segunda-feira, 20 de junho de 2011

Lua de mel parte 2

Como já tinha escrito na parte 1, estávamos viajando há quase um mês e percorrido 4.000 km. Adoramos Montevidéu e de lá seguimos para a Argentina. Fomos até o porto de Colônia, quase no extremo oeste do Uruguai, e atravessamos o mar del plata, em um navio que se chamava baleeiro e pegava mais de 100 carros. Desembarcamos em Buenos Aires e fomos procurar um hotel. Aliás, toda a nossa viagem, a única reserva que fizemos de hotel foi no Toribas, em Campos do Jordão. O resto foi escolhido na hora, no guia quatro rodas, que era melhor que o Google, pois não tinha perigo de ficar fora do ar e tinha tudo, desde preço, nível do hotel, endereço, telefone para reservas, e o que você pensar mais. Não sei se existe isso ainda, pois com o tal do GPS, ninguém vai consultar mapas para viajar, mas era realmente uma coisa extremamente útil para viajantes sem rumo, como nós. Velhos tempos.
Em Buenos Aires, tivemos a primeira grande surpresa da viagem. Os argentinos eram simpáticos com a gente. Já existia Pelé, mas não tinha Maradona. Chego até a pensar que essa aversão mútua foi provocada por ele. Não me lembro de detestar argentinos naquela época. Não sei quando peguei essa mania, pois na lua de mel eles foram todos muito simpáticos, mas sei que na guerra das Malvinas eu já não gostava deles. Saímos de Buenos Aires e fomos subindo para o norte, passando por Santa Fé, Resistência, onde pernoitamos e Formosa. Nosso destino era Assunção, Paraguai.
O interessante é que para chegarmos a Assunção tínhamos que atravessar o Rio Paraguai e não existia ponte. Entramos em uma balsa que transportava um carro por vez e era tocada por um motorzinho de popa dos mais porcarias que existe. Se pifasse aquela merda nós voltaríamos rodando para o Mar del Plata. Mas tudo deu certo e chegamos a Assunção. Já estávamos com pouco dinheiro e depois de ver o preço do Hotel Guarani, o melhor do Paraguai, nos hospedamos no Estrela, diária 1/5 do preço e muito simpático. Era na região central e 40 anos depois eu o visitei e continuava do mesmo jeitinho da nossa lua de mel. Programamos um dia somente em Assunção para visitarmos uma aldeia de índios. Encontramos um guia que nos levou até lá. Era um sarro, pois tudo era cobrado. Fotografia de indiozinho, 2,00 cruzeiro, cacique 5,00, mulher do cacique sem cobra, 10, com cobra, 15 e mostrando os peitos 20. Não agüentei e paguei a cacica com tudo que tinha direito: cobra e os peitões de fora, juntei a Índia mais com medo do cacique do que da cobra e Bea imortalizou-nos com uma foto que não consigo mais achar.
Quando voltamos para o carro, a primeira merda da viagem toda, um ônibus tinha acertado o paralama dele o que nos obrigou a ficar mais três dias em Assunção, enquanto uma oficina consertava meu opala. O mesmo que era amarelo saiu com o paralama traseiro laranja, mas não podíamos esperar mais. Já estávamos a dois dias no hotel jogando cartas e queríamos conhecer as cataratas de Iguaçu.
A segunda merda foi um causada por um mal entendido entre Bea e eu. Quando saímos de Porto Alegre, que foi a última cidade brasileira, perguntei a Bea se existia banco Bradesco em Foz do Iguaçu. Antigamente não existia esse dinheiro de plástico - cartões de credito, e toda a viagem era paga no cheque ou em moeda. Posto de gasolina e cidade fora do Brasil, só no cacau. Como não existia ar condicionado em carro também, a conversa foi feita de janela aberta e com a interferência de todo o ruído externo. Ela respondeu:
-Num tem.
Eu, burro segundo ela, entendi:
-Um, tem.
Como não precisava mais do que um, fomos regulando os gastos para a bufunfa chegar até Foz do Iguaçu e como era bom de cálculos e gastamos a folga no concerto do paralama do carro mais o excesso de dias em Assunção, chegamos zeradinhos. Falei que iríamos direto para o Banco e depois para o Hotel e isso para que ela consultasse o 4 Rodas para pegar o endereço, quando ela, se assustando, falou que não tinha Bradesco na cidade e ela tinha me avisado disso. Entramos em pânico, e fomos para o hotel e no check in já perguntamos se eles aceitavam cheques e só nos hospedamos quando encontramos um que confiasse na gente. Era no meio de estrada e no caminho entre a cidade e as cataratas, novinho em folha, e acho que nós o inauguramos. Não me lembro mais do nome, 30 anos depois eu voltei em Foz e ele estava acabado, tornara-se uma espelunca de quinta categoria. Nem pudemos aproveitar Foz e o único programa foi ir ao hotel das Cataratas e vê-las de lá. Pagamos o hotel e com a autorização do dono pegamos um troco para abastecer o carro e chegar a Londrina com os bancos abertos ainda.


Foi então que aconteceu o segundo azar. Passamos por um posto rodoviário e o mesmo viu que o nosso seguro obrigatório estava vencido e não poderíamos continuar a viagem daquele jeito. Não tínhamos dinheiro nem para a propina, muito menos para pagar o seguro. Nos mandaram em uma casa de cambio para trocarmos o cheque e lá fomos extorquidos. O FDP só aceitava cheques na venda de dólares e não na compra. Demos um cheque de uns 200,00 em dinheiro de hoje, compramos os dólares e vendemos a eles mesmo por 150,00. Era a diferença de cambio. Como estávamos ferrados mesmo, não teve jeito. Com esse dinheiro pagamos o seguro e voltamos para a estrada. Nessas horas já não conseguiríamos chegar a Londrina com o Bradesco aberto e jantamos no caminho, pinhões, uns coquinhos cozidos e enjoativos no último. Mas era lua de mel e tudo era festa. Nem brigamos muito para discutir quem era o responsável por aquela merda toda.
Em Londrina tudo se regularizou e de lá seguimos para Campo Grande, completando 10.000 km rodados, e fora a batida do ônibus no paralama, o carro não deu o menor problema. Era um puta carro. Deixamos ele com tio Jamil e fomos de trem para Corumbá. Foi quando conheci a fazenda Santa Anatalia. Fomos com Pedrinho, meu sogro, para lá e passamos mais uma semana. Quando voltamos para São Paulo para procurar emprego, eram meados de junho e completamos dois meses e uma semana de lua de mel. Também foi a última vez que fiquei tanto tempo sem trabalhar na minha vida. Depois disso, quase 40 anos, não me lembro de nenhumas férias com mais de 15 dias. Tenho muitas saudades dessa moleza toda, pois hoje em dia não é fácil.

Um comentário:

  1. Até hoje eu me pergunto, quem é que responde
    - Um, tem...
    Claro que era
    - Não tem...
    Enfim, acho que naquela época já estava dando inicio uma pequena surdez que o acompanha até hoje.

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