Arnaldo é casado com minha prima, a Rosa Maria e tem quatro filhos. O primeiro, o Arnaldinho, nasceu quando eu ainda era solteiro e tinha todas aquelas dúvidas se um dia poderia ter um filho. Visitava os dois e curtia o Dinho. Me lembro de um brinquedo que ele tinha, um palhaço de madeira que quando você puxava uma cordinha os olhos reviravam e ele balançada os braços e as pernas e o Dinho dava risadas. Pois bem, passaram mais de 20 anos, talvez 25, quando recebo um telefonema da Rosa para acudir o Arnaldinho na fazenda. Ele já formado em Zootecnia cuidava de sua parte da fazenda Cocaes e eu arrendava um outro quinhão, então éramos, além de primos e amigos, vizinhos e portanto o cara ideal para se recorrer nessas situações. Por telefone, ela me contou o ocorrido, e na hora percebi que o acontecido era carga demais para a bateria de qualquer um, ainda mais para um jovem em início de carreira.
Ele havia chegado na fazenda de surpresa e encontrado a coisa meio bagunçada. A cozinheira tinha se cortado e seu marido, que era o capataz, estava sumido. O Arnaldinho começou a investigação. Pensou primeiro em um acidente no campo, o nego saiu sozinho para ver alguma cerca, sentiu mal e pronto, pensamento logo descartado, pois a traia de arreio dele estava ali, então sair montado ele não saiu. A arma estava pendurada no armador de rede e ninguém saía sem o "berro" na cintura. Pediu que o praieiro e mais um peãozinho saíssem em sua procura por volta da sede que podia estar enfartado e passando mal ali por perto, e... nada. Assuntou com a mulher dele e com o praieiro que também cuidava da roça se não tinha passado nenhuma condução e... nada. Pensou-se até em abdução, mas nem movimento estranho no céu alguém viu. O mistério do desaparecimento do homem foi aumentando até que o cachorrinho do capataz, daqueles bem comum, marca vira lata, e com aqueles nomes de cachorro mesmo, tipo Rex, esclareceu tudo. Começou a cavar ao lado da cozinha, assim bem pertinho mesmo, a uns 10 metros e o Arnaldinho estranhou que o mesmo chorava. De repente do buraco surge uma mão. Depois do puta susto e de superar o medo, chamou o praieiro, mesmo assim meio se borrando e meio desesperado, foram cavando e lá estava ele. Na outra ponta da mão o capataz, mortinho da silva. O menino endoidou, ligou para a mãe que ligou para o pai que ligou para mim. O guri estava na fazenda com um cadáver e uma mulher sangrando e não sabia o que fazer. Tranqüilizei-os e falei para eles, que mandaria o Zé Mauro lá, que não tinha pessoa melhor para resolver essas situações.
Quando falei com o Zé, e perguntei se ele queria que eu fosse junto, ele já respondeu que preferia "gastar" o lugar com a polícia. Recomendei que ele tomasse cuidado para não ferrar com nosso avião, pois teria que carregar defunto em estado de decomposição e mulher sangrando. Ficamos no aguardo do retorno da expedição. Isso tudo foi por volta das 11 horas da manha e às 5 da tarde o Zé Mauro entrou no escritório. Bea toda curiosa e afobada foi recebê-lo na porta e perguntando:
- E ai Zé, estamos todos muito preocupados, o que aconteceu por lá?
O Zé, com aquele jeitinho meio caipira dele respondeu:
- Vocês podem ficar tranqüilos que o morto foi enterrado lá mesmo, o que matou ta preso e a mulher já ta medicada. Ta tudo certo.
- E ai Zé, estamos todos muito preocupados, o que aconteceu por lá?
O Zé, com aquele jeitinho meio caipira dele respondeu:
- Vocês podem ficar tranqüilos que o morto foi enterrado lá mesmo, o que matou ta preso e a mulher já ta medicada. Ta tudo certo.
Falou isso e ameaçou de ir embora. Segundo os ouvintes foi só para escutar o pedido para contar os detalhes, que não poderiam ser mais escabrosos. A cozinheira era amante do praieiro e tramaram juntos, de matar o marido, que era o capataz. O praieiro foi o executor e a mulher, arrependida, tentou se suicidar cortando os pulsos. Isso tudo descoberto lá na fazenda, com o corpo desenterrado e num cheiro insuportável, e com a policia, não vendo como enterrá-lo lá pois não tinha caixão, e querendo trazê-lo de avião, no nosso avião, para Corumbá. Aí entrou a experiência do Zé Mauro e seus conhecimentos indígenas. Como o capataz era meio abugrado o Zé convenceu os policiais a enterrá-lo de acordo com suas tradições ou seja numa rede. Fizeram uma vala mais funda, fora do alcance do cachorro detetive, e largaram o corpo lá mesmo. Bea escutando e sabendo das minhas preocupações já se tranqüilizou quanto ao transporte do corpo em decomposição, mas ainda tinha a mulher de pulso cortado e perguntou ao Zé se não tinha sujado o avião de sangue. Ele garantiu que estava tudo em ordem, pois tinha estancado o sangue da cúmplice e para garantir, ensacou a mão dela, tudo muito simples, segundo ele. Se fosse "aquele" meu amigo ele diria, "Não é fácil", mas o Zé tem o dom da descomplicação. Grande Zé Mauro.
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