entregava os bichinhos para outros granjeiros criarem. A cada 45 a 60 dias, eles já prontos, outro caminhão passava recolhendo e levava para o abate. Com tanto Pinto "aquele" que tinha que voar do caminhão? Que azar, com tanto carro passando naquela estrada, tinha que ser eu quem estava atrás dele? E eu que nunca presto muita atenção em nada, que azar de novo, mas resolvi parar ao lado daquela bolinha amarela sem importância e achar o Pinto? Que sorte. Peguei o bichinho, dei pro João Fernandes que estava na frente comigo e tocamos para a fazenda. Chegando lá, meu capataz Dorival não entendeu nada quando viu o pintinho. Como há pouco tempo atrás ele tinha feito uma encomenda de verduras, tipo alface, acelga, agrião e outras, mas eu tinha dado uma de desentendido e levei sementes de todas essas folhas para ele fazer uma horta na fazenda, quando ele viu o pintinho achou que foi a carne de frango que ele tinha pedido.
Mas o bichinho acabou virando mascote da turma e tinha até nome, Ronaldo. O pessoal vivia gozando o João Fernandes dizendo que ele viajou segurando o pinto do patrão e ele falava: "Não posso negar, só esclarecer". Tínhamos um pastor alemão, o Panter, e ele adotou o Ronaldo. A primeira vez que eu o vi colocá-lo inteira na boca, saí com um pau pra bordoar ele quando o Dorival interviu dizendo que ele só estava colocando o Ronaldo para dormir. Ele cresceu, virou um galo bonito, branco, e começamos a criar galinhas só para ele ter companhia. Dorival falava que foi pior do que as verduras, pois nesse caso eu levava as sementes, e depois do Ronaldo nunca mais compramos nem ovo.
Eu não imaginava que um galo pudesse viver tanto tempo assim e hoje eu tenho dúvidas se não se passaram mais de 10 anos mas foi um tempo absurdo. Quando ele morreu, estava cego, manco e era de uma magreza impressionante. Tinha que triturar o milho para ele conseguir engolir, mas acho que dos outros 10.000 pintos que estavam no caminhão, nenhum outro viveu tanto e foi tão bem tratado quanto o Ronaldo. Hoje podemos falar que ele foi um pinto de sorte.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Elvira

Eu já tinha marcado esse tema para escrever e depois apagado, mas outro dia, conversando com Bea, ela me convenceu de que Mamãe não se importaria se eu contasse da Elvira neste blog e que deveria fazê-lo pois se quero deixar registrado tudo sobre papai, a Elvira não poderia faltar. Qualquer problema com a mamis, Bea, como mulher, é quem vai resolver. Mas Elvira foi uma paixão de solteiro de papai, pois amor foi só Mamãe mesmo (tenho que amenizar as coisas e como eu que leio as histórias desse blog para ela, os entre parênteses eu pulo).
Não a conheci, mas segundo ele, era a boliviana mais bonita que ele viu na vida. Morava na avenida quase esquina com a Frei Mariano. (Deve ter sido marcante, pois ele me contava as histórias deles e todas as vezes que passava em frente de onde tinha sido a sua casa ele me falava “aqui que morava a...” e antes dele terminar eu completava "Elvira"). A casa era dessas construções seqüenciais. A porta dava na rua, não tinha nenhum recuo, e começava com a sala, cozinha com uma área aberta e banheiro, aí o quarto dos pais da Elvira e por último o quarto da diva. Na área aberta, junto à sala, ficava a janela e a porta da cozinha, a porta janela do banheiro e a porta e janela do quarto dos pais da moça. Ele contava, como prova de sua coragem, que ele vivia dormindo com a Elvira em seu quarto, mesmo tendo que atravessar o quarto dos pais primeiro. Pela janela ele sondava se os dois estavam dormindo, tirava os sapatos e entrava na ponta dos pés. Ela na frente e ele atrás se borrando todo. Teve a vez que ele pisou no gato e o velho acordou. Ele deitou no chão e ficou escutando a conversa dela com o pai, que reclamou do avançado da hora e dela estar com aquele playboy gordo que não queria nada sério com ela. Com o playboy ele não achou ruim, mas contou que quase xingou o velho pelo gordo. Teve que ir de arrasto pelo chão até o quarto dela. De outra feita, ele perdeu a hora e quando acordou era dia claro. Teve que sair na maior cara dura como se tivesse acabado de entrar, dizendo que veio para arrumar a porta do armário do quarto dela, dando até logo e dizendo que precisava de uma chave de fenda maior, enquanto mostrava a única que ele encontrou no quarto dela e era daquelas de apertar óculos. Mas era tão impossível que ele tivesse dormido ali que todos acreditaram e até serviram um cafezinho a ele.
Quando perguntei a ele onde estava atualmente a Elvira, ele me contou como acabou o romance. Estavam passeando a noite de carro e viram que tinha visitas na casa dela. Ele não parava esperando as visitas irem, pois a idéia era ele dormir com ela e as visitas não saiam porque estavam esperando ela chegar. Já no avançado da hora ele resolveu deixá-la na casa dela e foi para a sua dormir. No dia seguinte é que ficou sabendo que a visita era um capitão do exército que era apaixonado por ela e a pediu em casamento. Ela deu o cheque mate nele dizendo que se ele não assumisse o namoro e ficassem noivos, ela ia casar com o capitão. Na primeira vez que ele me contou essa história, eu empolgado perguntei:
- E ai pai, o que o senhor fez?
Ele deu uma risada e respondeu:
- Sua mãe chama Elvira? Deixei-a casar com o capitão e só a vi mais duas vezes depois do noivado. No começo ainda tentei umas investidas, mas na terceira vez ela me cortou definitivamente da vida dela. E o pior é que deve ter feito alguma macumba para mim, pois eu não conseguia esquecê-la.
Isso aconteceu quando ele tinha 26 anos e ele ficou meio baleado até os 33 quando apareceu a Julieta e quebrou o feitiço da Elvira. (Mas segundo ele, não foi fácil!)

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Rafael

Meu primeiro neto, o Rafael filho da Laura, nasceu antes que eu completasse 50 anos. Para quem esteve um dia arriscado a não ter filhos, a vinda do primeiro neto foi muito emocionante. Curtição total e adorava vir a São Paulo vê-lo crescer. Nossos laços se estreitaram mais ainda quando fiz uma hérnia de disco e meu médico me mandou ficar deitado 24 horas por dia por uma semana inteira. Ele com 6 meses ficava comigo as 24 horas. Despenquei de Corumbá para São Paulo em todos os seus aniversários. Já fez 10 anos e ainda não perdi nenhum.

Ele já passou por várias fases. Teve a dos carrinhos, ele era fanático por essas miniaturas, e tinha mais de 100, de todos os tipos. Ficávamos horas brincando e estacionando todos eles. Quando nasceu seu irmão Thiago, ele não sabia ainda brincar com a gente e ficava querendo colocar todos os carros na boca. O Rafael com ciúmes não deixava ele mexer em nenhum. Uma das vezes, como ele não parava de chorar, eu fui convencer o Rafa de dar um carrinho a ele, pois era seu irmãozinho e com o tempo ele ia aprender a brincar. Ele olhou bem para mim e fiz aquela cara de "coitadinho do Thiago", aí ele olhou para aqueles 100 carrinhos, pegou um amarelo de plástico de porta quebrada, acho que um fiat uno, o mais velho e estropiado de todos e o entregou dizendo:
-Tá bom, tá bom, baba neste, vai.

