Quando morávamos em Taubaté, todas as férias eu trazia a família para Corumbá. Normalmente eu dividia a minha em quatro partes. Trazia no início de julho, passava uma semana e voltava, vinha no final do mês para buscar e no final de ano repetia a dose. Por economia e para não ficar muito puxado, a perna sozinho de Corumbá - Taubaté, ida e volta, eu fazia de avião. Foi numa dessas que eu vi o homem da foice de perto. Fui até Campo Grande de caravan, uma perua opala da Chevrolet, e peguei o trem para Corumbá, com Beá e os 4 filhos. O carro, como sempre, ficou na casa de meu tio Jamil. Passada a semana embarquei na VASP para São Paulo com escala em Campo Grande e toda a família foi me levar ao aeroporto. Despedimos-nos e por pouco não foi pela última vez.
Era um boing 727 e sentei na poltrona sobre a asa do lado esquerdo e na janela. Decolamos e adormeci em seguida, só acordei com a aeromoça me avisando que estávamos chegando em Campo Grande e que devia afivelar os cintos. Nesse momento percebi que tinha algo errado. O avião vinha totalmente inclinado para a esquerda, do meu lado, e caranguejando, andando meio de lado. Já muito próximo da pista e como o comandante não corrigia, um piloto de monomotor fajuto na poltrona de trás começou a gritar que a asa ia bater na pista. Foi então que percebi que estávamos com um vento de través muito forte e que para manter o avião alinhado com a pista o piloto tinha que baixar a asa para o vento. Alguns segundos antes do toque na pista, o comandante corrigiu a inclinação, mas nesse momento o vento fez ele inclinar para o outro lado e ele quicou no solo com roda direita e muito forte. O avião saiu completamente do eixo da pista e subiu mais de 10 metros e o cara resolveu arremeter. Eu sabia que o jato tem uma reação retardada e que depois que toca a pista você não arremete mais, então quando senti as turbinas acelerando e vi que o avião não pegava velocidade e, conseqüentemente sustentação, achei que minha hora tinha chegado. A altura a que ele chegou foi apenas suficiente para o comandante corrigir a direção e voltar a tocar a pista, tocar não, dar uma tremenda porrada. Isso aconteceu mais uma vez ainda e a cada toque a sensação era de que as asas iriam se partir e isso não deixava ele ganhar velocidade. Na terceira vez eu percebi que a pista tinha acabado e o próximo ia ser em cima de alguma casa ou carro, e...babau. Mas ele começou a se estabilizar e foi voando bem baixo e ganhando velocidade e depois altura.
Só nesse momento que percebi que todos estavam gritando e alguns pedindo calma. Em alguns segundos todos estavam quietos e só uma senhora sentada ao meu lado continuava gritando meio fora de si. Tive que chacoalhá-la umas três vezes e já estava para fazer que nem no cinema e meter-lhe um tapão na cara quando ela percebeu que não tínhamos caído. Quando ele começou a fazer a volta e percebemos que estava voltando para tentar o pouso novamente, recomeçou a gritaria. Nisso o navalha, através do comunicador interno dirigiu-se aos passageiros dizendo que o vento estava muito forte, 60 nós, mas que ele iria fazer um sobrevôo e só aterrissar quando melhorasse.
Nessas horas a sensação é a pior possível, pois é a de impotência total. Não tem nada que você possa fazer a não ser esperar e isso depois de passar pela sensação de que tudo ia explodir. Me lembro que na poltrona da frente e do lado direito ia o presidente da Companhia de Navegação Bacia do Prata, o Joylce Araújo. Ele estava de terno e com uma camisa azul clara. Eu percebia que seu colarinho ir mudando de cor e ficando num azul escuro pelo suor que escorria de toda sua cabeça e ia molhando a camisa ali. O piloto fajuto que estava atrás de mim era o que mais protestava, que era para largar mão de Campo Grande e ir direto para São Paulo, isso com o destino dele sendo Campo Grande. Por isso que falo que era fajuto. Mas o bicho veio de novo e foi para o pouso. Eu já prometendo que se saísse dessa iria entrar para o time de meu irmão Tontonio, e acreditar que voar é para passarinhos, e nunca mais entraria numa lata daquelas.
