quinta-feira, 30 de junho de 2011

Tomas, o Corajoso



Essa me aconteceu hoje. Estava trabalhando na ema quando chegou o enfermeiro do asilo para aplicar umas injeções no povo lá. Era vacina contra a gripe. Coincidentemente estávamos o Cauto, que é o cara que mais tem medo de agulha que eu conheço, eu e o Carlão, quando este último me contou do escândalo que o Cauto tinha feito na saúde pública quando foram tomar vacina juntos. O enfermeiro queria aplicar e o Cauto não parava com o braço pois queria que chamassem Mena para ficar junto dele e isso sem se importar com aquele mundaréu de gente vendo aquele baita homem com medo de uma agulhinha. O enfermeiro pedia que ele ficasse quieto e ele falava:
-Não, pera aí, não aplique ainda que eu quero conversar.
Como a fila era grande o cara queria aplicar e acompanhava o balanço do braço dele que não parava, e o medroso já estava para desmaiar. Conseguiu ficar nessa enrolação até a chegada da Mena.
O Beto já conhecia a história e contou para Tomas e Belinha na hora de levá-los para tomar a vacina e dizendo que isso era muito feio. Que nem doía nada e que queria ver se eles iam ser corajosos. Estavam nesse papo quando o Tomas pediu para ser o primeiro. Iria mostrar a todos que já era homem e corajoso, pelo menos mais do que o tio Cauto. Já a Isabela não se manifestava e ficou com aquela cara de desconfiada. Na hora H o Beto, para espanto do Cauto, falou que Tomas queria ser o primeiro. Foi deitando ele na perna e baixando suas calças, tudo sob o olhar atento de todos, principalmente do Cauto, que não acreditava no que estava vendo. Quando o enfermeiro chegou por trás o gurizinho pulou do colo do pai e falou:
- Pera aí que eu tenho que relaxar.
Beto juntou ele de novo, e ele achou que o pai não tinha escutado e começou a gritar que queria relaxar. Ficaram todos quietos esperando e segurando o riso. Uns 30 segundos depois o Beto o pegou novamente e ele veio com novo argumento que queria conversar com o enfermeiro e ver o tamanho da agulha. Nessa hora o Cauto se manifestou.
- Esse é do meu time, gosta de uma conversinha antes para relaxar.
No fim a coisa foi meio na marra mesmo. A Isabela que já estava com medo, quando viu o piseiro que o Tomás estava fazendo já começou a chorar antes da hora. Foi um panzeiro do peru, e só o Cauto que os achou super corajosos, pois em nenhum momento nem ameaçaram desmaiar. Também com essa referência, covarde para ele e só se o cara se cagar todo. Como dizia papai, tudo é relativo.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Isabela

Isabela é a minha primeira netinha e a número 8 na ordem geral. Muito esperta e vive me aprontando cada uma que tenho medo de passar por mentiroso, ou no mínimo avo coruja quando conto as suas histórias. Ela é enlouquecida com esses joguinhos de celular e parece que já nasceu conhecendo todos, tal a intimidade com que manipula esse aparelhinho. Chegava em casa e ia direto pro meu colo dizendo:
- Vovô, empresta xeu xelular?
Teve um dia que resolvi não emprestar e respondi:
- Isabela, você só sabe falar isso?
- Como assim, vovô? Eu sei falar tudo.
- Então, você chega aqui, nem me da um beijo, não fala nada carinhoso para mim e já quer meu celular.
Enquanto eu falava ela prestava muita atenção, me olhando com aquelas duas bolitas parecendo umas jabuticabas maduras.
- Mas o que é para falar, vovô?
- Então, você tem que falar bom dia vovozinho. Tudo bem? Você está tão bonito hoje. E ai pede o meu celular, que vou ficar tão contente que vou te dar.
Desse dia em diante o comprimento é sempre o mesmo e sem pular uma letra, mas num ritmo muito engraçado. Ela corre para mim e fala sem respirar: "bomdiavovô.Vocetamuitobonitohoje. Mimprestaxeuxelular?"
Sempre me levava o aparelhinho até o dia em que, na fuçação, me apagou um programa. Resolvi colocar senha para que me lembrasse de avisar a ela, todas às vezes, que não podia mexer no que não conhecia para não apagar nada. Ela me pedia o telefone, daquele jeitinho cumprido, eu digitava a senha e entregava a ela. Na terceira vez, ela me falou:
- Deixa que eu destravo. Isso com três para quatro anos e sem saber ler nada ainda. Decorou a seqüência que eu batia os números.
Numa outra ocasião, ela sentada na mesa ao meu lado, me flagrou limpando a boca na toalha. Vira para mim e fala:
- Não pode limpar a boca na toalha. Para isso tem guardanapos. Minha mãe não gosta.
- Estou na minha casa. Sua mãe não apita aqui. - Falei isso para provocá-la.
Ela não perdeu o rebolado e falou:
- Minha avó também não gosta.
Joguei a toalha.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Lua de mel parte 2