Teve a fase dos filmes infantis. O Mágico de Oz, quero ser castigado se estiver mentindo, vi pelo menos dez vezes. Sabia as falas de cor e salteado, literalmente. O que eu mais gostava era do homem de lata. Chegava em São Paulo, ele com dois anos, já me pegava pelas mãos e íamos ver filmes, ou melhor o filme.

Teve a fase dos super heróis. Via filme de todos e ao completar 3 anos teve como tema de sua festa o palácio da justiça. Tinha todos os super heróis na mesa de seu aniversário, que foi comemorado em um desses bufet infantil. Tinha essas pessoas que se especializam em animar festas colocando as mais diversas fantasias, e a Laura estava com dificuldades para fazer ele definir quais super heróis ele iria "convidar". Por fim optou pelo batman, super homem e homem aranha. Na hora da festa, ele não saía do meu colo por nada nesse mundo. Eu insistindo para que brincasse com os amiguinhos e nada. Quando chegaram os super heróis, ao invés dele melhorar, aí sim, ele jurou que nada no mundo faria ele descer dali. Resolvi chamar o homem aranha para brincar com ele, quando descobri o que estava acontecendo. Ele começou a querer chorar de medo e eu lembro do nosso diálogo:
- Rafael, ele é do bem e seu amigo. Veio para seu aniversario.
- Eu sei vovô!
- Então, ele vai ficar chateado se você não for no colo dele.
- Tenho medo do Duende Verde!
- Mas sua mãe não convidou o duende, cara!
- Mas o problema é que onde está o homem aranha sempre aparece o Duende Verde, e esse não precisa ser convidado, ele é do mal.
Para minha alegria, a lógica já se manifestava desde cedo no gurizinho.

Agora ele está com 10 anos e começou a fase de galinho. Não pode ver uma menina bonita sem ficar fazendo pose e como ele é bem bonitão, chama a atenção de todas. Outro dia estávamos no computador quando entrei, sem querer, num site pesado e apareceu uma mulher com os seios de fora. Mudei muito rápido de página, mas não o suficiente para ele não ver e na hora falou:
- Volta, volta vovô. Deixa eu ver aqueles melões.

Fiquei meio sem saber o que fazer pois ele me considera seu amigo antes de avô e eu não poderia chamar a atenção dele por uma coisa espontânea e da qual eu tive culpa.
Dei uma disfarçada dizendo que depois íamos ver aqueles melões e torci para ele não lembrar mais dos mesmos. Só posso dizer que vi, na hora, que o menino tinha bom gosto e sabia diferenciar melão de laranja e melancia.

Ontem fomos a uma apresentação de música de sua escola. Ele toca guitarra e o Thiago bateria. Pode ser corujisse, mas são os melhores guitarrista e baterista da escola. No meio da apresentação ele se jogou de joelho e continuou teclando e eu estava vendo esses caras de banda profissional tocando. Ele é muito bom mesmo. Fiz uma pesquisa com umas 10 pessoas e Beá concordou comigo que eles são os melhores. Laura que se cuide, pois esse não vai ser fácil.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O Ataque

Tudo no mundo tem lógica e explicação, mas não para todos. Já falei varias vezes aqui sobre o Zé Mauro, nosso piloto, uma pessoa que considero coerente e observadora. Você coloca essas duas qualidades, mais sessenta e poucos anos de experiência em uma pessoa e você terá como resultado, conforme Alaer Garcia, um sábio. Gosto de conversar com ele e escutar seus "causos". O que nunca entendi, e não por falta de perguntar, é seu medo por cachorros. A coisa beira a sandice. Teve uma vez que estávamos procurando umas recolutas, pois uma cerca de divisa tinha se queimado e fomos até a fazenda vizinha. Pouco antes do pouso, ele me avisou que a pista dali não estava sendo usada ultimamente e que teríamos que tomar cuidado, pois a torre da biruta devia estar sem a mesma e se descuidássemos poderíamos trombar com ela. Pousamos com o olho no cano, bem na cabeceira da pista e só conseguimos vê-lo, pois sabíamos de sua existência. Um perigo filho da p... O chessna 206 tem uma característica. Ele só tem duas portas, a da frente fica do lado do piloto e a de trás do lado contrário. O passageiro da frente não consegue descer antes do piloto. Depois que ele taxiou o avião em frente da casa da sede, a mesma ficava na beira da pista, fiquei aguardando ele descer o que não acontecia. Pela janela ele gritava chamando um gurizinho que não o atendia e isso se prolongou por uns dois minutos com eu, sem entender o porquê daquilo tudo, querendo descer. Lá pelas tantas o guri encostou e aí ele abriu a porta perguntando se tinha cachorro brabo ali. Mesmo com a resposta negativa, fez o bugrinho escoltá-lo até a casa do capataz. Perguntado de onde vinha esse medo todo ele sempre respondia que "precaução não era sinônimo de medo", uma de suas pérolas.
De outra feita, estávamos passando uns dias das férias de julho em Piratininga, e além da turma normal, eu e Beá com os filhos, estavam o Choulian, D. Virginia e o Chu. No dia 22 de julho como era aniversário de Santa Anatalia, com 20 minutos de vôo fomos todos para lá. Eu pilotando o Sky Lane e o Zé Mauro no 206. Chegando lá como tinha gente para dar com o pau, só conseguimos acomodar as visitas e a turma da casa foi para a varanda dormir na rede. Como estava frio o Zé Mauro resolveu dormir no avião. O detalhe era a Nina, um cadela fila brasileira de meu cunhado, o Guto, que devia pesar uns 40 quilos. Era um monstro de grande, mas muito mansa. Como tinha as orelhas cortadas, tinha uma aparência de brava, mas estava solta ali na festa transitando entre os convidados e com um monte de crianças. O Zé passou o dia de olho nela. Teve o baile a noite e fomos todos dormir muito tarde. No dia seguinte cedo, levantei com a dor natural de noite dormida em rede e fui até o balancim da sede. Toda a fazenda tem um cercado, ou de madeira ou em arame de 6 ou 8 fios, em volta de toda sede para não deixar entrar animais, gado ou cavalo na horta ou pomar e fazer estragos. Normalmente essa cerca é parte de outra que fecha toda a pista de pouso. Fiquei uns dois minutos ali olhando se estava tudo certo com os aviões que estavam a uns 50 metros de distância, quando me avisaram que o chá estava na mesa e era para ir tomando a medida que fosse levantando pois não dava para atender a todos de uma vez. Fui tomar meu café e uns 15 minutos depois me levantei para dar lugar aos que estavam chegando e coincidentemente voltei à pista, no mesmo lugar que estava antes do chá. Estranhei ao ver uns reflexos no vidro do avião, e quando firmei a vista que percebi que era o Zé Mauro me chamando. Fui ate lá para entender o que estava acontecendo e ele me pediu para acompanhá-lo até a casa grande pois estava acordado desde às 6 da manhã, já tinha chamado um monte de gente que chegava na beirada da pista, inclusive eu, e cada vez que tentava descer do avião aparecia a Nina e o recolhia de novo. Não acreditei muito na história, mas não o desmenti também.
A coisa toda só foi se esclarecer alguns meses depois desse último ocorrido. Fomos à fazenda do Romero de Barros apartar e ferrar um gado que tínhamos comprado. Descemos do avião, pegamos as marcas e fomos para o mangueiro. O gado já estava preso, o fogo, para esquentar as marcas, aceso e toda a peonada nos aguardando. Quando escalamos a parede do mangueiro, o Zé Mauro lá de cima, já deu o bom dia perguntando se tem cachorro brabo. Eu já no meio do caminho, e sabendo que ele não desceria se não respondessem, reforcei a pergunta. O não veio em coro acompanhado de algumas risadas. Só depois ele desceu e se encaminhou para onde estava todo mundo. Sem que ninguém entendesse, de debaixo da bancada me sai um boxer, passa correndo por mim sem nem me notar e vai latindo brabo para cima do Zé Mauro. Ele ficou se defendendo com as marcas na mão, uma ele usava para não deixar o cachorro se aproximar e a outra já levantada na altura da cabeça pronta para bordoar o bicho. Isso foi até que o dono do cachorro foi até ele e o segurou. Além de pedir desculpas, agradecia o Ze Mauro por não ter matado o bicho e falava que ele nunca tinha feito isso na vida, que era manso de se deixar coçar por qualquer um. Zé Mauro olhou para mim e falou:
- Tá vendo porque não gosto desses bichos? A antipatia é recíproca. Agora vou dizer a verdade, não bordoei porque estava esperando ele se enquadrar melhor e ia ser uma só.
Fiquei quieto mas tinha certeza que se ele tivesse bosta pronta teria se cagado todo.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