Mas pousamos bem e assim que o avião desligou as turbinas, eu me levantei pegando minha maleta no bagageiro e fui falar com a aeromoça. Os passageiros em trânsito deveriam ficar a bordo, mas eu queria saber como iria tirar minha mala dali. Pegaria meu carro e seguiria com ele para São Paulo, pois naquela porra eu não viajava mais. Estava nessa conversa quando ela falou que chamaria o comandante. Não podia fazer nada, precisava das malas, mas estava disposto até a deixá-la a bordo e pega-lá em congonhas.
Com tudo isso esquematizado, chega o comandante Queimado, esse era o sobrenome dele, imaginem se isso é nome de comandante, mas seria pior se ele fosse bombeiro. Falou que isso às vezes acontece, mas que eu poderia ficar tranqüilo que o tempo em São Paulo estava bom e eu poderia voltar para meu lugar com o meu companheiro que ele iria fazer uma gentileza especial e mandar servir um vinho da reserva dele particular. Quando ele falou companheiro que percebi que tinha um baixinho atrás de mim. Olhei para ele para saber sua opinião e ele respondeu com um "Você quem sabe" que achei graça. Nunca tinha visto o tipo na minha vida. Mais por vergonha da situação do comandante, de estar ali me pedindo, por favor, que confiasse nele do que por qualquer outra coisa, voltei para o meu lugar e desta vez o baixinho sentou ao meu lado. Veio o vinho e secamos a garrafa no solo, e meu novo companheiro falava mais que o homem da cobra. Disse que na hora que eu levantei reclamando que não viajava mais naquela merda, ele que estava na mesma dúvida, mas sem carro em Campo Grande, pensou: “vou atrás desse grandão aí e o que ele fizer eu faço".
Decolamos e fiz a viagem mais tensa da minha vida, apesar do vinho, e quando o avião pousou em São Paulo, senti aquela sensação de soldado voltando vivo da frente de batalha, uma mistura de alegria e alívio que nunca senti antes.
Até hoje, todas as vezes que pouso em Campo Grande, da janelinha fico procurando os coqueiros para ver se estão muito penteados, o que mostraria que a velocidade do vento está alta. Mas não foi a única vez que quase me caguei todo dentro de um avião, tiveram outras. Fica para uma próxima.
Era um boing 727 e sentei na poltrona sobre a asa do lado esquerdo e na janela. Decolamos e adormeci em seguida, só acordei com a aeromoça me avisando que estávamos chegando em Campo Grande e que devia afivelar os cintos. Nesse momento percebi que tinha algo errado. O avião vinha totalmente inclinado para a esquerda, do meu lado, e caranguejando, andando meio de lado. Já muito próximo da pista e como o comandante não corrigia, um piloto de monomotor fajuto na poltrona de trás começou a gritar que a asa ia bater na pista. Foi então que percebi que estávamos com um vento de través muito forte e que para manter o avião alinhado com a pista o piloto tinha que baixar a asa para o vento. Alguns segundos antes do toque na pista, o comandante corrigiu a inclinação, mas nesse momento o vento fez ele inclinar para o outro lado e ele quicou no solo com roda direita e muito forte. O avião saiu completamente do eixo da pista e subiu mais de 10 metros e o cara resolveu arremeter. Eu sabia que o jato tem uma reação retardada e que depois que toca a pista você não arremete mais, então quando senti as turbinas acelerando e vi que o avião não pegava velocidade e, conseqüentemente sustentação, achei que minha hora tinha chegado. A altura a que ele chegou foi apenas suficiente para o comandante corrigir a direção e voltar a tocar a pista, tocar não, dar uma tremenda porrada. Isso aconteceu mais uma vez ainda e a cada toque a sensação era de que as asas iriam se partir e isso não deixava ele ganhar velocidade. Na terceira vez eu percebi que a pista tinha acabado e o próximo ia ser em cima de alguma casa ou carro, e...babau. Mas ele começou a se estabilizar e foi voando bem baixo e ganhando velocidade e depois altura.