Como já tinha escrito na parte 1, estávamos viajando há quase um mês e percorrido 4.000 km. Adoramos Montevidéu e de lá seguimos para a Argentina. Fomos até o porto de Colônia, quase no extremo oeste do Uruguai, e atravessamos o mar del plata, em um navio que se chamava baleeiro e pegava mais de 100 carros. Desembarcamos em Buenos Aires e fomos procurar um hotel. Aliás, toda a nossa viagem, a única reserva que fizemos de hotel foi no Toribas, em Campos do Jordão. O resto foi escolhido na hora, no guia quatro rodas, que era melhor que o Google, pois não tinha perigo de ficar fora do ar e tinha tudo, desde preço, nível do hotel, endereço, telefone para reservas, e o que você pensar mais. Não sei se existe isso ainda, pois com o tal do GPS, ninguém vai consultar mapas para viajar, mas era realmente uma coisa extremamente útil para viajantes sem rumo, como nós. Velhos tempos.
Em Buenos Aires, tivemos a primeira grande surpresa da viagem. Os argentinos eram simpáticos com a gente. Já existia Pelé, mas não tinha Maradona. Chego até a pensar que essa aversão mútua foi provocada por ele. Não me lembro de detestar argentinos naquela época. Não sei quando peguei essa mania, pois na lua de mel eles foram todos muito simpáticos, mas sei que na guerra das Malvinas eu já não gostava deles. Saímos de Buenos Aires e fomos subindo para o norte, passando por Santa Fé, Resistência, onde pernoitamos e Formosa. Nosso destino era Assunção, Paraguai.
O interessante é que para chegarmos a Assunção tínhamos que atravessar o Rio Paraguai e não existia ponte. Entramos em uma balsa que transportava um carro por vez e era tocada por um motorzinho de popa dos mais porcarias que existe. Se pifasse aquela merda nós voltaríamos rodando para o Mar del Plata. Mas tudo deu certo e chegamos a Assunção. Já estávamos com pouco dinheiro e depois de ver o preço do Hotel Guarani, o melhor do Paraguai, nos hospedamos no Estrela, diária 1/5 do preço e muito simpático. Era na região central e 40 anos depois eu o visitei e continuava do mesmo jeitinho da nossa lua de mel. Programamos um dia somente em Assunção para visitarmos uma aldeia de índios. Encontramos um guia que nos levou até lá. Era um sarro, pois tudo era cobrado. Fotografia de indiozinho, 2,00 cruzeiro, cacique 5,00, mulher do cacique sem cobra, 10, com cobra, 15 e mostrando os peitos 20. Não agüentei e paguei a cacica com tudo que tinha direito: cobra e os peitões de fora, juntei a Índia mais com medo do cacique do que da cobra e Bea imortalizou-nos com uma foto que não consigo mais achar.
Quando voltamos para o carro, a primeira merda da viagem toda, um ônibus tinha acertado o paralama dele o que nos obrigou a ficar mais três dias em Assunção, enquanto uma oficina consertava meu opala. O mesmo que era amarelo saiu com o paralama traseiro laranja, mas não podíamos esperar mais. Já estávamos a dois dias no hotel jogando cartas e queríamos conhecer as cataratas de Iguaçu.
A segunda merda foi um causada por um mal entendido entre Bea e eu. Quando saímos de Porto Alegre, que foi a última cidade brasileira, perguntei a Bea se existia banco Bradesco em Foz do Iguaçu. Antigamente não existia esse dinheiro de plástico - cartões de credito, e toda a viagem era paga no cheque ou em moeda. Posto de gasolina e cidade fora do Brasil, só no cacau. Como não existia ar condicionado em carro também, a conversa foi feita de janela aberta e com a interferência de todo o ruído externo. Ela respondeu:
-Num tem.
Eu, burro segundo ela, entendi:
-Um, tem.
Como não precisava mais do que um, fomos regulando os gastos para a bufunfa chegar até Foz do Iguaçu e como era bom de cálculos e gastamos a folga no concerto do paralama do carro mais o excesso de dias em Assunção, chegamos zeradinhos. Falei que iríamos direto para o Banco e depois para o Hotel e isso para que ela consultasse o 4 Rodas para pegar o endereço, quando ela, se assustando, falou que não tinha Bradesco na cidade e ela tinha me avisado disso. Entramos em pânico, e fomos para o hotel e no check in já perguntamos se eles aceitavam cheques e só nos hospedamos quando encontramos um que confiasse na gente. Era no meio de estrada e no caminho entre a cidade e as cataratas, novinho em folha, e acho que nós o inauguramos. Não me lembro mais do nome, 30 anos depois eu voltei em Foz e ele estava acabado, tornara-se uma espelunca de quinta categoria. Nem pudemos aproveitar Foz e o único programa foi ir ao hotel das Cataratas e vê-las de lá. Pagamos o hotel e com a autorização do dono pegamos um troco para abastecer o carro e chegar a Londrina com os bancos abertos ainda.