EuroMauMec

Era final de 1970. O Brasil tinha ganhado a copa do mundo pela terceira vez e éramos donos da Jules Rimet... até roubarem ela. Dizem as más línguas que foram uns argentinos. Estava engatado firme em um namoro e já para casar, esperando só pegar o canudo, quando terminamos tudo. Muito tristonho, resolvi ir para a Europa com o pessoal da MAUÁ que ia cursar o último ano e faria, como todos os anos, uma viagem de estudos. Estudavam os vinhos, cervejas, as mulheres italianas, espanholas e outras cositas mais e nos intervalos destes importantes trabalhos e quando dava tempo, iam se divertir e conhecer as indústrias de ponta da Europa, como a Mercedes, Herst e outras. Como a minha turma era formada por 50% de repetentes e muitos deles estavam nessa excursão, inclusive o presidente da comissão de viagem, o Ricardo Ravioli e o secretário, Gerson Tognini que eram os meus melhores amigos, eu estava totalmente enturmado.
Dia 02 de Janeiro de 1971, embarcamos na Varig com destino a Lisboa. A excursão era muito bem organizada e se chamava EuroMauMec 1971, euro de Europa, mau de MAUÁ e mec de Mecânica. Tínhamos até uniforme para as visitas. Uma calça cinza chumbo com um paletó preto, e o crachá da escola. Quando íamos fazer alguma besteira, a primeira coisa era tirar o crachá. Foi uma viagem de dois meses, começando em Portugal, seguido por Espanha, França, Bélgica, Inglaterra, Escócia, Noruega, Dinamarca, Suécia, Alemanha, Áustria, Suíça e Itália.

Cassino, conhecemos todos, e nosso prazer era estudar as máquinas e achar um jeito de ganhar delas, mesmo que necessitasse de métodos pouco convencionais, como da vez dos caça níqueis do cassino de Estoril. Descobrimos como era seu mecanismo e como lográ-lo e era muito simples. A hora que você colocava a moeda, a mesma fechava um circuito e acionava um contator para liberação a alavanca. Quando puxada a mesma abria o contator e ficava travada e para nova puxada era necessário nova moeda. Descoberto isso, percebemos que se enfiássemos umas 10 moedas sem puxar a alavanca, o contator ficaria travado fechado e poderíamos puxar a alavanca quantas vezes quiséssemos sem ter que colocar novas moedas. Ficava eu e o Ricardo, ele fingindo que colocava as moedas e eu puxando a alavanca. Quando nossos bolsos enchiam e o paletó ficava guenzo, um cuidava da máquina e o outro ia trocar as moedas. Na terceira noite os fiscais descobriram e não nos deixaram mais sozinhos, mas já tínhamos acumulado uns bons dólares e tido aquele prazer quase sexual de ter ganhado de quem não perde nunca.

Alem de roubar os cassinos, queríamos internacionalizar o Bráulio. Existia uma competição muito forte de quem traçaria a primeira européia. Apesar de sermos jovens, bonitos, prestes a entrar para uma classe dos com curso superior, cujo segmento era de menos de 1%, na época, éramos bons para o Brasil. Na Europa éramos pé de chinelo. Começamos paquerando só aquelas mulheres lindas, e em Portugal nem bola na trave. Quando falavamos que éramos brasileiros, as mulheres quase que faziam que nem o Paulinho do Nhato, colocavam as mãos na panqueca e saiam correndo. Tínhamos a fama de só pensar "naquilo". Em Madri, conseguimos tomar chá com umas espanholas e talvez até tivesse conseguido alguma coisa se não fosse pela burrice do Gerson. Estávamos com o Ricardo, em um desses bares cafés em Madri, quando na mesa ao lado sentaram três espanholas lindíssimas. Trocamos olhares e perguntei se podíamos juntar as mesas, pois éramos brasileiros e estávamos com dificuldades para fazer o pedido, pois o garçom não estava com paciência de nos explicar os pratos. Tudo isso falado em um Português perfeito, conclusão, elas não entenderam nada mas acharam muita graça. Numa segunda tentativa, com gestos e um castelhano de fronteira me fiz entender e juntamos as mesas. Tomamos o chá juntos, apesar de eu querer café, mas não era esse o objetivo real, e na saída já meio acertado que iríamos conhecer o bairro que elas moravam, uma delas cochicha no ouvido da outra e pede para esperarmos que ela tinha que voltar ao restaurante. Como já tínhamos apartado uma para cada um, a que retornou era a do Gerson. Ele, na hora se arrepiou todo, disse que tínhamos que ir embora, pois tínhamos compromissos e, como não entendíamos o motivo, resolvemos acompanhá-lo e largamos as três espanholas para trás. Posso até dizer que a minha, a Graziela, se despediu com os olhos marejados de lagrimas. Quando saímos que o Gerson explicou o motivo. Ela voltou ao restaurante para trocar o absorvente, pois ele escutou muito bem ela dizendo alguma coisa do seu paquete. O Ricardo, que falava italiano e sabia o que era paquete queria dar nele enquanto repetia, "paquete é pacote sua anta". Ela deve ter deixado algum pacote no restaurante. Voltamos correndo, mas só a tempo de vê-las entrar no taxi e saírem. Quase matamos o Gerson. Depois disso foi só fora.