Só nesse momento que percebi que todos estavam gritando e alguns pedindo calma. Em alguns segundos todos estavam quietos e só uma senhora sentada ao meu lado continuava gritando meio fora de si. Tive que chacoalhá-la umas três vezes e já estava para fazer que nem no cinema e meter-lhe um tapão na cara quando ela percebeu que não tínhamos caído. Quando ele começou a fazer a volta e percebemos que estava voltando para tentar o pouso novamente, recomeçou a gritaria. Nisso o navalha, através do comunicador interno dirigiu-se aos passageiros dizendo que o vento estava muito forte, 60 nós, mas que ele iria fazer um sobrevôo e só aterrissar quando melhorasse.
Nessas horas a sensação é a pior possível, pois é a de impotência total. Não tem nada que você possa fazer a não ser esperar e isso depois de passar pela sensação de que tudo ia explodir. Me lembro que na poltrona da frente e do lado direito ia o presidente da Companhia de Navegação Bacia do Prata, o Joylce Araújo. Ele estava de terno e com uma camisa azul clara. Eu percebia que seu colarinho ir mudando de cor e ficando num azul escuro pelo suor que escorria de toda sua cabeça e ia molhando a camisa ali. O piloto fajuto que estava atrás de mim era o que mais protestava, que era para largar mão de Campo Grande e ir direto para São Paulo, isso com o destino dele sendo Campo Grande. Por isso que falo que era fajuto. Mas o bicho veio de novo e foi para o pouso. Eu já prometendo que se saísse dessa iria entrar para o time de meu irmão Tontonio, e acreditar que voar é para passarinhos, e nunca mais entraria numa lata daquelas.
Mas pousamos bem e assim que o avião desligou as turbinas, eu me levantei pegando minha maleta no bagageiro e fui falar com a aeromoça. Os passageiros em trânsito deveriam ficar a bordo, mas eu queria saber como iria tirar minha mala dali. Pegaria meu carro e seguiria com ele para São Paulo, pois naquela porra eu não viajava mais. Estava nessa conversa quando ela falou que chamaria o comandante. Não podia fazer nada, precisava das malas, mas estava disposto até a deixá-la a bordo e pega-lá em congonhas.
Com tudo isso esquematizado, chega o comandante Queimado, esse era o sobrenome dele, imaginem se isso é nome de comandante, mas seria pior se ele fosse bombeiro. Falou que isso às vezes acontece, mas que eu poderia ficar tranqüilo que o tempo em São Paulo estava bom e eu poderia voltar para meu lugar com o meu companheiro que ele iria fazer uma gentileza especial e mandar servir um vinho da reserva dele particular. Quando ele falou companheiro que percebi que tinha um baixinho atrás de mim. Olhei para ele para saber sua opinião e ele respondeu com um "Você quem sabe" que achei graça. Nunca tinha visto o tipo na minha vida. Mais por vergonha da situação do comandante, de estar ali me pedindo, por favor, que confiasse nele do que por qualquer outra coisa, voltei para o meu lugar e desta vez o baixinho sentou ao meu lado. Veio o vinho e secamos a garrafa no solo, e meu novo companheiro falava mais que o homem da cobra. Disse que na hora que eu levantei reclamando que não viajava mais naquela merda, ele que estava na mesma dúvida, mas sem carro em Campo Grande, pensou: “vou atrás desse grandão aí e o que ele fizer eu faço".
Decolamos e fiz a viagem mais tensa da minha vida, apesar do vinho, e quando o avião pousou em São Paulo, senti aquela sensação de soldado voltando vivo da frente de batalha, uma mistura de alegria e alívio que nunca senti antes.
Até hoje, todas as vezes que pouso em Campo Grande, da janelinha fico procurando os coqueiros para ver se estão muito penteados, o que mostraria que a velocidade do vento está alta. Mas não foi a única vez que quase me caguei todo dentro de um avião, tiveram outras. Fica para uma próxima.
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