Foi então que aconteceu o segundo azar. Passamos por um posto rodoviário e o mesmo viu que o nosso seguro obrigatório estava vencido e não poderíamos continuar a viagem daquele jeito. Não tínhamos dinheiro nem para a propina, muito menos para pagar o seguro. Nos mandaram em uma casa de cambio para trocarmos o cheque e lá fomos extorquidos. O FDP só aceitava cheques na venda de dólares e não na compra. Demos um cheque de uns 200,00 em dinheiro de hoje, compramos os dólares e vendemos a eles mesmo por 150,00. Era a diferença de cambio. Como estávamos ferrados mesmo, não teve jeito. Com esse dinheiro pagamos o seguro e voltamos para a estrada. Nessas horas já não conseguiríamos chegar a Londrina com o Bradesco aberto e jantamos no caminho, pinhões, uns coquinhos cozidos e enjoativos no último. Mas era lua de mel e tudo era festa. Nem brigamos muito para discutir quem era o responsável por aquela merda toda.
Em Londrina tudo se regularizou e de lá seguimos para Campo Grande, completando 10.000 km rodados, e fora a batida do ônibus no paralama, o carro não deu o menor problema. Era um puta carro. Deixamos ele com tio Jamil e fomos de trem para Corumbá. Foi quando conheci a fazenda Santa Anatalia. Fomos com Pedrinho, meu sogro, para lá e passamos mais uma semana. Quando voltamos para São Paulo para procurar emprego, eram meados de junho e completamos dois meses e uma semana de lua de mel. Também foi a última vez que fiquei tanto tempo sem trabalhar na minha vida. Depois disso, quase 40 anos, não me lembro de nenhumas férias com mais de 15 dias. Tenho muitas saudades dessa moleza toda, pois hoje em dia não é fácil.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Carlitos

Carlitos foi empregado do Marinho na época que existia a tal da estabilidade do emprego e que depois foi substituído pelo fundo de garantia de tempo de serviço, o conhecido FGTS. O empregado, à medida que ia permanecendo no emprego, ia adquirindo um direito a uma indenização quando fosse demitido, que crescia com o tempo de uma maneira geométrica e não linear. O que acontecia é que a partir dos 10 anos ele se tornava seu sócio, pois não tinha dinheiro que pagava a indenização para demiti-lo e ele atingia a tal da estabilidade. O que acontecia nas grandes empresas é da mesma demitir o empregado antes dele atingir essa estabilidade e depois, se fosse o caso, recontratá-lo para começar a contagem do tempo novamente, uma vez que o mesmo não era cumulativo.

Não era a política de vovô Marinho e nem a de seus filhos e sucessores na empresa. Tinham um monte de empregados com essa estabilidade e todos trabalhando muito bem obrigado, como o velho Juvenal que morreu empregado e sua mulher continuou recebendo como se ele estivesse vivo até morrer também, Daniel, Vinino, Anacleto e muitos outros. Foi assim que, o governo, percebendo que não era esse o procedimento da maioria das empresas, resolveu criar o fundo de garantia e que funciona até hoje. Como todos sabem, mensalmente a empresa deposita 8% do valor do salário do empregado numa conta dele e quando ele for demitido sem justa causa, levanta esse dinheiro, e a empresa tem que pagar ainda mais 40% do valor acumulado. Com isso a empresa passou a ter um encargo linear e acabaram-se as demissões e a estabilidade por tempo de serviço.