Na França, só o Fernando Pio conseguiu chamar a atenção, ele era um moreno quase mulato, mas foi de uma bichona num mustang conversível. Ele seguiu o grupo por umas duas quadras. Não sabíamos em quem a linda estava de olho e começamos a nos apartar até que, quando ficou só o Fernando, ele, ou melhor, ela o abordou. Isso com todos gritando que a aposta era de comer panqueca e não podia ser acompanhada de salsicha. Na Bélgica, nem tentativa. Em Londres tinha uns pub's muito bons para paquerar, mas a língua era tora. Se já tínhamos se ferrado com o Dom Quixote, imaginem com Sheakepeare. Até consegui ir à boate com umas inglesas e fiquei bem animadinho pois ela respondia OK para tudo. Quando vinha algum amigo conversar com a gente, eu para tirar sarro falava a ele que teríamos uma noite de sexo selvagem ao que ela respondia com o "OK" dela. Mas o máximo que consegui foi um beijo nas bochechas na hora de despedir. Na Escócia tínhamos uma guia muito linda e achamos que dali ia sair o vencedor da aposta. Mas não teve jeito, o atropelo foi muito grande. Eram 19 homens dando em cima de uma única mulher e ainda por cima era Argentina. Na Noruega, necas de pitibiriba. Na Dinamarca, país do pornô, com as mulheres mais lindas que existem, as que podiam topar alguma coisa deviam estar todas trabalhando, pois nenhuma ao menos olhou para agente. Quando chegamos a Amsterdam e falaram da rua das vitrines, fizeram a primeira mudança de regras na aposta, pago não servia. Os 19, sem exceção foram para lá e foi uma das coisas mais interessantes da viagem. A rua das vitrines, como o nome diz, são casas em que o quarto tem uma janela de vidro com vistas para a rua, ou melhor dizendo, da rua tem vistas para o quarto. Ficavam as mulheres deitadas na cama com camisolas ou baby doll super provocantes esperando os clientes. O preço era do preservativo, e da ordem de U$20,00 dólares cada. Era obrigado a comprar da dona e a quantidade livre, sempre pagando 20 por cada um. Usar o mesmo duas vezes foi tentado pelo André, sem sucesso. Num perfeito holandês ela deve ter mandado ele tomar no rabo mas se éramos ruins de espanhol, imagine holandês.

Assim foi em tentativas infrutíferas até chegarmos a Cortina d'Ampezzo, uma estação de esqui, na Itália. Ali eu ganhei aposta, que vou contar na próxima, mas adianto que não foi fácil.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Minha melhor professora de Português

Já falei que a Maria Teresa foi a minha melhor professora de português. Os erros que aparecem neste blog são culpa exclusiva dela e da Laura, minha filha e editora. Aqui na minha região o provérbio que mais gostamos de usar e aquele do "mato a cobra e mostro o pau". Tempos atrás recebi uma carta dela sobre as férias que ela, com alguns amigos, passou aqui no pantanal. Foi uma das coisas mais lindas que já recebi e, sem sua autorização, vou reproduzi-la aqui. Alguns pequenos enganos eu corrigi. O resto é ipsis litteris.

AVENTURAS NO PANTANAL MATOGROSSENSE

Estamos todos ainda em estado de graça com as emoções que tivemos com a nossa viagem ao pantanal em julho. Tudo começou na fazenda S. Bento, que fica na metade do caminho entre Campo Grande e Corumbá*. A sede é linda, toda rodeada de mangueiras. Na entrada, suscitando o deslindamento dos visitantes, há um enorme coqueiro que serve de viveiro para as araras-azuis. No final da tarde, dezenas delas ali se aninham dando-nos a impressão de que a árvore esta carregada de frutos azuis.

Ainda temos na boca o sabor do delicioso caldo de piranhas, daquelas ventrechas de pacu (sabiamente trazidas por Bea, pois se dependesse dos pescadores...). Sem falar no queijo Nicola, da chipa e dos doces da Jaci (única vilã da história, pois fez todo mundo voltar mais pesado). Como esquecer o lindo trajeto entre São Bento e o Pesqueiro com as inúmeras invernadas e seus capões cheios de carandás, ingazeiros, bocaiúvas e pimenteiras, sem contar os majestosos tamburás plenos de flores amarelas a prenunciar a proximidade do Rio Miranda. Parecendo dar boas vindas um casal de araras azuis seguia o nosso carro. Emas, capivaras, quatis, tuiuiús, veados, surgiam aqui e acolá dando-nos uma amostra da riqueza animal que iríamos encontrar.

E o rio Miranda, com suas águas mansas e límpidas, que torna-se ainda mais majestoso ao cruzar o Rio Vermelho. Rio sábio este que escondeu todos os pacús, dourados e pintados e generosamente ofereceu muitas piranhas aos pescadores (quem ia agüentar o Nonô, Chu ou Carlão, se algum deles tivesse pescado um pacú de 10 kg)... E aquela sinfonia de pássaros... E o tuiuiú Carioca, que vive roubando os peixes dos pescadores. E os jacarés tomando sol na beira do rio no final da tarde.

Inesquecível foi o emocionante retorno no fim da noite à procura da batida correta no meio do capinzal colonião. Os nossos anfitriões fizeram questão de nos mostrar um mesmo ponto turístico por quatro vezes (realmente aquela simbra é fantástica e aquele cocho um verdadeiro obelisco no meio da invernada... e aquele prático um autêntico guia turístico).

Fomos em dois aviões de São Bento para Pirarininga, em pleno centro do pantanal. Nossos olhos se regalaram, por quase uma hora, com o pantanal visto de cima, com seus longos corichos, vazantes e fazendas (todas com campo de pouso!). Destaque deve ser dado a um dos pilotos que, quem diria, era Tadeu, contrariando totalmente a teoria dos mineiros segundo a qual "burro velho não pega marcha" (brincadeirinha!!!)

Como esquecer da fazenda Piratininga, em pleno Paiaguas, e a nhecolandia, do outro lado do Rio Taquari, (nome dado em homenagem a um fazendeiro chamado Nheco, por sinal antepassado de Bea, que defendeu o Pantanal do ataque de países vizinhos). Quem podia imaginar de encontrar uma mansão no meio do Pantanal!. E as caçadas fotográficas nas vazantes sob maravilhosos crepúsculos. Um show a parte foi a foto certeira de Tadeu num porco do mato a aproximadamente 500 m de distância e a habilidade de Daniel e Chu em retocar e ampliar a mesma lá na fazenda. As fotos dos jacarés também foram incríveis. Eles ficaram assustados com tantos flashes pipocando sobre eles, o Karmam e o Nonô foram os que mais bateram. As melhores foram aquelas tiradas a menos de um metro de distância.

A fazenda Santa Cristina, com suas inúmeras invernadas e aquele gado nelore, tão dócil e branquinho! Soubemos que Daniel fez toque em milhares de vacas para ver de estavam prenhes ou não, razão pela qual elas até piscavam para ele (as fofocas correm...)

A fazenda Perdizes, última a visitarmos (e também a última aquisição da família!) é simplesmente paradisíaca. No caminho, defrontamos nada menos que um viveiro de pássaros e aves aquáticas (tuiuiús, colhereiros, cabeças secas, aranquans, cardeais, impossível enumerar todos!). Como que conscientes da nossa admiração (e com a ajuda de Tadeu que dirigiu em direção a elas) empreenderam revoadas simplesmente impossíveis de descrever! A sede da fazenda fica num local lindo, mais elevado, rodeada por majestosas figueiras, de frente para um coricho, o qual se pensa tornar navegável na época da cheia e assim unir esta fazenda a Piratininga. As vazantes, serpenteadas por frondosas árvores, recobertas de uma fina camada de capim, mais parecem um campo de golfe. Esta topografia com esta vegetação nos faz lembrar jardins de castelos britânicos, só que, no caso do Pantanal, formados e conservador pela própria natureza.

Mas incrível mesmo foi o reencontro com Tadeu e Bea, que não mediram esforços nem logística (desde lanchas até aviões foram mobilizados) para recepcionar esta turma lá dos confins da divisa de São Paulo com Minas Gerais. Incrível foi presenciar a relação de Bea e Tadeu com o neto Rafael. Incrível foi rever Beto, Daniel , Guilherme, conhecer melhor a Pat, esposa do Beto (só não encontramos a Ana, esposa do Guilherme, mas afinal alguém tinha que trabalhar...) Incrível foi constatar que, apesar do tempo e de toda a mudança de vida da família, todos continuam os mesmos: grandes, excepcionais e queridos amigos!.
FIM DA CARTA

Linda, não? E faz valer toda logística, que nem foi tão grande assim. Quem não conhece a Maria Tereza, recomendo que leia, neste Blog, a história título "Maria Tereza", de 30 de abril de 2010.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A Importância dos burros 2

Quando comecei a fazer estágio na Ravel estava pensando mais na filha do dono do que em aprender alguma coisa lá. Era uma pequena indústria de artefatos de borracha que fabricava coxins, retentores e uma série de peças automotivas.
O proprietário era o pai do Ricardo Ravioli, um dos meus melhores amigos da faculdade, e da Nena, uma loira de olhos verdes, muito linda e eu era encantado com ela. Mas acabei aprendendo muito sobre esses artefatos tanto com o seu Fosco, esse era o nome do sogrão, como com o irmão dele, seu Angelo, que era o diretor técnico da empresa. A indústria ficava na Lins de Vasconcelos e eu estagiava na parte da manhã na Metal Leve, em Santo Amaro e longe pra burro e a tarde na Ravel. Em frente tinha um barzinho bem fuleiro, desses que quem não conhece bem, não consegue entender como tem gente que freqüenta aquilo. Tinha aspecto de sujo, o cozinheiro tinha um fogão de duas bocas que ficava ao lado da pia e a vista dos fregueses e esfumaçava tudo quando ele fritava um bife ali. Mas era limpinho e muito gostoso, além de ser prático. O dono, já esqueci o nome dele, sabia os dias que eu iria almoçar lá e quando chegava, faltando 10 minutos para entrar no serviço, já tinha um omelete pronto que era a coisa mais gostosa do mundo.

Mas vamos a importância dos burros. A indústria tinha uma caldeira que fornecia vapor para todas as máquinas e era de uma importância fundamental. Caldeira parada, indústria parada. Ela tinha, como qualquer caldeira , um pressostado acoplado ao seu bico injetor e que controlava tudo. As de hoje devem ter essas placas eletrônicas que fazem o serviço, mas naquela época era tudo Mecânico. A pressão aumentava ia pressionando uma mola e a medida que a mesma deslocava fechava a válvula de injeção diminuindo a quantidade de óleo injetada, com isso a temperatura diminuía a mola empurrava o bico ao contrário e aumentava a injeção. Ficava aquele pistãozinho entrando e saindo e a pressão praticamente constante. Como segurança disso tudo tinha uma válvula, dessas iguais a panela de pressão, que se o pistãozinho travasse ou algo parecido ela abria e esvaziava a cadeira. Se ela pifasse também, então iria tudo pelos ares.
Um dia o pressostato pifou e a válvula de segurança acionou. Enquanto esperava a chegada da mesma da Itália, era importada, resolveram colocar um homem controlando a injeção com um registro. Como era um trabalho de alta responsabilidade, colocaram o chefe da fábrica, um sujeito esperto, para fazer isso. Em dois tempos ele pegou o ritmo de como tinha que fazer da maneira mais fácil possível. O ponteiro do pressostato tinha que ficar na faixa verde. Querendo entrar no amarelo ele aumentava a injeção e quando queria entrar no vermelho ele diminuía. Rapidinho ele aprendeu que se deixasse quase no amarelo, e abrisse a injeção mais do que devia, teria tempo de fazer outras coisas antes do ponteiro entrar no vermelho. Na hora calculada, diminuía mais do que devia e sabia quando voltar também. Quando a válvula de segurança acionou pela terceira vez, o Fosco tirou o esperto de lá e colocou o seu Nenê, um ex alcoólatra que não pegava naqueles copos de pinga nem para tomar café. Outra característica dele, era o mais burro da fábrica, daqueles que acreditam em tudo que você conta para ele. Lembro que ele chorava lendo fotonovelas, uma revista de quadrinhos e com histórias de amor e ódio, igual as novelas da Globo. Primeiro encheram a bola dele dizendo que ele ia ser responsável pela vida de todos os empregados da fábrica. Depois não falaram que o ponteiro tinha que ficar no verde, que ia de 120 a 160, mas que não poderia sair do 140, se não iria tudo pelos ares. De cara ele pegou uma caneta tipo hidrográfica, daquelas de escrever em caixa de papelão, foi no vidro do relógio e fez um risco em cima do 140. Colocou um banquinho em frente da caldeira e não tirou a mão da válvula, podia no máximo trocar a esquerda pela direita. Pelo menos duas vezes por dia, quando alguém passava perto, ele pedia que chamassem seu Fosco para ele. Na primeira vez o Italiano chegou esbaforido já achando que a caldeira ia explodir porque o Nenê tinha feito alguma cagada, mas não era, ele precisava ir ao banheiro e para uma coisa tão importante e difícil assim, o patrão que devia ficar no controle, era rapidinho, ele completava. E o Fosco ficava. Quando eu ia estudar na casa dele com o Ricardo e ver a Nena também, conversávamos muito e ele foi a primeira pessoa que me mostrou a importância de ter as pessoas certas nos lugares certos e o seu Nenê era o exemplo que ele dava disso. Grande cara foi seu Fosco Ravioli.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Karmazim

Existem pessoas que passam por sua vida e deixam lembranças que não se apagam mais, ou pelo menos você gostaria que isso acontecesse, mas como estou cismado com a minha memória, toda vez que me lembro de alguém que não quero esquecer, coloco seu nome na lista do meu blog. O Karmazim foi um deles. Era um francês muito boa gente e que tinha como principal característica o seu bom humor. Ficávamos horas conversando sem perceber o tempo passar. Ele era uma pessoa com histórias muito interessantes, pois tinha lutado na segunda guerra na Resistência Francesa. Eu o conheci em 1974 quando entrei na Mecânica Pesada e ele foi um dos seus fundadores, junto com o Chu, Chouilan, Pavilak e outros importados diretamente da França, assim que a empresa foi inaugurada aqui no Brasil.