Mas houve uma época de transição, onde o empregado podia optar entre ter estabilidade ou entrar para o fundo. Todos fizeram um acordo com a empresa e através de um prêmio pelo tempo de serviço tornaram-se optantes do FGTS, quase todos, mas mesmo entre os filhos legítimos tem uma ovelha negra. O Carlito não quis perder a estabilidade dele por preço nenhum. Seu plano maligno já estava traçado e começou um dos combates mais longos da vida de seu Alberto Marinho. Ele fazia questão de fazer tudo errado, para que, em um momento de descompensação de algum dos sócios, fosse demitido e ele mamar numa bolada, como ficaram sabendo que ele falava. Ele passou a ser subordinado de papai, depois de um probleminha com um dos irmãos, quando quase perdeu a cabeça e fez o que ele queria. Como papai era mais tranqüilo ele partiu para uma terceira opção que era fazer o Carlitos pedir as contas. Teve um dia, lá pelos anos de 1970, que eu de férias em Corumbá, encontro o Carlitos, na rua Delamare com uma telha eternit de 2,4 m na cabeça. Cheguei no Marinho e perguntei a papai o que era aquilo e ele me explicou que a Brigada Mista, que ficava a 5 quadras do marinho tinha comprado 300 telhas daquelas e o Carlito estava fazendo a entrega. Eram 10 viagens por dia e em 30 dias úteis ele terminava. Falei pra papai que aquilo não era humano o que o deixou muito puto comigo. Como ia ficar as férias todas aqui, ele transferiu o Carlitos para o Posto que o Tontonio tomava conta e onde eu passava a maior parte do meu tempo. Me falou isso e completou que eu ia aprender não só sobre ser humano, como também sobre "O" ser humano.

No segundo ou terceiro dia da nossa discussão, eu estava no posto e falando sobre o Carlitos com o Tontonio, quando ele, com o queixo, me apontou uma camionete. Na carroçaria estava o dito cujo abastecendo um tambor de 200 litros de óleo diesel. Depois de uns 30 minutos, como ele não terminava, o Zé gritou para ele:
- E ai Carlitos, enche esse negócio ainda hoje?
Ele, de cima da camionete, gritou:
- Não sei não, seu Zé. Tudo que eu jogo aqui sai por aquele outro buraquinho ali.
Quando corremos para lá, vimos aquele rio de óleo diesel escorrendo da camionete. A porra do tambor estava furado e o filho da puta do Carlito não avisou ninguém e jogou um monte de óleo diesel fora. Estava começando o meu aprendizado sobre o quanto o ser humano pode ser desumano. Mandamos ele de volta para papai, com o meu sincero pedido de desculpas.

Mais tarde, alguns anos depois, eu consegui fazer um acerto com o Carlitos, não por dó dele, mas de papai, que morreu sem saber que a última sacanagem quem fez foi o Carlitos. No acerto incluía uma entrega de 200 telhas de 4 mm de 2,44 m. Ele falsificou o documento e o alterou para 2000 telhas de 6 mm. Tudo que eu tinha negociado foi por água abaixo e ele saiu com o valor que ele queria. Grande F da P, como dizia papai.

Apesar de tudo, ainda consegui aprender alguma coisa com ele, ou melhor, através dele.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Nota de esclarecimento

Eu já contei aqui os motivos que me levaram a escrever essas memórias em "A origem", que foi a história número 35. A de hoje é a 229 e a estou usando para fazer um esclarecimento. Tudo que está aqui escrito não é a "expressão mais pura da verdade", como gostava de dizer o meu saudoso amigo Ubirajara Sebastião de Castro, pois a mesma, ainda segundo ele, só existe em termos jurídicos e nunca filosóficos. O que esta escrito aqui são os registros feitos pela minha memória e ela, algumas vezes, pode me trair, pois os relatos são conforme os meus entendimentos e lembranças, e podem já estar deturpadas pelo tempo.