Não me lembro de tê-lo visto aborrecido a não ser no dia do leilão do Novo Horizonte. Na primeira vez que veio a Corumbá, veio junto com a filha Kiki e a Vicky, irmã de D.Virginia, tão ou mais simpática que ela, e um dos programas foi ir a um leilão de gado de corte que ficava no início do pantanal. Na hora de dividirmos o pessoal, pois não cabiam todos em um só carro, ele foi com o Chu em uma pickup pampa e o resto do pessoal comigo. O Karmazim não chegava a ser gordo, estava assim para o "forte", mas perto do Chu que era muito magro podíamos considerá-lo "bem forte". Na saída eu me lembro que ele já mostrou uma pequena preocupação pelo almoço, se não precisava levar alguma coisa para comer no caminho. Tranqüilizamos o "gordinho" explicando que era uma viagem de umas duas horas e o almoço seria no próprio leilão. O Chu, que é louco por pescaria, na saída resolveu pegar seus apetrechos de pesca e nos mandou sair na frente. Eram 8:00 hs da manhã. Chegamos ao leilão às 10 e fomos ver o gado. Andamos por cima de todas as baias, tinha umas passarelas próprias para isso e quando estava chegando a hora do almoço fomos para o tatersal e nos acomodamos, guardando lugar para os dois. Deviam estar chegando. Serviram o almoço, e nada dos homens. Retiraram os pratos e veio a sobremesa. Avisei o organizador que estava com visitas atrasadas e ele me tranquilizou que tinha todo o pessoal dele para almoçar ainda. Eles comeriam junto com os empregados, mas fome não passariam. Começou o leilão e nada ainda. Fiquei na espera, um olho no gado e outro em quem chegava. Lá pelas quatro da tarde, já no fim do leilão, chegam os dois. Quando fui cumprimentá-los o Karmazim, meio bravo de fome, me explicou o motivo do atraso. "Esse Chu é um tarado por pesca. Parou em todas as poças de água da estrada dizendo que ali tinha peixes. Não pegamos nada e perdemos o almoço. Por isso queria trazer algo para comer". A estrada que ia de Corumbá ao leilão foi transformada hoje em estrada parque pois atravessa uns 50 corichos, ou riachos como gostam os paulistas. O Chu respondeu que só queria garantir o almoço, como se alguém fosse fritar os peixes para ele no leilão.

Numa segunda vez, veio com o Chu, que já não trabalhava mais com a gente, para irmos para Piratininga. Chegaram de avião em Campo Grande e de lá para cá em uma van alugada. Era uma turma e muito animada, pois estavam com eles a Maria Tereza com o marido Carlão e a filha Diana, a Michelle, filha do Karmazim com o marido Nônô e a filha Giselle. Fiquei sabendo das discussões da Maria Tereza com sua filha logo na chegada. Na frente do aeroporto tem umas esculturas gigantes de pássaros do pantanal e a Maria Tereza quando viu quis chamar a todos para ver "que linda e bem feita aquelas garças" e fez isso aos gritos. A filha chamou a atenção dela e em sua euforia respondeu:
- Larga de ser chata e deixe eu externar meu contentamento, Diana.
- Pode externar Mamãe, também estou contente e mais ainda de ver sua alegria. A vergonha não é disso, mas de ver que você não diferencia uma garça de um tuiuiú.
É mole?
Quando chegaram, estávamos com tudo preparado, uma garrafa de 5 litros de pinga da minha reserva especial que recebo do pessoal de Piracicaba e que é envelhecida em meu tonel de carvalho que ganhei do sogro do meu filho Guilherme e duas garrafas de wisky Johnny Walker, rótulo azul. Queria agradar aos meus amigos. Passamos uns cinco dias muito agradáveis, secamos a pinga e praticamente só experimentamos o rótulo azul, eles eram profundos conhecedores de cachaça.

Quando eles foram embora o Karmazim me emocionou. Meu filho caçula, o Guilherme, tem uma coleção de facas e ele ficou sabendo disso. No último dia que passamos juntos na fazenda, ele contou uma de suas passagens na segunda guerra. Com um canivete teve que silenciar um alemão para invadirem um depósito de munição. Acabando o relato ele mostrou o canivete usado, a coisa mais linda, cabo de osso, coisa muito fina mesmo e disse que tinha tornado o seu amuleto e o acompanhado a vida toda. Como ele estava velho queria que aquilo continuasse nas mãos de algum amigo, mas que desse valor a esse tipo de arma e que conhecesse sua história. Quando completou que tinha encontrado essa pessoa no meu filho ficamos todos muito emocionados. É a principal peça da coleção do Guilherme e ele, como eu, temos muito orgulho dela. Foi a ultima vez que vi o Karmazim, ele veio a falecer alguns anos depois.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Casa Grande & Senzala.

Piracicaba passou a fazer parte de nossas vidas quando Beto começou a fazer agronomia na ESALQ. É uma faculdade muito ajeitada onde os alunos desenvolvem um amor a escola que beira a um culto. O Esalqueano é igual ao Corintiano ou Flamenguista. Com a entrada do Guilherme, aí até nós começamos a ficar fanáticos. Eles moravam em república com mais 8 ou 10 companheiros e de todos os anos. Isso já era feito para perpetuar a mesma e sempre entrava os bichos do primeiro ano para substituir os formandos que estavam saindo.
As histórias eram inúmeras e uma mais engraçada do que a outra. Teve uma vez que estavam na boate e um desses bad boys tentou tomar a namorada de um deles e não sabia que estavam de lote, brigaram e surraram o cara. No dia seguinte chegam uns três carros na república e descem um monte de marmanjos, cada um mais sarado que o outro, e um deles de cara inchada e pela janela reconheceram a peça. Telefonaram para outra república pedindo reforços pois os caras eram em 8 e eles só dez. Como cada um dos deles valia por dois dos nossos, na boate já precisou se quatro para dar em um, a proporção estava desleal. Responderam que já estavam indo. Para esperar a chegada do reforço, foram tentar enrolar o pessoal para não deixar que eles depredassem a casa. Passaram-se horas e nada do socorro chegar e eles conseguiram contornar a situação, ainda que com certa humilhação, do tipo "num bate na gente não, ontem estava todo mundo meio alegrinho. Desculpe aí vai. Aqui só tem sangue bom, desperdício derramá-los. Esses roxos na cara dele saem logo e a mordida na bochecha nem cortou. Tem um remédio que se chama arnica que é muito bom. Eu tenho aí e vou emprestar para ele." Depois que os caras se mandaram e eles já se sentindo aliviados, humilhados e putos com os companheiros chamados, chegam os mesmos em 8 carros, todos freiando e derrapando em frente da república e descem uns 10 homens de dentro deles. Ninguém acreditava no que estava vendo e passou a raiva na hora. Todos fantasiados de super heróis, homem aranha, batman, super homem, ninja tinham uns três. Os putos se atrasaram para fazer graça.

Só tinha uma empregada, a Nê, abreviação de Nega, para tomar conta daquele bando de homem. Tinha dois olhos e literalmente um na brasa e outro no peixe. Nunca vi nada mais feia e justificaram que tinha que ser assim pois todas as bonitinhas que apareceram foram atropeladas até pedirem contas. Lavava a roupa, limpava a casa e cozinhava, tá certo que lavava mal e uma vez por semana, limpava pior ainda e uma vez por mês e cozinhava pessimamente, mas pelo menos todos os dias. Acontecia do nego sair de casa, pegar uma garoa e começar a espumar. A Nê tinha esquecido de enxaguar a camisa. Tinha uma aranha moradora em cima da geladeira, e o pessoal com uma caneta hidrográfica, escreveu na parede "olha Nê ,tô aqui, cuida d'eu".

Quando o Beto entrou na faculdade, o primeiro lugar que ele foi morar, foi com o Batô, um amigo da Laura, em uma república que era um espetáculo e numa CASA GRANDE, que era a antiga residência dos pais de um dos estudantes e que tinham se mudado de cidade e eram produtores de cana e muito abonados, era um palacete. No ano seguinte, quando o Guilherme entrou na mesma faculdade, o Beto mudou e foram juntos para uma nova república que se chamava SENZALA, e na nossa primeira visita a ela, achamos o nome muito apropriado. Um dia eles vão escrever um livro sobre esses tempos e se chamará "Casa Grande & Senzala", título muito apropriado que eles se apropriarão do mesmo. O Gilberto Freyre não vai ligar. Na primeira visita aos dois juntos que conhecemos a Senzala e a Nê. Beá chorou uns 100 km na volta e de quando em quando murmurava que não tinha criado os filhos para viver "naquilo". Eu tentava consolá-la com um "concordo plenamente, você viu o fogão?, nunca passou bombril nem por perto dele", aí ela replicava, "e o sofá, meu Deus!".
 A casa da república tinha sido uma escola infantil, dessas que o banheiro tem dois vasos juntos. Quando fui usá-lo e vi aquilo, perguntei ao pessoal porque eles não tinham mandado retirar um. Para quem só faz coco de porta trancada e não pode ter ninguém perto, nem do lado de fora, a resposta foi inesperada: 
"E aí tio, quando bater a vontade em dois ao mesmo tempo? E depois a gente troca idéias durante". Parece que a coisa estava tão banalizada que o nego ia cagar e chamava o companheiro para ir junto e aproveitar para continuar o papo. Deviam ser todos uns nariz entupidos. 
Todo ano tinha o churrasco dos pais e nunca perdemos nenhum. Era a ocasião que eles "faxinavam" a casa para não traumatizar muito as mães, mas sem sucesso.
Guilherme no seu segundo ano e na nossa terceira visita, ficava em um quarto junto com um bicho, calouro, e em um beliche. Fui conhecer seu quarto e vi a cama de baixo bem arrumadinha e a de cima uma bagunça só, cheia de roupas de todos os tipos, as sujas, as lavadas pela Nê e sem passar e as mal passadas. Quando perguntei a ele qual era sua cama ele apontou a de baixo. Quando perguntei porque não colocava o bicho para arrumar a dele e tirar aquela roupa toda de cima ele começou a rir e falou:

- E vou enfiar a minha roupa aonde?

Só balbuciei um "como?" e ele completou:

- Pô pai, essa roupa é minha. Ele dorme no chão.

Mandei ele trancar a porta e voltamos para a sala. Na mesma tinha um colchão no chão, e eu não sabia se era um capacho gigante pela sujeira, ou um sofá, ou sei lá o que. O que não se sabe se pergunta, já dizia o Irmão Constantino do Arquidiocesano:
- O que é isso?

- Ué, um colchão.

- Certo, estou vendo, mas com que finalidade?

- Ué, o que se faz em um colchão?

Comecei a ficar irritado com as respostas bestas, e falei:

- Nem desconfio quando ele esta na sala e com uma mesa de centro em cima.

- Pô pai é a cama de um outro bicho. A mesa de centro ele põe nos pés e a perna entra por baixo.

Prometi a mim mesmo, a partir desse momento, a não perguntar mais nada, apesar de achar que nada naquela casa de dois vasos no mesmo banheiro e colchão na sala poderia me surpreender. 
Na saída encontramos um sofá na calçada e Beá que não compartilhou a promessa comigo perguntou o que aquilo estava fazendo na rua e foi o Beto que respondeu:

- Tiramos da sala para acomodar o bicho novo que entrou, o do colchão-carpete, (falou olhando para mim) e como não tinha onde pôr veio parar aqui.

- Mas não podem roubar? 

- Mãe, ele já andou aqui na rua por um mês. Colocamos para os lixeiros levarem ou alguém roubar e ficou aí até recebermos uma notificação da prefeitura. 

- Mas vocês usam essa porcaria?, Bea insistiu.

- Tomamos tereré toda a tarde aí.

- Mas e a chuva, filho?

- Pô mãe, não tomamos tereré na chuva.

Ai quebrei a promessa e falei:

- Mas não molha a merda do sofá?

- Molha, lógico, mas aí a gente forra ele com o colchão do bicho.

Demos um beijo em cada um e pegamos a estrada. Pensei que Bea ia chorar por 200 km, mas no 100 ela já tinha se recuperado.
 Mas não foi fácil.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Viagem a Belo Horizonte