Tem coisas que parecem que eu vi e às vezes, após um trabalho investigativo, concluo que isso não era possível, pois o fato simplesmente ocorreu antes de eu ter nascido. A conclusão é que o ouvi tantas vezes que a memória auditiva se confundiu com a visual, agora plagiando o meu amigo, médico, filósofo e escritor, Alaer Garcia. Com isso quero dizer que se houve alguma história com algum personagem e ele lembra que aconteceu de uma forma diferente, quero que ele veja isso como a minha verdade, uma vez que são as MINHAS lembranças. Não me chateio de virem me falar que não foi exatamente como eu escrevi, e às vezes, até reconheço que errei em algum ponto, mas não vou ficar fazendo erratas aqui. Meus filhos, que são personagens principais desse blog, sempre me corrigem. A vez do peixe do médico eles falam que:
- O peixe morreu no ralo, nós nunca nos esqueceríamos de voltar eles para o aquário como você escreveu.
- Fomos diminuir a água da pia onde eles estavam, e não num saco plástico, outra errata sua, para facilitar a captura, quando o King num sei das quantas resolveu se suicidar e entupiu o buraco. Ele ficou com água só no corpo e a cabeça, entalada no ralo, no seco e morreu afogado. Peixe morrer afogado!!! Pode mudar algumas passagens, mas não muda o contexto. Fizeram merda.

Agora tem coisas que acontecem que complementam as lembranças e, em alguns casos vale a pena fazer o conserto. Já tinha escrito aqui sobre um pintor, amigo de papai e do qual eu não me lembrava mais do nome. Foi a história número 11 e resolvi rebatizá-lo de Dom Rafael. Papai ainda era vivo e vi que ele também já não se lembrava mais o nome do homem. Eu perguntava de era Dom Rafael e ele confirmava. Passado uns dias eu mudava para Dom Pablo e ele confirmava também e acabou que o nome do homem foi para o esquecimento.
Lembrava que tinha um prefixo e achava que era Dom e o nome era bem espanhol. Mas as coisas acontecem e vem de onde você menos espera. Depois de fazer um negócio com meu primo Ivan, ele me presenteou com uma das coisas mais bonitas que recebi nos últimos tempos. Eram dois quadros de vovô Marinho e vovó Emilia, feito em grafite e em uma moldura de madeira e prata. Estavam lá imortalizados os meus avós e num desenho muito bem feito.
Passei uma meia hora sentado em uma cadeira admirando aqueles retratos quando resolvi me aproximar e tentar ler a assinatura do autor e a data da execução do trabalho e fiquei ainda mais contente com aquele presente. Estava lá imortalizado também o nome do homem que eu tinha me esquecido e achado que, com a morte de papai, nunca mais descobriria. Os quadros foram pintados em 1954 e ao lado da data estava a assinatura do artista. La Torre. Tinha um prefixo e era bem espanhol mas estava atirando longe. Assim que a reforma da casa onde vovô morou estiver pronta, vou chamar o Ivan para ele ver onde ficou o quadro e tomar um bom vinho português com ele.

Agora, para efeito de registro, eu teria que fazer uma errata. Tinha que ser uma tabela, numa coluna iria o título da história e na outra as correções, daquele tipo, "historia tal", onde esta "Não sei o que", leia-se "Sei o que", o nome de "fulano de tal" é "sicrano de tal". Para evitar isso, que vai ser um pé no saco, pediria aos protagonistas das histórias, que nos comentários desse blog fizessem as correções. Não vou ficar chateado, pois não vou considerar como um desmentido publico e sim como uma ajuda com as histórias e para minha memória física. Agora, fora isso, vou declarar:
OU CORRIGAM-ME DESSA FORMA OU CALEM-SE PARA SEMPRE. (foda escrever, nesse iPhone, tudo em letra maiúscula. Não vai mudar, hein Laurinha!.)

quinta-feira, 9 de junho de 2011

O crime

Arnaldo é casado com minha prima, a Rosa Maria e tem quatro filhos. O primeiro, o Arnaldinho, nasceu quando eu ainda era solteiro e tinha todas aquelas dúvidas se um dia poderia ter um filho. Visitava os dois e curtia o Dinho. Me lembro de um brinquedo que ele tinha, um palhaço de madeira que quando você puxava uma cordinha os olhos reviravam e ele balançada os braços e as pernas e o Dinho dava risadas. Pois bem, passaram mais de 20 anos, talvez 25, quando recebo um telefonema da Rosa para acudir o Arnaldinho na fazenda. Ele já formado em Zootecnia cuidava de sua parte da fazenda Cocaes e eu arrendava um outro quinhão, então éramos, além de primos e amigos, vizinhos e portanto o cara ideal para se recorrer nessas situações. Por telefone, ela me contou o ocorrido, e na hora percebi que o acontecido era carga demais para a bateria de qualquer um, ainda mais para um jovem em início de carreira.