Todas às vezes que pego uma estrada eu me lembro daquela viagem. Teve momentos muito bons e outros terríveis, mas todos inesquecíveis. Era julho de 1974, em plena copa do mundo, era uma sexta feira e o Brasil enfrentava a Argentina no dia seguinte. Minha filha estava com alguns meses e Tontonio tinha levado Lenir para São Paulo para tratamento, pois ela tinha perdido o primeiro filho logo que nasceu. Minha irmã caçula Maria Lucia, então com 14 anos, estava em uma excursão com as coleguinhas do colégio e Mena minha cunhada, fazia cursinho em São Paulo e morava comigo. Esse era o panorama do momento. Para nos distrairmos fomos ao Play Center, parque de diversões recém inaugurado, e quando voltamos para casa, por volta da uma da madrugada, na porta de meu quarto tinha um bilhete da Mena, que ficou cuidando da Laura, dizendo para acordá-la que tinha recado importante para nós. Assim o fizemos e ficamos sabendo que mamãe tinha ligado avisando que Maria Lucia tinha empacado em Belo Horizonte com saudades de casa e era para nós irmos pega-lá. Eu tinha um Maveric e resolvemos sair direto. Não estávamos com sono e se deitássemos naquela hora perderíamos o jogo, e Brasil e Argentina em copa do mundo era impensável.
Estava um frio absurdo e o carro com o sistema de aquecimento ou quebrado ou nunca existiu mesmo, deixava a temperatura interna aparente abaixo de zero e me lembro da neblina congelar no para brisa e termos que parar várias vezes para abastecer o reservatório de água. Se ligasse o limpador depois de congelado podia estragar a borracha. Dirigia com uma mão e sentado sobre a outra e ia revezando. No começo até que estava bom e fomos conversando. Quando chegou o sono é que foi tora. Veio para os dois ao mesmo tempo e não tinha onde parar. Eu dirigindo, dormia de olhos abertos e me sentia no Play Center no trompa trompa e queria encontrar alguém para bater de frente e ver a cara do motorista. Quando acordava com o barulho de caminhão cruzando com a gente que via o perigo pelo qual tínhamos passados. Acordava Tontonio e passava o volante para ele. Deitava e dormia profundamente quando sentia o nariz escorrendo e o ranho congelando. Acordava e achava que estava com hipotermia. Esfregava as mãos, limpava o nariz e desmaiava de novo até que o Tontonio parava e pedia para pegar um pouco, pois ele não agüentava mais. Achava que tinha passado horas e eu já estava recuperado e quando olhava o relógio tinha passado 20, 30 minutos. Pegamos um guarda rodoviário no acostamento e pensamos em entregar o carro para ele dirigir. O puto não tinha carteira. Devia ser o único guarda rodoviário sem carteira do país. Perguntamos se ele não sabia dirigir sem carteira mesmo e desistimos com a resposta de "esse tipo de carro não e eu sou guarda rodoviário, como vou dirigir sem carteira" . Pensei em perguntar que tipo de carro ele sabia mas desisti. Devia ter perguntado pois ia servir para espantar o sono. Com ele conversando com Tontonio consegui dormir mais cumprido e quando peguei fui até BH.
Fomos direto para o hotel, ia começar o jogo, ligamos para Maria Lucia dizendo que já estávamos lá e mentimos que íamos dormir um pouco. A mentira virou verdade e desmaiamos enquanto o Brasil ganhava da Argentina em plena copa do mundo. Acordamos já na hora da janta e resolvemos levar Maria Lucia para comer conosco. No fim foi todo pessoal que cuidou dela depois que a excursão continuou a viagem. Gente muito fina e nos levaram para conhecer a ladeira do amendoim, onde os carros subiam sozinhos. Eu já era engenheiro e conhecia a lei de Newton, e percebi que era ilusão de ótica mas Tontonio começou a acreditar no que nossos anfitriões estavam falando. Você parava o carro e ele ia subindo e diziam que eram forças magnéticas, igual a um imã gigantesco que puxava o carro para cima. Começou uma discussão e o Tontonio começou a me chamar de sabichão, que eu não acreditava nos fatos, estava ali o carro subindo, estava ali o cara explicando do imã e eu cabeça dura discutindo, pior que São Tomé, pois esse bastava ver para crer e eu nem isso. Fui ficando nervoso até que mandei os elementos femininos se afastarem e irem para o carro. Ficou o Tontonio, o mineiro mentiroso e eu. Por sorte eu estava com muita vontade de urinar e assim o fiz. Quando a urina começou a subir eu perguntei a ele se o efeito do imã também atuava em urinas o que o deixou sem resposta. O Tontonio ainda me criticou dizendo que era falta de educação não acreditar nas mentiras do anfitrião e isso na frente dele. Na viagem discutimos para definir o que foi pior, urinar na frente do homem, desmenti-lo ou chamá-lo de mentiroso. No dia seguinte voltamos os três para São Paulo. Acho que foi a única vez que viajamos juntos e sozinhos. O Maveric tinha aquele banco inteiriço na frente e viemos todos neles. A caçulinha no meio de nós dois. Bem dormidos viemos tranqüilos e pensando que se o sono apertasse entregaríamos o carro para ela que já dirigia super bem, apesar de mulher.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Visita dos amigos do Beto

Beto fez o terceiro científico no Indac, junto com o cursinho. O Indac é, ou era, não sei se existe ainda, um colégio que não exige muito de seus alunos. Havia alunos que faziam o terceiro ano lá para ter mais tempo para se dedicar ao cursinho e tinha aqueles que faziam os três anos lá, para terem mais tempo para se dedicar a porra nenhuma. Numa de nossas viagens para Santa Anatalia, o Beto levou dois amigos de lá para conhecerem o pantanal. Não lembro os nomes mas um usava brincos e o outro tinha um cabelo que já o apelidamos de poodle. Ambos eram alunos do segundo grupo. Assim que fiquei com mais liberdade com eles, eram muito simpáticos, recomendei ao de brinquinhos que os tirasse, pois os costumes do pessoal que vivia no pantanal eram meio diferentes. Ele deu risadas e achou que eu estava de gozação com ele. Não insisti. Na fazenda foram o centro das atenções um tirava sarro da cara do outro o tempo todo. Temos uns coqueiros no pátio da fazenda que produzem uns frutos deliciosos. Quando ofereceram para o poodle se ele não queria que o praieiro abrisse um para ele, para surpresa de todos, ele respondeu que nunca tinha comido. Questionado que existia todos os subprodutos como leite de coco e coco ralado, ele veio com a pérola que o coco que ele conhecia era diferente. Era redondo e tinha uma casca muito dura. Demos risadas e pedi ao praieiro que descascasse um para ele, o que o deixou muito surpreso ao ver que era "só cabelo". O de brinquinhos, para tirar sarro dele, o pegou pela mão e o levou até o galinheiro e mostrou as galinhas dizendo "isso que faz có có é o frango e é também igual aqueles do supermercado. Isso aí por fora é só cabelos também, que neste caso chamam de penas, pois para ficar daquele jeito que você conhece e vê lá nas gôndolas dos supermercados, tem que arrancar os cabelos e como dói muito o pessoal fica com pena, daí o nome, entendeu?". Eu ia corrigir que frango não é galinha mas ia confundir por demais a cabeça do poodle. Aquela explicação já tinha ampliado enormemente os seus conhecimentos. Mas a noite teríamos o baile e foi ali o grande momento. Lá pelas tantas, com o arrasta pé comendo no centro, duro de gente numa proporção meio desleal, algo assim 100 homens para 20 mulheres, nessas 20 já incluindo a minha que eu não deixava dançar com puto nenhum, aparece o Brinquinho sem os brincos. Quando vi perguntei a ele se os tinha perdido. Ele colocou a mão no bolso e os mostrou para mim dizendo que só os colocaria no final do baile, pois já tinha sido tirado para dançar umas dez vezes e já não agüentava mais dar tábua nos peões. Então expliquei a ele que eles não tinham preconceitos em fazer sexo com gay e isso não depreciava o ativo. A falta de mulher por lá facilitava o aparecimento dos passivos e eram muito bem recebidos. Acharam nos brincos uma forma de você demonstrar suas opções. Isso o deixou todo arrepiado, acho e espero que tenha sido de medo, pois ele tinha tirado os brincos.