Ele havia chegado na fazenda de surpresa e encontrado a coisa meio bagunçada. A cozinheira tinha se cortado e seu marido, que era o capataz, estava sumido. O Arnaldinho começou a investigação. Pensou primeiro em um acidente no campo, o nego saiu sozinho para ver alguma cerca, sentiu mal e pronto, pensamento logo descartado, pois a traia de arreio dele estava ali, então sair montado ele não saiu. A arma estava pendurada no armador de rede e ninguém saía sem o "berro" na cintura. Pediu que o praieiro e mais um peãozinho saíssem em sua procura por volta da sede que podia estar enfartado e passando mal ali por perto, e... nada. Assuntou com a mulher dele e com o praieiro que também cuidava da roça se não tinha passado nenhuma condução e... nada. Pensou-se até em abdução, mas nem movimento estranho no céu alguém viu. O mistério do desaparecimento do homem foi aumentando até que o cachorrinho do capataz, daqueles bem comum, marca vira lata, e com aqueles nomes de cachorro mesmo, tipo Rex, esclareceu tudo. Começou a cavar ao lado da cozinha, assim bem pertinho mesmo, a uns 10 metros e o Arnaldinho estranhou que o mesmo chorava. De repente do buraco surge uma mão. Depois do puta susto e de superar o medo, chamou o praieiro, mesmo assim meio se borrando e meio desesperado, foram cavando e lá estava ele. Na outra ponta da mão o capataz, mortinho da silva. O menino endoidou, ligou para a mãe que ligou para o pai que ligou para mim. O guri estava na fazenda com um cadáver e uma mulher sangrando e não sabia o que fazer. Tranqüilizei-os e falei para eles, que mandaria o Zé Mauro lá, que não tinha pessoa melhor para resolver essas situações.

Quando falei com o Zé, e perguntei se ele queria que eu fosse junto, ele já respondeu que preferia "gastar" o lugar com a polícia. Recomendei que ele tomasse cuidado para não ferrar com nosso avião, pois teria que carregar defunto em estado de decomposição e mulher sangrando. Ficamos no aguardo do retorno da expedição. Isso tudo foi por volta das 11 horas da manha e às 5 da tarde o Zé Mauro entrou no escritório. Bea toda curiosa e afobada foi recebê-lo na porta e perguntando:
- E ai Zé, estamos todos muito preocupados, o que aconteceu por lá?
O Zé, com aquele jeitinho meio caipira dele respondeu:
- Vocês podem ficar tranqüilos que o morto foi enterrado lá mesmo, o que matou ta preso e a mulher já ta medicada. Ta tudo certo.

Falou isso e ameaçou de ir embora. Segundo os ouvintes foi só para escutar o pedido para contar os detalhes, que não poderiam ser mais escabrosos. A cozinheira era amante do praieiro e tramaram juntos, de matar o marido, que era o capataz. O praieiro foi o executor e a mulher, arrependida, tentou se suicidar cortando os pulsos. Isso tudo descoberto lá na fazenda, com o corpo desenterrado e num cheiro insuportável, e com a policia, não vendo como enterrá-lo lá pois não tinha caixão, e querendo trazê-lo de avião, no nosso avião, para Corumbá. Aí entrou a experiência do Zé Mauro e seus conhecimentos indígenas. Como o capataz era meio abugrado o Zé convenceu os policiais a enterrá-lo de acordo com suas tradições ou seja numa rede. Fizeram uma vala mais funda, fora do alcance do cachorro detetive, e largaram o corpo lá mesmo. Bea escutando e sabendo das minhas preocupações já se tranqüilizou quanto ao transporte do corpo em decomposição, mas ainda tinha a mulher de pulso cortado e perguntou ao Zé se não tinha sujado o avião de sangue. Ele garantiu que estava tudo em ordem, pois tinha estancado o sangue da cúmplice e para garantir, ensacou a mão dela, tudo muito simples, segundo ele. Se fosse "aquele" meu amigo ele diria, "Não é fácil", mas o Zé tem o dom da descomplicação. Grande Zé Mauro.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

O início dos tempos

Sempre me pego pensando em quais fatos mais antigos eu tenho na memória. Fico sem saber o que eu realmente vi e o que se firmou por fotos ou narrativas de terceiros. Da casa que tínhamos na Mello Alves, em São Paulo, tenho uma lembrança muito nítida, mas não sei qual foi a última vez que estive lá e ninguém consegue me precisar essa data. Da babá, a última de que me lembro, contratada com o fim específico de cuidar de mim, foi a Rosinha. Lembro-me dela cantando Luar do Sertão para me fazer dormir e só isso não define a minha idade. Mas me lembro também dela me levando para tomar banho de macaquinho, quando eu subia nas suas costas, me agarrava no seu pescoço e fazia-a galopar pela escada do sobrado acima. Calculando o peso dela, era muito magrinha, e a velocidade que eu conseguia imprimir, dá para concluir que eu não podia pesar mais do que 10 kg. Como eu era muito magrinho também, calculo de 4 para 5 anos. Aí entro numa contradição, pois eu tinha uma serraria nos fundos de casa, e fazia cadeiras e mesas de caixote de frutas, com ela me ajudando, lógico. Não era tão inteligente assim para fazer isso com essa idade, e volto para a estaca zero.

Com papai, me lembro dele estacionado em frente da igreja matriz, esperando a missa acabar e pegar Mamãe. Eu ficava de pé no banco e com as mãos em seus ombros, enquanto ele lia jornal. Acho que não descíamos na igreja juntos com ela, pois eu ficava correndo e azucrinando a missa, mas essa conclusão já é minha atual. Lembro até de escutar a voz de mamãe cantando na missa e sobressaindo sobre as demais e papai identificando ela para mim. Como ficava de pé no banco, calculo de 4 a 5 anos, de novo. É incrível como isso me deixa nervoso. Não sei quando a minha vida começou realmente, com todos os registros em minha memória. Sinto como se me faltassem esses anos iniciais. É como você comprar um bolo com uma mordida desconhecida. Se eu pudesse achar que isso aconteceria, começaria esse blog mais cedo. A primeira história seria, "Comecei sentindo um tapa na bunda, que só parou quando chorei. Que merda será que já fiz".

Já na escola Domingos Sávio, me lembro do dia em que fui à aula com o meu primeiro relógio, novinho, sem saber ver as horas. O Roberto Costa Marques, que era bem mais velho, me vendo com o relógio perguntou as horas. Lembro da minha resposta, mostrando o relógio para ele falei: "Não sou seu empregado. Quer saber? Olhe aí que eu deixo.” Devia ter 5 para 6 anos para não saber olhar horas e ter esse tipo de resposta.

De outra época, mamãe foi com papai para São Paulo e ficamos, eu e o Tontonio, sozinhos em casa e para cuidar da gente ficou a minha prima Elisa. Ela era bem mais velha que a gente. Me lembro que ficava sozinho com ela enquanto Tontonio ia para a escola. Não via a hora dele chegar pois ela me dava medo o tempo todo. Ela só conseguia fazer eu ficar quieto ameaçando de chamar o Joãozinho do Saco pra me levar. Era um sujeito mal encarado que andava catando coisas na rua e carregava tudo em um saco nas costas. Ela me falava que estava cheio de crianças desobedientes e que se eu não a obedecesse ia chamar o Joãozinho para mim. Vivia atemorizado ou aterrorizado. Apesar da judiação, isso serviu para me ligar mais ainda ao meu irmão, que passou a ser meu salvador e quebrava o maior pau com ela toda vez que eu reclamava para ele. Talvez essa seja uma das lembranças mais antigas e não tão boa assim. Não posso dizer que tenho da Elisa a mesma saudade que da Rosinha, essa sim eu gostaria muito de reencontrar, mais não tenho a menor idéia de seu paradeiro e nem sei se está viva. Sei que tinha uma irmã gêmea que se chamava Tereza e um irmão que vendia picolé na rua e se chamava João. Se alguém achar a Rosinha para mim será bem gratificado. Prometo.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Mecânica Pesada

Entrei na Mecânica Pesada em agosto de 1974. Tinha 24 anos recém completos, um ano e meio de casado e uma filha de 6 meses. Hoje tenho certeza de que foi a melhor época da minha vida. Fiquei 10 anos e 4 meses e saí para trabalhar na empresa de meu pai e que se chamava Marinho e Cia Ltda. Mesmo assim eu passei uns 5 anos ainda dizendo que ia para a Mecânica Pesada quando saía para o serviço. Quando abri a minha construtora, a Marinho Engenharia, quis chamá-la de Marinho Engenharia e Projetos, só para a abreviação ser MEP também, que era como tratávamos carinhosamente a Mecânica Pesada. Entrei como engenheiro de cálculos e saí como chefe de departamento de Engenharia e Métodos. Participei da construção das maiores usinas hidroelétricas desse país, projetando seus equipamentos hidrodinâmicos. Foram, que eu me lembro, Itaipu, Paulo Affonso VI, Porto Primavera, Sobradinho, São Simão, Taquarucu, Rosana, Três Irmãos, Pedra do Cavalo, Emborcação e mais um lote de porte menor. Os clientes eram poucos, a CESP, CHESF, Itaipu Binacional, Furnas, CEMIG, CELG e mais alguma que devo estar esquecendo. Era um monte de equipamentos que estavam em várias partes da usina, como na tomada d'agua, casa de força, tubo de sucção ou vertedouro e ainda as eclusas, para permitir a navegação. Às vezes tinham até três usinas em projeto e com uma quantidade enorme de equipamentos. Era uma loucura. A Engenharia tinha umas quarenta pessoas entre calculistas, projetistas e desenhistas. Cada equipamento tinha um engenheiro responsável pela execução e aprovação do projeto. Lembro-me de todos eles e de suas características principais.

O Antonio Benedito Pereira, era o mais tranqüilo e um trator para trabalhar. Ideal para coisas de curto prazo. João Scherer, meu vizinho, muito detalhista. Bom para coisas complicadas. Luis Fernando, projetista de primeira e formou-se em engenharia depois. As coisas apertavam e ele ia para a prancheta (aquela mesa em que se desenhava antigamente, antes dos computadores). Tinha ainda o Rubinho e o Laércio Ferreira, que estavam começando quando eu já estava de saída, mas bons engenheiros e amigos.. Na área de cálculos tinha a d.Virgínia, esposa do Choulian, meu chefe, o Flavio Luis Ferreira, que eu levei para lá, pois era meu colega de classe na engenharia civil, a Michelle, filha do Karmazim, meu amigo francês, o Marco Antonio, que se formou e começou conosco, o Luis Antonio Bovo que foi meu aluno na faculdade de Taubaté e como foi o melhor da classe, levei-o para a MEP também e outros que a memória já está me pegando. Não posso esquecer do meu primeiro estagiário e subalterno direto, o Antonio Carlos Tonini, que depois se transformou em um grande calculista. Ele foi contratado na época do cálculo das pontes de 450 toneladas de Paulo Affonso IV. Eram as maiores do mundo. A primeira fase era o projeto do caminho de rolamento, o trilho fixo no concreto, que tinha que ser passado para o cliente com muita antecedência, pois interferia na parte civil, na construção da casa de força. Troquei as bolas e ao invés de uma medida que tinha 150 mm entrou nos cálculos como 150 cm. O erro foi visto a tempo, mas me deixou totalmente inseguro com o tamanho da merda que daria se ele tivesse passado. Convenci o Choulian de contratar um estagiário que verificaria todas as contas e então veio o Tonini. O cálculo de um equipamento tinha aproximadamente umas 500 folhas e devia ser feito de modo que o cliente pudesse analisá-lo e aprová-lo. Então, além de bem feito tinha que ser didático. O Tonini tinha que entender e corrigir as contas. Nunca vi ninguém aprender tanto e em tão pouco tempo, como nessa posição.

Com o cálculo era feito um ante projeto e este ia para a mesa do projetista, que tinha que desenhar aquilo tudo, verificando as interferências e detalhando cada peça que ia ser fabricada. Ali tínhamos verdadeiras feras e que conheciam tudo de projetos. O Romeu Gamberini, o Juan Garzon, Joaquim português, Nivaldo e vários outros. Não era a toa que a MEP era tida como a melhor empresa do ramo neste país.

As coisas foram muito bem até que começou a crise política. Colocaram o Delfim Neto para distribuir melhor a renda do país e ele começou pelos assalariados, tirando dos que tinham um pouco e passando para os que não tinham nada. Era o tal do achatamento salarial. Quem ganhava mais do que o equivalente a 5000 dólares, tinha um reajuste salarial de 80% do valor da inflação. Os que estavam de 4000 a 5000 o reajuste era de 85%, e assim ia até o salário mínimo que era de 130%, ou seja, aumentava dos miseráveis tirando dos pobres e remediados. Em pouquíssimo tempo fui passando de bem de vida, para remediado e rapidinho não tinha mais como pagar as prestações da minha casa na CEF. Foi a maior sacanagem que fizeram com a classe média assalariada desse país. Foi então que o útil uniu-se ao, não só agradável, mas necessário. Começamos a nos preparar para voltar para nossa Corumbá, encerrando uma fase importante da minha vida, a de engenheiro Mecânico. Tinha novos desafios pela frente.